Via Crucis, um musical produzido pela Plateia D’emoções, cruza duas realidades: o caminho de Jesus até ao Calvário, e, a vida dos sem-abrigo. Depois de encher o Auditório de Gulpilhares, Via Crucis partiu em direção à Maia, onde esteve em cena entre os dias 7 e 12 de abril, no Fórum da Maia.
Em conversa com o AUDIÊNCIA, o elenco do espetáculo falou sobre a importância da mensagem do musical e as mudanças necessárias no mundo artístico.
Filipa Pires, 28 anos
“Este é um musical que fala sobretudo do amor e da esperança. Claro que o tema principal é a vida de Jesus Cristo mas este musical tem uma mensagem para além disso, que é a realidade dos sem-abrigo. Uma realidade que está muito próxima de nós, mas não temos, nem sequer a noção, do que é viver nessas condições. O que é perder tudo.
O que me deixa feliz é estar em cima do palco e poder partilhar este meu gosto com as outras pessoas. Acho que as pessoas têm que se propor a vir mais ao teatro. Nós temos os nossos amigos que vem mais porque somos nós que estamos a fazer, porque quando é para ir ver outras peças, nem querem ir. O teatro aprende-se a gostar. Nós não gostamos de alguma coisa, se não experimentarmos. Ver teatro é algo que aprendemos a ver.”
Mafalda Tavares, 23 anos
“Eu acho que o Via Crucis, acima de tudo, fala muito sobre a solidariedade que nos tempos de hoje, muitas vezes, é esquecida, porque, cada vez mais, tudo passa muito rápido. É bastante importante abrirmos os olhos às pessoas. Os sem-abrigo, por exemplo, são uma realidade que está muito longe de todos nós. Às vezes olhamos e custa, mas, nem nós que fizemos isto e pesquisamos temos a noção de como é viver assim, porque deve ser mesmo estupidamente duro. A cultura não é vista como algo essencial porque nós efetivamente não precisamos da cultura para sobreviver. Mas a realidade é que a cultura é essencial e se não morremos de um dia para o outro, vamos morrendo sem a cultura. As pessoas precisam de ir mais ao teatro e dar mais valor ao que se faz cá, porque as pessoas não tem problema nenhum em pagar um bilhete em Londres de 40 euros, mas cá, pagar um bilhete de 12 euros custa. Nós não temos menos qualidade de que eles de todo, não vou dizer que temos mais, mas, pelo menos, iguais somos. E isso, não tenho dúvida nenhuma.”
Cátia Tavares, 28 anos
“A principal mensagem é o amor. Seja ele qual for. Essa é a maior mensagem que este espetáculo transmite e queremos que chegue ao máximo número de pessoas possíveis, não só, pela mensagem mas também para perceberem a mesma história pode contar coisas muito diferentes. O que é necessário é as pessoas terem consciência que toda a gente que pisa um palco o faz como uma profissão, e, quem está em cima do palco também está a trabalhar como quem está atrás de uma secretária ou atrás de um telefone de segunda a sexta, numa empresa. Eu acho que quando o nosso público nos vir como uma profissão, as coisas vão mudar. Já há muita gente que tem respeito pelo nosso trabalho e obrigada por isso.”
Sofia Fortuna, 25 anos
“O Via Crucis tem uma forte de amor, de solidariedade com o próximo, de esperança que a vida sendo dura poderá mudar se acreditarmos que isso é possível, e se outros acreditarem em nós. As pessoas não têm a noção porque o essencial é invisível aos olhos, mas depois de verem este musical, acho que saem daqui com o coração cheio e com perspetivas de mudar, quem sabe, um bocadinho a sociedade portuguesa. Infelizmente não dá para viver só do teatro aqui, em Portugal. Muita gente acha que é um hobby, uma atividade em part-time. A cultura não é considerada algo que tenha algum produto monetário e nunca terá se as pessoas não vierem ao teatro.”
Tiago Valente, 28 anos
“O Via Crucis transmite uma mensagem universal que tem uma conotação bastante clara com a religião mas que tem várias interpretações. Fala principalmente de esperança e de altruísmo. Temos que ir expondo aos poucos, porque mudar toda uma mentalidade não é um trabalho fácil. A seu tempo isso vai abrindo o horizonte das pessoas e efetivamente as pessoas vão deixar de encarar isto como uma profissão tão banal.”
Mariana Fonseca, 21 anos
“No geral é sobre qualquer tipo de amor, tanto pela parte religiosa como o amor pelas pessoas e pelo próximo.
Terem mais noção que as pessoas estão a trabalhar em palco e que a nossa vida é fazer o entretenimento. Acho que há muita gente que sabe ver teatro mas há pessoas que deviam de aprender a ver e a estar numa sala de espetáculos.”
Rui Castro, 22 anos
“O amor pelo próximo, a esperança e todas as maneiras do amor possíveis. As pessoas precisam, acima de tudo, de ter mente aberta. Ter o espírito livre para sair de casa a um domingo à tarde, por exemplo, e dizer vou ao teatro. Muitas vezes nós vimos que vêm contrariados mas saem muito contentes e muito felizes e, para nós, isso é muito importante.”
