“EU SINTO QUE É A CANTAR QUE CONSIGO EXPRIMIR AQUILO QUE EU SOU”

Inês Louro tem 20 anos, nasceu em Vila Nova de Gaia e desde a sua infância que a música ocupa um lugar de destaque na sua vida. O fado surgiu por influência da sua avó, Orquídea Louro, e, aos sete anos, cantou, pela primeira vez, em público, pela mão do fadista Miguel Bandeirinha. A partir daí, as oportunidades que surgiram levaram-na a abraçar este género musical. A frequentar a licenciatura em Serviço Social, no Instituto Superior do Porto, concilia, diariamente, a paixão pelo mundo musical e a vida estudantil. Em entrevista exclusiva ao AUDIÊNCIA, a artista anunciou que está a gravar o seu primeiro CD, evidenciando que a voz é o que a caracteriza e que o sonho é continuar a sentir-se realizada e feliz.

 

Para quem não a conhece, quem é a Inês Louro?

Eu considero que a Inês, aos meus olhos, é, essencialmente, uma pessoa muito transparente, honesta, divertida, espontânea e extrovertida, que é capaz de fazer amizade com qualquer pessoa e em qualquer circunstância. Portanto, definir-me-ia como o significado da espontaneidade, sinceramente. Neste momento, estou a tirar uma licenciatura em Serviço Social, no Instituto Superior do Porto, e eu acho que foi o único curso com o qual me revi em todas as cadeiras e em todos os aspetos, nomeadamente nos princípios que ele carrega, pelo que vejo-me, totalmente, a exercer esta profissão, que é mesmo honrada.

 

Como e quando é que a música e, nomeadamente, o fado entraram na tua vida?

A música, no geral, começou um bocadinho mais cedo do que o previsto e indicado pelo fado, mais concretamente quando eu tinha cerca de cinco anos, com a vertente da música lírica, pois sempre gostei muito de óperas e teatros musicais. No entanto, mais tarde, por influência da minha avó, surgiu o fado. Então, acabei por enveredar, também, um bocadinho naturalmente, sem ter noção disso, por diversão e não propositadamente. A minha avó tem alguns conhecidos e amigos e, um dia, nas Festas de São Cristóvão, quando eu tinha sete anos, subi ao palco pela primeira vez, pela mão do Miguel Bandeirinha, que é o meu atual padrinho do fado. Na ocasião, eu pedi para cantar uma música, porque eu sempre gostei muito da simbologia dos microfones e gostava muito de cantar em casa. Portanto, não foi com o objetivo de cantar fado, mas apenas de cantar e a única coisa que eu sabia, uma vez que era uma música que a minha avó cantava muito, era “Lenda da Fonte” e como até estava a ocorrer uma noite de fados foi naquela de porque não? Eu não sabia se ia dar certo, porque eu era muito irrequieta, muito extrovertida, sou hiperativa, portanto naquela fase era horrível e andava por todo o lado. Logo, na altura, da parte da minha família, foi um choque total quando me viram em cima do palco, porque pensavam que eu tinha feito algum estrago grande, mas não foi o caso. O meu padrinho, realmente, teve a simpatia e a humildade de me acolher, porque eu não passava de uma criança e a recetividade do público também foi muito positiva, pelo que eu sinto que foi uma experiência muito boa, que deu início à minha trajetória dentro do fado. Eu acabei por continuidade essencialmente ao fado, porque surgiram oportunidades que deram seguimento e mais força à minha presença e permanência no fado em si. Depois daquela participação na noite de fados, eu fui convidada para participar na 8ª Grande Gala do Fado, no Teatro Sá da Bandeira, em 2015, onde tive a oportunidade de cantar com a Anita Guerreiro, a Rita Ribeiro, o Rodrigo, a Celeste Rodrigues, que até hoje tenho uma fotografia emblemática com ela, pois foi das primeiras pessoas que realmente me elogiou, sem eu ter a noção de que podia ser um aspeto positivo e uma vertente que eu poderia vir a seguir e deu-me conselhos muito marcantes, que até hoje levo comigo. Coincidentemente, no mesmo ano também fui convidada como participante, porque na altura não tinha idade para concorrer, no Gaia é Fado e cantei ao lado da Cidália Moreira e do António Pinto Bastos. Também cantei com o Jorge Fernando. Portanto, foram realmente muitos eventos que se foram sucedendo e, no fundo, influenciando a minha permanência no fado. Outro caso foi, por exemplo, ter ido a vários eventos a convite do Grupo Fado do Norte. Em 2016, também acabei por concorrer ao Caixa Ribeira, que foi transmitido no Porto Canal. Também, mais recentemente, posso destacar que, em 2023, fui convidada pelo Museu Nacional do Traje, em Lisboa, para fazer uma apresentação, acompanhada por excelentes músicos, no âmbito da exposição “Amália Rodrigues”, criada por Paulo Azenha, que é um representante da Dior em Portugal. Após esta apresentação, já fui convidada para fazer a apresentação do meu novo CD, também em Lisboa. Nesse mesmo ano, concorri ao Gaia é Fado, aliás, já tinha concorrido em 2017, e tive a felicidade de conseguir representar a minha Freguesia de Santa Marinha e, apesar de não ter ficado no pódio, foi uma experiência boa. Agora, pretendo participar noutros concursos mais abrangentes, de outra escala, que me possam dar a conhecer um pouco mais. Para além disso, recebi vários convites da Rádio Metropolitana do Porto para eventos solidários, que procuram, nomeadamente, combater a solidão dos idosos e tivemos muita adesão, assim como da Rádio Voz do Norte, pelo que estou muito agradecida a estas rádios por promoverem muito a minha divulgação. Logo, tem sido, realmente, um percurso muito bom, que foi acontecendo naturalmente, não foi pedido nem propositado.

