Numa entrevista intimista e muito emotiva, Theresa Simas Pereira, emigrante a viver nos EUA, em Rhode Island, desde a adolescência, não esquece a sua terra natal e admite mesmo que “gostava de voltar às raízes”, mais precisamente ao Nordeste. Apesar das dificuldades da vida e de vários desgostos que foi tendo pelo caminho, Theresa Simas Pereira demonstrou sempre uma vontade enorme de dar a volta por cima e, mesmo agora, continua a lutar pelo que acredita ser justo.
Como foi parar aos EUA?
O meu pai tomou essa decisão de embarcar para os EUA para nos dar mais estudos. Eu já sai de cá com a 4ª classe, e naquele tempo, parava ali. Mas fomos para Providence, Rhode Island, e começamos lá a vida, tinha eu 13 anos.
E o seu pai já tinha contactos na comunidade?
Tinha já contactos sim, a irmã dele que vivia lá. O meu pai era agricultor e tinha terras, por isso, acho que estava bem, mas queria-nos dar uma vida melhor. Primeiro ele foi com o meu irmão, para arranjar casa, e eu fiquei cá com a minha madrasta e as minhas duas irmãs, filhas do meu pai porque a minha mãe morreu com 24 anos e o meu pai voltou a casar. Acabamos por ir todos para os EUA mas, passado um ano, o meu pai faleceu, com um ataque cardíaco, aos 42 anos.
Como é que uma menina com 14 anos sobrevive?
Não foi fácil, porque estava num mundo estranho, estava fora da minha terra e ainda nem sequer sabia a língua. Perdi o meu pai e a vida tornou-se muito difícil. Fui criada pela minha madrasta, mas acabei por ir viver com esta tal tia, irmã do meu pai, e vivi com ela para ir para a escola em East Providence que era melhor. Contudo, acabei por ficar a servir de criada, a limpar a casa, a ajudar a tomar conta dos filhos. Ia para a escola, mas ela nunca se importava como é que eu estava nem com os estudos. Por isso, cresci muito rápido e comecei a namorar nova, e casei com 16 anos com um português. Engravidei com 17 anos, e com 18 já era mãe. A vida já era difícil e continuou a ser porque ele não foi bom marido. Mas ainda aguentei o casamento durante 10 anos, porque já tinha perdido os meus pais e sentia-me sozinha na verdade e também não queria que o meu filho crescesse sem o pai. Ia levando aqueles trambolhões, os desprezos, até porque era muito nova e estava ainda a crescer. Só que chegou a um certo ponto que achei que aquilo não era vida para o meu filho, que aquele casamento não era bom nem para mim nem para o meu filho, então pedi o divórcio. E desde então as coisas melhoraram um pouco, estou casada há 30 anos com outro português.
Além desta vida pessoal, profissionalmente como é que conseguiu sobreviver nos EUA?
Penso que Deus me tem ajudado imenso a ter juízo, porque podia ter tomado caminhos diferentes, mas tirei um pequeno curso para tomar conta de doentes e fiz isso por muitos anos. E depois voltei a estudar para tirar o curso de farmacêutica e também trabalho com todos os documentos referentes a isso. Sempre mantive o mesmo trabalho, nunca gostei de mudar. Já lá estou há cerca de 40 anos e isso ajudou-me. E foi lá que conheci o meu atual marido.
Tem filhos deste segundo casamento?
Não. Tenho apenas um filho do primeiro casamento, mas foi o meu atual marido que cuidou dele e foi um grande pai. O meu marido, Nicolau Rodrigues Pereira, é uma excelente pessoa, terceirense, os pais são naturais da Ribeira Grande. E com ele, a minha vida deu uma grande volta, foi como se tivesse ganho o Euromilhões. Se não fosse ele, não podia ter chegado onde cheguei. É uma pessoa que me apoia e que compreende os meus sentimentos. Tenho, de facto, uma vida boa.
Vivendo nos EUA e estando integrada na comunidade lá, sente o carinho dos que vivem cá ou sente que os emigrantes só servem para mandar dinheiro para cá?
Eu acho que os de fora são melhor tratados do que nós, que somos de cá e emigramos e voltamos. Tenho reparado nisso em várias situações. Mas todos têm a sua vida e já não se preocupam tanto com a comunidade. Eu sinto que pertenço a dois mundos, sinto que pertenço cá mas que vivo lá, que foi uma decisão tomada pelo meu pai. A minha vida é lá, mas as minhas raízes estão cá. Mas em relação aos imigrantes lá, sinto que me tratam com muito carinho. Somos uma família muito unida lá, e continuam com as tradições da maneira que foram criados. Vêm-se cá às festas, mas tudo isso também há lá. Só não temos lá é a beleza natural que cá existe.
O seu filho, que já tem 41 anos, já tem filhos?
Sim, tenho quatro netos. O meu filho, Derek Teles, tem o Justin, o Preston, a Vitória e Derek, que é o mais novo. Vivem próximos de mim, pertence a Rhode Island, que é em River Side, ao lado de East Providence.
