Elisabete Monteiro, também conhecida por “Bete”, dedica-se de alma e coração à Associação dos Animais e Protetores dos Animais em Risco de Cinfães (AAPARC), que preside. Em entrevista exclusiva ao AUDIÊNCIA, a dirigente falou sobre a história e as valências desta instituição, que nasceu de um amor incondicional pelos patudos e da necessidade da atuação, perante a ausência de cuidados dignos e adequados.
Qual é a história da fundação da Associação dos Animais e Protetores dos Animais em Risco de Cinfães (AAPARC)?
A AAPARC surgiu, a 28 de março de 2014, em Cinfães, de um amor incondicional pelos patudinhos e de uma necessidade de atuar, urgentemente, perante uma ausência de cuidados dignos e adequados para com os animais abandonados, um verdadeiro flagelo, em muitos casos. Quando o coração sempre tem espaço para mais um e a área da casa não acompanha o que isso implica, surgem outras necessidades e passamos a ser um pequeno grupo. No entanto, rapidamente percebemos que cada vez há mais vidas a precisarem de socorro e surgiu a necessidade de termos um espaço físico, outros recursos e de oficializarmos a fundação da associação, para podermos, também, abrir portas, para prestarmos apoio nesse sentido. Esta instituição foi a pioneira na defesa da causa animal no concelho e, até à data, do que temos conhecimento, permanece como sendo a única associação legalmente constituída.
Como nasceu o seu carinho e amor pelos animais?
Nasceu comigo. Faz parte de mim. É algo que não sei explicar de outra forma. Sou de uma família que desde sempre resgatou animais vítimas, ou filhos das vítimas do abandono, ou seja, este amor incondicional está no sangue, é genético e hereditário.
Esta instituição já conseguiu ajudar muitos animais?
Apesar de todas as dificuldades que encontramos nesta missão, já ajudamos vários, graças a Deus. Eu não gosto de usar a palavra “muitos”, porque perto daqueles que precisam de ajuda, os que ajudamos até à data, serão sempre poucos, na verdade. Portanto, ajudamos sim, várias vidas, vários sobreviventes do improvável, a quem não negamos a última oportunidade, mesmo quando diziam que já não havia nada a fazer e que não valia a pena tentar. Nós tentamos sempre e valeu a pena. Apesar dos vários patudinhos que ajudamos, não foram tantos quantos gostaríamos. Agradecemos a todos aqueles anjos sem asas que nos têm auxiliado durante estes anos, porque o mérito não é nosso, é daqueles que nos ajudam a fazer parte da diferença e não da indiferença.
Depois de perderem o espaço físico, como passaram a ajudar?
Depois de uma ordem de despejo, no final de 2020, perdermos o espaço físico que abrigava as dezenas de vidas que estavam ao nosso alcance e deixamos de ter capacidade para fazer novos resgates, infelizmente. Porém, continuamos a alimentar as colónias, alimentamos e damos suporte veterinário a alguns patudinhos de famílias carenciadas, esterilizamos à medida que nos é possível, para além de todo o suporte que damos ao que temos ao nosso encargo, nomeadamente duas meninas paraplégicas, a Maggy, Maria Pimentinha Malagueta, que também teve, em outubro de 2022, de amputar uma das perninhas, e a Mimi, que está neste momento em casa dos meus pais, e, que exigem de nós, não só tempo, como dedicação, 24 horas por dia, pois usam fraldas. Portanto, tudo na nossa vida, tem de ser gerido em torno das necessidades delas, em especial, pois são dependentes. Logo, nunca deixamos de abrir as portas de nossa casa, pois nem todos os casos são compatíveis com as condições de um abrigo, ou até mesmo de um pet hotel, por melhor que seja, como foi o caso do nosso RUBI, que também passou os últimos anos dele em minha casa. Inclusive, durante a pandemia, e já com lotação esgotada no abrigo, recebemos vários pedidos de ajuda, vários filhos de vítimas do abandono e da indiferença desumana, a quem não medimos esforços para ajudar, mesmo perante as nossas próprias dificuldades, já tão grandes. Tivemos dois anjos maravilhosos em Sintra e quatro associações, nomeadamente ASAAST, Patinhas Sem Lar e MIDAS, mais uma que solicitou o anonimato, a quem estamos muito gratos, por nos estenderem a mão numa fase de extremas dificuldades, pois estávamos no auge da pandemia quando recebemos a ordem de despejo, tivemos devoluções de patudinhos que tinham sido adotados anos antes, eu estava numa luta muito grande contra um cancro agressivo. Como tal, foi, sem dúvida, uma fase agreste, de verdadeiras provações. No entanto, estes anjos que se juntaram a nós, nesta fase, não conseguiram abrigar todos os nossos meninos, apesar do enorme esforço que fizeram. Já tínhamos alguns num pet hotel, no distrito do Porto e, em 2021, tivemos de recorrer a esse tipo de alojamento, também, para todos os que não conseguimos ajuda. Como não temos qualquer tipo de subsídio ou apoio oficial, dependemos exclusivamente de donativos, que, para nosso desespero, têm vindo a cair, inclusive o número de partilhas dos apelos, nas redes sociais. Devido à atual conjuntura económica que o país atravessa, e não só, a causa animal tem sofrido um grande e devastador impacto nesse sentido, são quase sempre as mesmas pessoas que ajudam, porque o número de pedidos é cada vez maior e as ajudas são cada vez menos.