 

Como descreve o percurso traçado até ao presente?

Não vou dizer que o meu percurso não teve altos e baixos, porque o fado, naturalmente, é um estilo musical que, por ser antigo e devido às suas raízes, tem muita melancolia, muita tristeza e muito lamento e eu não revia, nem nunca me revi nisso. Eu sempre fui uma pessoa muito alegre e, apesar de ter tido uma trajetória de vida um bocadinho atribulada a nível pessoal, nunca fui uma pessoa triste, talvez usasse o mecanismo de ser extrovertida e uma pessoa divertida para camuflar os momentos menos bons que eu tenha vivido. Portanto, eu não me revia nas músicas tristes, porque me considerava uma pessoa muito alegre e, no fundo, por ver muita gente a fazê-lo, a cantar temas essencialmente tristes e melancólicos, ou de traições e perdas da vida, eu não me via a encaixar nesse tipo de temas. Portanto, eu iniciei um caminho de renovação, também sou de outra geração e comecei a introduzir temas mais alegres, fora do que era comum ouvir, por exemplo, fugi um bocadinho ao fado tradicional, porque eu também não sabia o quais eram os tipos de fado e de melodias, aliás, até hoje estou em processo de aprendizagem, porque, até então, não tinha ninguém que me pudesse orientar nesse sentido, no entanto não sou uma expert, ainda não sei muita coisa, mas preferi distinguir-me não pela positiva, nem pela negativa, mas pelo meu sentido e a minha intuição, representando aquilo que eu sou e deu certo, porque muita gente gostava de ouvir os meus temas, que eram essencialmente alegres e rítmicos.

 

De que forma consegue aliar os estudos, na área de Serviço Social, e a música?