Maria Luís, 20 anos
“A mensagem que nós queremos passar é muito universal. Acho que há várias interpretações possíveis para a mensagem que trazemos aqui e isso é ótimo, porque vai tocar a cada um de maneira diferente. As pessoas pensam que vir ao teatro é uma seca, uma perda de tempo porque não vou lá fazer nada. Mas, realmente é o nosso trabalho. As pessoas têm que perceber que estamos a fazer uma coisa que gostamos e é o nosso trabalho.”
Gonçalo Marques, 23 anos
“Eu acho que é uma chamada de atenção para refletir não só no que o rodeia , mas também uma autorreflexão sobre a nossa própria vida, porque cada um tem a sua cruz. Há sempre força e vontade de querer lutar e devemos seguir o caminho que o nosso coração escolher. O teatro é uma arte que requer muita coragem. Nós podemos estar a trabalhar num escritório e acontece alguma problema, há uma reclamação mas é por telefone ou por carta. Se tivermos na televisão aquele take correu mal, gravamos outro, Mas, aqui no teatro nós temos o público frente a frente. Temos que dar a nossa cara na hora e, por isso, acho que é uma arte muito importante. É necessário divulgar muito e incentivar a cultura nas pessoas, mostra-lhes o que se faz.”
Marta Ramos, 22 anos
“Eu vejo isto de dois lados. O primeiro é o que está representado pelos sem-abrigo que são pessoas com várias cruzes na sua vida e, por aí, é uma mensagem de esperança. Por outro lado, há a parte do espetadores, que somos todos nós, onde se transmite uma mensagem de compaixão e de pararmos um bocadinho com os preconceitos. Olhar para outra pessoa e pensar no que ela já viveu. A mudança no teatro, por mim, passa pela educação. É necessário incentivar as escolas a virem ao teatro porque muitos dos meninos não vão com os pais.”
Emanuel Oliveira, 26 anos
“O Via Crucis é um musical, na minha perspetiva, um pouco engraçado porque usa um tema fora do comum em musicais, que é um tema religioso, mas a parte religiosa é usada como uma metáfora, porque usamos o símbolo da cruz como uma cruz de cada um, e não, como a cruz na qual foi crucificado Jesus Cristo. Mas a principal mensagem é o amor que transmitimos aos outros e a esperança que temos de uma vida melhor. Também fala um pouco do egoísmo das pessoas que interagem com os sem-abrigo. Tentamos de forma mais real possível, mostrar a vida infeliz de um sem-abrigo para conseguir atingir o público. Nós não conseguimos viver só do teatro e, o teatro acaba por ser um escape para a outra vida que temos para conseguir manter esta. Eu digo sempre que não vivo para trabalhar, eu trabalho para viver. A parte do viver é esta de fazer teatro. As pessoas têm que sair da zona do conforto. Nós estamos numa altura em que as pessoas se habituaram muito a terem tudo sentadas. Temos um país estragado em termos de cultura na área do teatro. Compreendo que seja mais dispendioso do que estar em casa, óbvio. Mas não é mais saudável.”
Carolina Duarte, 25 anos
“É uma mensagem universal a toda a gente, independente, de ser uma mensagem focada numa religião específica.
A mudança no mundo artístico, na minha opinião, passa por dirigir cada vez mais as peças para o público em questão, ou seja, não fazer espetáculo só por satisfação artística, mas perceber o que as pessoas querem ver ou o que gostam de ver e o que estão aptas para perceber ou não.”
Raquel Borlido, 23 anos
“É uma mensagem de amor pelo próximo. É um acordar e um chamar a atenção para a realidade dos sem-abrigo.
O teatro, em Portugal, é muito desvalorizado. As pessoas não dão valor àquilo que é feito e não têm muito a noção do trabalho que nós fazemos. Infelizmente, nenhum de nós consegue viver só disto. É necessário uma maior divulgação do que é feito a nível do teatro.”
Diogo Lestre, 28 anos
“Cada vez num mundo mais complicado, se calhar um mensagem de amor ao próximo não é assim tão descabida. Metermo-nos na pela do outro. Pensarmos no que o outro está a sofrer e não olharmos tanto para o nosso umbigo. Não sei até que ponto, isto não será um musical atual para também abrir a consciência das pessoas que nos vêm ver. É um musical deveras importante. O teatro ajuda a crescer. Eu abri-me para o mundo quando comecei a fazer teatro. Um trabalho de um ator é muito importante e o trabalho do teatro em si é muito mais importante pois temos que abrir a consciência das pessoas, temos que chamar a atenção. Temos a função de criar um sentido político nas pessoas, um sentido de interesse no mundo que acho que hoje falta muito isso. Nós, enquanto atores, devemos ter essa abertura e tentar ter essa disponibilidade física e mental para dizer a alguém “tens um mundo à tua frente. Olha. Vive. Vê.” Vir ao teatro é um trabalho que vai partir de cada um ou se calhar é um objetivo que tem de partir do próprio teatro. Não quero dizer que o teatro está estagnado, mas, se calhar, o próprio teatro precisa de começar a pensar numa reinvenção. Não sei como. Uma reinvenção para que as pessoas voltem a ganhar o ânimo de vir ao teatro. O que eu sinto, enquanto pessoa, é que não se vai ao teatro porque já não se precisa de imaginar, muito pelo contrário, para vir a um teatro temos que imaginar e isso vai-nos pôr desconfortáveis, porque vai estar ali a acontecer à nossa frente.”