Qual é o apoio que prestam?
O nosso alvo principal sempre foram os animais em risco, como o próprio nome da associação o revela, que são aqueles que, sozinhos, não têm capacidade de sobreviverem. Um bom exemplo do tipo de resgates que fazemos, é o nosso embaixador e eterno RUBI. Neste momento, após a ordem de despejo deixamos de poder atuar no terreno a nível de resgates, porém, temos feito esterilizações, ajudado patudinhos ao nível de tratamentos e intervenções veterinárias, de famílias carenciadas e temos mais de uma dezena em pet hotel, alguns deles seniores, doentes crónicos, que exigem cuidados especiais, temos outros em FAT e algumas colónias que alimentamos.
Têm muitos voluntários?
Infelizmente, essa sempre foi uma das nossas grandes dificuldades. São muito poucos, mas maravilhosos. Ser voluntário, exige dedicação, compromisso, desprendimento e uma disponibilidade incondicional. Daí serem poucos, mas bons. Gostaria muito de agradecer o apoio dos meus pais, Joaquim Monteiro e Lia Sousa, da minha irmã Carla Monteiro, do meu marido António Moura e da minha grande amiga Mariana Sousa e da sua mãe Iva Sousa.
A sociedade é solidária com estas associações?
Infelizmente não, na proporção necessária. Os que são e se desdobram para ajudar são insuficientes, face à dimensão da necessidade. Não seria preciso muito, mas causaria um impacto estrondosamente benéfico e positivo se cada um dos nossos seguidores no Facebook nos doasse, por mês, um euro, que fosse. A nossa associação garantia todas as necessidades dos nossos protegidos e ainda poderia continuar a resgatar e mudar muitos mundinhos para melhor. Apenas com um euro, por mês, de cada um dos nossos seguidores dessa rede social. Infelizmente, nem com a partilha dos apelos, da esmagadora maioria dos seguidores podemos contar. Lamentavelmente, não é só na nossa instituição que isto se tem vindo a sentir.
Como sobrevive a instituição?
Através dos cada vez mais escassos donativos, artigos que nos doam para vender e/ou rifar, daí não ser o suficiente para fazer face a tantas despesas diárias. Cuidamos de vidas, de seres vivos sencientes, não de coisas. Não somos um depósito de coisas, nem de seres vivos, somos a tábua de salvação de vidas, que não falam a língua humana, que vivem num planeta que não lhes confere os direitos necessários para viverem com dignidade, que não os enxergam com o devido e merecido respeito, compaixão e empatia. Até mesmo quem não simpatiza com animais não humanos, na minha humilde opinião, seria bom se ponderasse ajudar as associações de proteção animal, afinal, seria um bom passo para ver cada vez menos animais abandonados na rua. Porque não? Se todos contribuíssem, de alguma forma, com as associações, mais e melhor se conseguiria fazer pelos que desesperam na rua.
Qual é a importância da Caminhada Solidária, promovida pelo Projeto Konta Komigo, que decorreu em julho, em Miramar, para esta associação?
Esta iniciativa, simboliza, para a AAPARC, a luz ao fundo do túnel, literalmente. Nós temos muita fé de que venha oxigenar a nossa instituição. Agradecemos o carinho do Projeto Konta Komigo, que está sempre na linha da frente, em causas altruístas. A AAPARC que já tantas vidas resgatou, precisa, urgentemente, agora de ser resgatada. Esta iniciativa permitirá darmos mais visibilidade aos nossos protegidos, aumentando a probabilidade de serem adotados, assim como angariarmos mais ajudas para tentarmos reverter a situação em que nos encontramos financeiramente e continuarmos a poder garantir os cuidados e a segurança necessários e imprescindíveis para estas vidas. Esta oportunidade vem num momento em que a AAPARC sufoca em dívidas, com o número de adoções reduzido ao mínimo dos mínimos, um patudinho adotado depois de muitos meses sem adoções e várias mensalidades em atraso, que, todos os meses, se acumulam a novas que não conseguimos cumprir. Esta Caminhada Solidária a favor dos nossos protegidos será uma forma de, também, expormos os nossos meninos, dando-os a conhecer e, quem sabe, promovermos novas e responsáveis adoções. Não queremos, de todo, que eles acabem num canil municipal, até porque alguns deles, seniores e doentes crónicos, nem sequer teriam lugar. Porém, a situação está a ficar insustentável financeiramente. Nós procuramos famílias que lhes possam dar o tão merecido e esperado recomeço feliz, mas enquanto isso não acontece, eles precisam de cuidados assegurados, desde medicação, vacinas, desparasitações, alimentação, incluindo as tão dispendiosas dietas veterinárias dos doentes crónicos e, claro, alojamento. Tudo isto, significa uma fatura elevadíssima e incomportável para a AAPARC manter mensalmente, visto que entramos numa enorme bola de neve com o acumulo de faturas em atraso, pois temos mesmo que escolher entre os alimentar e medicar, ou pagar o alojamento e não é difícil concluir qual tem sido a opção eleita. Temos um amor infindável pelos nossos protegidos, mas infelizmente isso não basta e quem ajuda, também, precisa de ajuda para ajudar. Estamos muito esperançosos de que esta caminhada por e para eles nos traga o alento que precisamos para continuarmos a nossa missão e continuarmos a honrar o nosso compromisso e missão com os nossos protegidos de nunca os abandonar, porque ajudar os mais indefesos é tão necessário para mim, como respirar.