Para quem tem uma família como a sua, não é fácil conciliar as saudades natais, com a vida nos EUA. Alguma vez lhe passou pela cabeça construir uma casa nos Açores e concluir os seus dias por aqui?
Sim, o que eu queria fazer era arranjar a casa do meu pai para ter onde pudesse ficar quando cá viesse aos Açores passar férias, porque ainda trabalho. É uma casa que fica na Pedreira, e gostava realmente de poder passar algum tempo num terreno que era do meu pai, só que durante estes anos todos ando a terminar um processo cá por causa do terreno. Mas sim gostava de ter aqui o meu cantinho. Tenho os meus netos, mas eles têm a vida deles e eu a minha. Espero um dia, não sei se será naquele sítio, mas continuo na esperança.
Os seus netos e o seu filho, ainda dizem alguma coisa em português ou isso já é passado?
Já é passado. E eu tenho culpa disso, sou sincera. Porque fui para lá, encontrei-me numa sala de escola sem compreender nada, e os primeiros anos foi difícil. E eu fui crescendo também com o meu filho, e quando ele nasceu eu decidi que queria que ele falasse o inglês e que entrasse na escola. As crianças aprendem as duas línguas rápido mas eu como era nova e talvez ingénua, não compreendi que ele ia aprender as duas línguas. Por isso, ele percebe pouco ou nada, por minha culpa. Mas tenho um neto que está a estudar o português.
Sim, até porque normalmente os netos e bisnetos é que têm mais interesse em saber as origens e talvez um dia tenham essa curiosidade de ver os Açores e gostar tanto ou mais que a avó…
O meu filho já esteve ca, com a minha nora e neto mais velho. E acredito que hão de vir quando eu tiver uma casinha. O cônsul português, João Pacheco Morgado? lá está sempre a dizer que eles tem direito a dupla nacionalidade, que é uma coisa que o meu filho está agora a tratar. O meu neto mais velho neste momento foi para a Austrália trabalhar, ainda nem 21 anos tinha e foi sozinho para lá, trabalhar em vídeo games, ele desenha vários tipos de jogos. E agora quero ir vê-lo mas é muito longe.
Estes anos todos, que momento mais relevante destacaria e recorda com alegria?
Tenho viajado muito e quando estou com pessoas sinto-me feliz, gosto de ter amizades. Mas a vida não foi fácil e o que passamos fica sempre a fazer parte de nos é como algo que não sai, um peso do passado. Posso dizer que tenho uma vida muito boa, tenho um marido impecável e tenho momentos em que estou feliz. Fui a uma passagem de ano novo mas parte de mim não estava lá, está sempre a pensar nos problemas e no mau. Gostava de ser mais expressiva nas alegrias mas posso dizer que tenho uma vida excelente isso sim. Quando me encontro com imigrantes, sinto-me muito feliz, são momentos alegres para mim.
Mas percebemos que os primeiros anos deixaram cicatrizes e que o vive atualmente para tentar recuperar o património do seu pai também a marcam. O ano que viveu com o seu pai nos EUA, que valores é que ele lhe incutiu que a tem permitido sobreviver a tudo isto?
Ele ensinou-me a ter respeito pelas pessoas, ensinou-me a ser responsável e que a escola era muito importante. Foi por isso que embarcamos e ele próprio ia para a escola à noite. Tenho muito respeito pelo meu pai e isto conforta-me saber o que ele era.
Não sentiu raiva nesse momento, uma menina de 16 anos que fica sozinha…
Raiva não, mas muito triste e sempre me senti desprezada e que não pertencia a nenhuma parte. Porque os nossos pais é que nos dão conforto. E é o que estou sempre a dizer aos mais novos, para aproveitarem os pais e continuarem a ser amigos dos pais porque são eles que nos querem bem.
Mantém um amor infindável pelo seu pai…
Tenho sim.
Tem lembranças da sua mãe?
Não, porque eu tinha 2 anos, o meu irmão ia fazer 4. Não me lembro nada dela, mas lembro-me do que as pessoas dizem. É triste mas o que acho estranho são os pais que estão em vida e que desprezam os filhos. Conforto-me com a ideia que os meus pais não me desprezaram em vida. E há pais que vivem e viram as costas aos filhos, o que é bem pior.
Quando regressa ao Nordeste, o que encontrou?
Recordo-me do passado, do tempo que passei lá, e lembro-me de estar sentada a ver o mar ou a cheirar os cravos, e aquelas memórias confortam-me. O Nordeste é lindo, gosto imenso. Adoro estar lá e ainda lá tenho família e amigos. Tenho feito muitas amizades e gosto disso, como a sua.
Quais os seus desejos e projetos para o futuro?
Ter uma casa cá e viver cá. Os meus netos passaram cá tempo, oxalá Deus me dê saúde para isso. Gostava de voltar às minhas raízes.