ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O TEMPO QUE VIVEMOS

Andávamos a ser alertados para a ameaça de uma calamidade resultante das alterações climáticas proclamadas como emergência, no entanto, os interesses financeiros do alto da cátedra consideraram irrisória essa preocupação, incluindo o presidente do País autoproclamado paradigma da democracia, que ostensivamente até se retirou do Acordo de Paris sobre alterações climáticas por ser «um mau negócio».

Os sistemas económicos capitalistas, da finança e de algumas indústrias, com relevo para a do armamento, fixaram-se no pelotão da frente das exigências dos governantes e continuam a comandar os governos dos diferentes países.

A União Europeia, incapaz de se gerir, como prometido na sua criação, pela coesão social e o desenvolvimento económico harmonioso, continua atrás da ideia do aliado do outro lado do Atlântico, com os resultados desastrosos sobejamente conhecidos.

Porém, o inesperado aconteceu de novo, apesar dos oportunos avisos do diretor-geral da OMS e de outras vozes com bom senso para a possibilidade pandémica, mas a voz das organizações multilaterais tem pesado pouco ou nada sobre os governos dos principais países capitalistas.

O covid-19 está a fazer o Ocidente cair do pedestal onde se exibia orgulhoso e a primeira vítima foi a Europa que nem foi capaz de montar o socorro inicial organizado à Itália, França e Espanha, demonstrando uma flagrante fragilidade diante da pandemia que a sociedades chinesa dominou com recurso à disciplina e eficácia técnica comprovada, ou seja, a Europa deixou de conseguir converter os valores culturais de liberdade, igualdade e fraternidade em influência mundial, mas os Estados Unidos  também foram apanhados pela falta do básico para enfrentar esta pandemia, mas Cuba, Rússia e China países sempre alvo de críticas preconceituosas emergiram para proporcionar a ajuda de que os outros ansiavam e necessitavam.

As recentes quedas das bolsas mostram que o inevitável está já a dar-se, pois a bolha financeira criada na última década ameaça estoirar de forma fragorosa, o capital fictício movimentado na especulação esfuma-se ao ritmo de milhões por hora e a «recuperação» de que se falava ainda há meses revela-se inexistente. Toda a riqueza acumulada nas mãos de uns poucos, real ou virtual, mostra ser inteiramente inútil para responder à crise, tanto sanitária como económica.

As principais economias do mundo, para não dizer todas, sofrem recuos e entram em recessão e a Organização Internacional do Trabalho prevê um crescimento do desemprego entre 5 e 25 milhões, em cima dos quase 200 milhões já existentes.

A pobreza atingirá mais 9 milhões de trabalhadores e grandes empresas, como entre nós a TAP, AutoEuropa, PSA ou Continental, correrão o risco de encerrar ou aproximar-se da falência, enquanto milhares de micro, pequenas e médias empresas fecharão portas para não mais abrir, ou seja, doze anos passados, nenhum dos males de 2008 foi resolvido e a queda de hoje promete ser ainda mais violenta e dolorosa.

Nos doze anos decorridos até agora, assistiu-se a uma colossal acumulação de capital e de riqueza num número cada vez menor de mãos e esta realidade longe de significar um efectivo progresso, aconteceu à custa do empobrecimento do trabalho assalariado, da degradação acentuada das infraestruturas e dos serviços públicos, nomeadamente da Saúde, da Educação, dos Transportes e da Segurança Social, da destruição ambiental mais acelerada, da multiplicação desenfreada de agressões armadas e de sanções económicas criminosas.

Nenhum real relançamento económico teve lugar, apenas a estabilização temporária da finança e a recuperação dos lucros do capital especulativo, pois enquanto a euforia das bolsas durou, o poder e os seus «vozes do dono» foram enganando a massa trabalhadora com a ideia falsa de que a economia estava em retoma, foram espalhando ilusões de progresso num futuro indefinido, de modo a calar as resistências daqueles que no presente pagam os custos da salvação do capital.

Os que andam há décadas a clamar contra o Estado, a defender o corte nas gorduras do Estado, a afirmar «menos Estado, melhor Estado», a reclamar menos pagamentos para o Estado e menor «carga fiscal», são os mesmos que fecharam Centros de Saúde, que hoje reclamam sobre algumas fragilidades do SNS, que querem mais camas nos hospitais eliminadas por eles, mais médicos e enfermeiros formados no serviço público que obrigaram a abandonar o País, enfim, utilizaram até à exaustão a comunicação social para endeusar o mercado e a iniciativa privada e hoje hipocritamente exigem do Estado a salvação dos males infelizmente surgidos com a pandemia, sabendo que, caso a economia e o poder dos Estados estivessem virados para o bem comum, haveria melhores cuidados de saúde, reservas de bens e medicamentos, investigação direccionada para a prevenção de novas doenças, franca cooperação internacional desinteressada e a crise sanitária seria então encarada sem pânico e combatida com meios que agora não existem porque foram desprezados.

Neste sentido, podemos bem afirmar que é a crise prolongada deste capitalismo senil que faz do coronavírus uma catástrofe, mas é também esta uma oportunidade que a pandemia oferece de uma irrecusável viragem para uma sociedade nova, um mundo melhor, diferente e mais igualitário, capaz de responder às exigências sociais e económicas dos povos, caminho que o capitalismo explorador não foi nem é capaz de percorrer.

Antes do Corona vírus e na União Europeia, milhões de pessoas estavam abaixo dos indicadores mínimos de sobrevivência e metade da população não podia aquecer a sua casa no inverno ou comprar carne ou peixe uma vez por semana e sobre esta situação dramática surgem os despedimentos em massa, a grande maioria dos quais sem proteção social, ao mesmo tempo que os ministros se reúnem no Conselho Europeu e nem conseguem acordo para distribuição de migalhas, corona bonds , em ajuda monetária aos diversos países a braços com as dívidas soberanas que não conseguem ultrapassar.

A desnutrição mundial mata 17.000.000 de pessoas por ano, o que corresponde a 46.575 pessoas a cada dia, das quais 8.500 crianças de até 15 anos, por causas evitáveis com adequada prevenção.

Por último, cabe aqui um enorme agradecimento a todos os profissionais de Saúde pelo trabalho já desenvolvido na linha da frente desde o início desta pandemia, bem como todo o seu esforço e dedicação, mesmo e apesar das condições de trabalho não serem as mais desejadas, adequadas e merecidas.