Ainda os resultados das eleições europeias estavam na ordem do dia e o país confrontava-se com a incerteza da aprovação do orçamento do governo da República e eram já evidentes as preocupações dos partidos políticos com as autárquicas de 2025, procurando evitar a antecipação de guerras fratricidas provocadas por lutas entre capelinhas que defendem potenciais candidatos diversos. Para prevenir nomeações pouco acertadas, ou mesmo erradas, talvez não fosse má ideia que os responsáveis federativos e concelhios de todas as formações políticas decidissem essas escolhas em eleições primárias abertas à população residente. Assim os políticos locais com ambições de governação autárquica refreavam os seus impulsos de guerrilha e preocupavam-se em desenhar os seus programas de ação para 2025-2029. Por mim, gostaria de ver a cultura inscrita como uma das preocupações centrais dos políticos que se posicionam como candidatos a liderar a autarquia de Gaia, defendendo claramente a sua interação com a ciência, duas áreas comunicantes que se potenciam mutuamente, favorecendo a convergência de sinergias criativas capazes de gerar novas formas de criação de valor económico e a fixação de empregos qualificados.
Em boa verdade, uma das grandes fragilidades do concelho de Vila Nova de Gaia, do distrito do Porto e da região Norte, resulta da inexistência de um elo consolidado de ligação à economia baseada no conhecimento, pelo que se torna necessário criar eixos de orientação que potenciem a convergência da cultura com a ciência. E para concretizar esse desígnio, urge desenvolver uma mais forte ligação do setor cultural às instituições académicas e de investigação, promovendo a troca de experiências e uma maior abertura e interação das disciplinas científicas, tecnológicas e artísticas com os outros saberes disciplinares que baseiam a criatividade. Mas para isso é necessário que a cultura deixe de ser entendida como um mero somatório de eventos performativos, passando a ser considerada como um instrumento de inclusão e de cidadania prioritariamente orientado para a formação e criação artística, para o conhecimento e para a valorização do capital humano.
O capital humano é hoje o principal fator de progresso e criador de riqueza, e só através do conhecimento, a que a criatividade e a inovação acrescentam valor, se consegue garantir o crescimento e o desenvolvimento de uma sociedade que se deseja economicamente sustentável, com mais e melhor emprego e maior coesão social. Só com uma política cultural estruturante, que saiba distinguir claramente a arte do entretenimento, Vila Nova de Gaia (o distrito e a região) será capaz de se transformar, por vontade, energia e imaginação dos seus habitantes, e em particular dos seus jovens, num outro concelho, na fronteira do conhecimento, que se projete no país com outros meios e outra ambição. E Gaia reúne todas as condições para ser o motor da economia do conhecimento no nosso país.
Mas para isso tem de desenvolver uma estratégia de longo prazo e definir os eixos de orientação que permitirão maximizar o seu potencial criativo. E um desses eixos deve assentar numa aposta clara nas indústrias criativas, que têm um forte impacto na regeneração e revitalização urbana, contribuindo de forma decisiva para a animação do território e para a preservação e revocação estratégica do património edificado, através de um programa transversal capaz de reforçar âncoras e criar novas centralidades, enquadrado numa política holística de envolvimento da população. Com a recuperação e animação das nossas peças de valor histórico, arquitetónico e urbanístico daremos origem a clusters criativos voltados para o segmento económico do turismo, o que reforçará a notoriedade dos locais e o aumento da duração da permanência dos visitantes, com ganhos para a economia de todo o concelho.
A ligação entre a educação e a cultura é outro dos pilares de uma verdadeira política cultural. Sem esta interação, que articule as matérias curriculares com a prática e a fruição cultural, não há projeto de floresça. Porque não é apenas na escola que nos formamos como pessoas livres e independentes, capazes de melhor entender o mundo. Numa sociedade livre e aberta, como aquela que todos ambicionamos, é necessária a implementação de métodos complementares de formação que desenvolvam novas competências, educando para a liberdade, para a paz, para a democracia e para a emancipação de forma equilibrada. Urge, entretanto, valorizar a atividade dos equipamentos culturais existentes e pugnar por um apoio estruturante e sustentado aos artistas e criadores locais, promovendo e acompanhando de perto e de forma crítica o trabalho por eles desenvolvido, tanto nos domínios das artes como da ciência e da investigação. Só assim conseguiremos favorecer a emergência de novas iniciativas, com novos lugares de criação, formação e fruição, que proporcionarão mais e melhor oferta cultural, através da produção de diferentes estilos e formas de expressão, desde as mais tradicionais às menos convencionais e mais arrojadas. Só assim será possível uma implementação real da cultura em toda a sua diversidade, cumprindo deste modo o papel fundamental e crucial das artes, da cultura e da ciência no desenvolvimento do concelho.