Eu nunca ponderei eventualmente optar por uma vertente ou outra, porque o mundo das artes, em geral, é muito incerto, o que nos impossibilita de ter a estabilidade que ambicionamos e o exemplo disso foi, efetivamente, o período da pandemia, que realmente restringiu muitas coisas, muitos artistas acabaram por ir abaixo, porque não se conseguiram manter e tiveram de optar por outro tipo de trabalhos e isso fez-me ver um bocadinho o risco que eu poderia correr. Eu sempre me mantive fiel à ideia de ter como prioridade a faculdade e o meu curso, porque é isso que eu pretendo fazer para a minha vida. No entanto, pretendo, de agora em diante e sempre, aliar o fado ou a música no geral, porque não é só fado que eu canto, eu canto outras coisas, e a faculdade. A meu ver, é uma questão de organização, que eu não tinha até ter de me confrontar com as duas coisas, porque o secundário é muito diferente da faculdade e eu até noto que tenho mais facilidade agora na licenciatura, porque se calhar já me foi exigido eventualmente outro tipo de organização e esforço no colégio onde eu andei, logo tenho benefícios face às vivencias que tive no ensino secundário e também é mais fácil para mim organizar-me, porque eu gosto muito das matérias e não vejo muita necessidade de estudar tanto em casa, uma vez que tenho facilidade em aprender as coisas presencialmente nas aulas. Portanto, eu acho que é um bocadinho de organização, articulação e tudo se consegue encaixar.

 

Como mencionou anteriormente, o fadista Miguel Bandeirinha é o seu padrinho na música. Que importância e influência tem no seu percurso?

Eu acho que, essencialmente, diz-me muito o facto de ter sido a primeira pessoa que me permitiu subir, pela primeira vez, a um palco e cantar em público, ou seja, pelo facto de o Miguel ter sido a primeira pessoa que me deu a mão, tem muito que se lhe diga, porque naquele dia, na Festa de São Cristóvão, eu tinha pedido a outras pessoas para cantar no evento e o meu pedido foi recusado, logo, a primeira pessoa que me dissesse que sim eventualmente iria ficar marcada pela trajetória que eu viria a ter, que não foi potenciada pelo Miguel, em si, mas que me veio a acompanhar futuramente. Portanto, se não tivesse sido ele, provavelmente eu não teria a trajetória que tive, muito pelo contrário, provavelmente nem sequer teria enveredado pelo fado. Claro que, mantenho a minha humildade e o meu agradecimento a ele, porque foi um fator crucial no início da minha trajetória. Já passaram alguns anos, mas eu ainda considero que estou no início da minha trajetória, que está em construção. Até hoje, o Miguel tem feito muito por mim, tem-me acompanhado, constantemente, tem-me dado todo o apoio que preciso, porque mesmo quando não tinha o título de padrinho, tinha o de irmão emprestado, portanto eu acho que tem uma influência muito grande na minha vida, não só a nível pessoal, mas a nível artístico, no mundo da música e, principalmente, do fado.

 

Ao longo de uma carreira em construção, qual diria que foi o momento mais marcante do seu percurso?

Sinceramente, eu acho que cada momento tem a sua especificidade e marcou diferentes anos da minha vida, por isso eu não posso destacar um em particular. Claro que o mais importante e essencial terá sido aquele em que eu cantei em público pela primeira vez, porque se não fosse esse, provavelmente não teria dado continuidade aos que vinham a seguir. No entanto, eu acho que cada momento tem o seu tempo, a sua idade e a sua importância. Agora, se me perguntar, neste momento, qual é o que tem mais peso para mim, eu diria, eventualmente, o novo projeto que eu estou a iniciar, que contempla a gravação do meu CD, porque virá a potenciar outro tipo de oportunidades e vivências, futuramente. Todavia, acredito mesmo que cada momento tem a sua importância no espaço e tempo.

 

Pode falar-me sobre este novo projeto que está em curso, neste momento?

O meu primeiro CD vai conter 14 músicas, sendo que numa, em particular, estarei acompanhada da minha avó, o que eu acho que faz todo o sentido, porque para além de ter sido quem me influenciou para enveredar por este género musical, também confeciona e pinta os meus xailes. Essencialmente, contará com músicas que me representam, assim como à geração onde eu nasci e vivi, fugindo, em certa parte, àquilo que é geralmente ouvido, porque neste sentido pretendo representar a pessoa que eu sou e dar-me a conhecer, portanto, não só o tipo de fado que eu gosto mais de ouvir e cantar, mas também algo que fique bem no ouvido e seja um bocadinho marcante.

 

O que é que o público vai poder esperar deste novo CD?

Eu acho que, acima de tudo, surpresa, porque não era algo que estivesse nos meus planos há muito tempo, pois foi algo inusitado. Inovação, porque sou de uma geração mais atualizada e, portanto, não vai ser um CD tão conservador e fiel ao tradicional fado. Naturalmente, terá fados tradicionais, mas em minoria, porque é exatamente esta discrepância que eu quero fazer, ou seja, no fundo, é afastar um bocadinho o fado tradicional, que remonta ao passado, e trazendo os fados mais ouvidos neste momento com músicos que misturam estilos diferentes num só tema. Portanto, seria fazer esta dicotomia. Estou muito entusiasmada e estou grata por ter conseguido fazer a produção do meu CD na Quarta Vaga, até porque tenho um acompanhamento especial, pelo facto de o Lino Lobão, proprietário desta produtora, ter sido o primeiro guitarrista que me acompanhou na minha primeira atuação.

 

Para além do fado, também se dedica a outros géneros musicais.

Eu sempre gostei muito de outros estilos musicais, como já mencionei anteriormente a minha paixão pela música lírica, mas nunca tive nenhuma apresentação nesse estilo em concreto. No entanto músicas populares, ou canções portuguesas já tive a oportunidade de cantar em eventos, como casamentos e apresentações em escolas secundárias. Todavia, os temas mais recentes, dentro de outro género musical, que gravei foi em 2023, “Bom dia Afurada, bom dia”, com letra de Manuel Lapas, que foi apresentado na Afurada, num evento muito bom, tanto que até fui amadrinhada pela Rosita, que também me tem acompanhado e me tem dado muito suporte na minha trajetória e também ganhei a amizade de duas pessoas que me têm vindo a ajudar muito desde então, e que têm todo o meu coração e amizade, que é a Filomena Sousa e o Filomeno Sousa. Eu sinto muita gratidão por os ter conhecido nas circunstâncias em que conheci e têm-se demonstrado sempre muito disponíveis para mim, até nesta nova etapa da minha vida, que é a gravação do meu CD. Também gravei o tema “As 24 filhas de Gaia” que foi apresentado no dia 14 de abril, no Convento de Corpus Christi. Portanto, esta vertente musical, que é a música popular, surgiu recentemente, não é algo que me tivesse acompanhado já há algum tempo.

 

Qual é a mensagem que pretende transmitir através da sua voz?

A voz é o único instrumento invisível e eu acho que cada voz tem a sua particularidade, pelo que, eventualmente, demonstra a individualidade de cada um. Portanto, demonstra muito aquilo que nós somos. A meu ver, a minha voz, assim como a de todos os outros, é única e por ser única eu acho que deve refletir aquilo que eu sou. Aquilo que eu não posso exprimir fisicamente ou através da escrita, consigo transmiti-lo a cantar. Portanto, eu sinto que é a cantar que consigo exprimir aquilo que eu sou, demonstrando a minha essência e a minha verdade, nua e crua, acima de tudo.

 

Qual é o seu maior sonho?

Eu não tenho só um sonho, mas os meus três maiores sonhos passam por ser uma boa profissional dentro da minha área, porque considero que seja uma área muito importante e honrada, porque vive para a comunidade, sendo fundamental para uma sociedade, no geral. Também quero muito ser mãe, é um dos meus maiores sonhos, porque pretendo ser o exemplo de mãe e de uma avó que alguma vez tive, se possível uma versão melhorada. Por fim, ter sucesso na música e pelo menos dar a conhecer um bocadinho a minha voz e a minha pessoa. Eu não procuro a fama, procuro ser reconhecida.

 

Qual é a mensagem que gostaria de transmitir aos nossos leitores?

Que promovam a música e a cultura portuguesa, porque já é tão comum nós, no fundo, consumirmos tudo o que é estrangeiro, que é relevante valorizarmos aquilo que é nacional, principalmente o fado, que é o único estilo musical que é essencialmente português e não ouvimos em mais nenhum lado do mundo, é algo que é nosso por direito e é património mundial. Portanto, eu acho que todos nós deveríamos conhecer de forma mais aprofundada este estilo musical, que tantos anos de história tem, tantos bons intérpretes tem e tanta valorização tem no mundo inteiro. Eu acredito que é bom valorizarmos o que é nosso, por direito.