Já Karl Marx dizia que «o modo de produção capitalista não só coloca o homem contra o homem, por via da relação de exploração, como deteriora a relação das sociedades com a natureza, por via da sede febril de lucro e da anarquia da produção».
Os últimos acontecimentos de natureza climática a que temos assistido globalmente, caso mais recente os reflexos do ciclone Idai em Moçambique, convocam-nos para uma séria reflexão sobre o que se está realmente a passar neste nosso planeta que é o único que temos para viver.
Há quem afirme simplesmente que as questões ambientais «estão para lá das ideologias», pois o problema reside no planeta sendo necessário agir urgentemente através da economia verde, ou seja, mais uma manobra de diversão do grande capital para enganar incautos e continuar a obter os lucros que são a sua forma de vida, agora aproveitando a situação de risco ambiental existente.
Para tal desiderato, dizem, é necessário mobilizar para as ideias da «fiscalidade verde», do «mercado do carbono», da responsabilização individual pelas atitudes de consumo, do «choque de gerações» ou da privatização dos recursos naturais para «forçar a poupança», mas ocultando as responsabilidades reais e os factos como o de 100 empresas, na esmagadora maioria das grandes potências capitalistas, serem responsáveis por 71% da emissão de gases de estufa desde 1988.
Foi grande o impacto da «greve climática» de 15 de Março passado, pois a ideia de os jovens se mobilizarem em defesa do ambiente, da preservação dos recursos e das condições naturais para a existência das espécies, desde logo a espécie humana, é positiva e essa ampla e generosa participação juvenil espelha uma crescente sensibilidade para os problemas ambientais e os seus riscos e consequências.
Aqui chegados é necessário situar o problema e levantar um conjunto de questões, a saber:
como bem afirmou a JCP no passado dia 15, o «capitalismo não é verde». A luta «para salvar o planeta» é inseparável da luta pelo socialismo, e essa é a «medida concreta» cada vez mais «urgente».
Os sucessivos governos têm vindo a avançar com processos de desresponsabilização do Estado também na área do ambiente, com incentivo à privatização de importantes áreas com vista à mercantilização da Natureza e dos recursos energéticos, naturais, culturais e paisagísticos nacionais.
A luta contra a mercantilização da natureza passa pela denúncia e combate às campanhas de condicionamento ideológico que pretendem apagar responsabilidades do sistema de produção capitalista na degradação ambiental, denunciando as suas contradições, sem esquecer que a situação confirma a necessidade de um sistema que racionalize a utilização de meios e recursos para que sejam colocados ao serviço da sociedade.
No imediato esta luta passa pela exigência de reforço dos meios do Estado para desenvolver uma verdadeira política de defesa do equilíbrio da natureza, reforço de medidas que aumentem a eficiência energética, que desenvolvam alternativas energéticas de domínio público, reforço o investimento no transporte público e pelo combate à chamada Fiscalidade Verde que não é mais que uma reafectação da tributação, carregando mais sobre as camadas mais empobrecidas.
O actual Governo, com a justificação da degradação da resposta das estruturas do Estado afectadas por políticas de direita de falta de investimento e de meios materiais e humanos, procura municipalizar a gestão das áreas protegidas, pretendendo transferir para as autarquias uma responsabilidade que elas não podem, nem devem assumir e colocando em causa a adopção de políticas nacionais nesta área.
Embora sendo importante o envolvimento das autarquias, só a salvaguarda do papel do Estado Central nas áreas protegidas garantirá que a utilização dos recursos naturais seja feita ao serviço do País e do povo e não ao serviço apenas de alguns.
Apesar de ligeiras melhorias nos últimos orçamentos com a contratação de Vigilantes da Natureza, de viaturas e equipamentos para as áreas protegidas, é fundamental uma política de defesa do equilíbrio da natureza que valorize a presença humana no território e que tenha em conta a solidariedade nacional para colmatar as imposições e limitações com que se confrontam os habitantes das áreas protegidas, nomeadamente através de investimento público, gestão pública das áreas protegidas e o reforço de meios materiais e humanos do ICNF-Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, com a salvaguarda dos direitos dos seus trabalhadores.
No domínio da gestão dos recursos hídricos, como consequência de anos de política de direita, as estruturas públicas perderam trabalhadores, meios e competências, foram afastadas da gestão de albufeiras, todas concessionadas a entidades privadas ou de direito privado a quem se delegou competências de administração.
Nos últimos anos agravaram-se os problemas decorrentes da transferência de água, com particular ênfase para os empreendimentos espanhóis, chamados Transvases, assim como má gestão ou gestão concentrada na obtenção de lucro nas barragens de produção energética, agravando problemas de poluição e de perda de qualidade da água, ou seja, agravaram-se os problemas e as estruturas públicas perderam capacidade de assegurar a gestão, planificação e até monitorização de protocolos internacionais.
Só com meios do Estado se pode garantir o cumprimento de caudais que preservem o equilíbrio dos ecossistemas e a biodiversidade, a medição da qualidade da água dos rios e albufeiras, a realização de acções de fiscalização e inspecções regulares que permitam identificar os focos de poluição. É necessário reforçar os meios humanos e técnicos das autoridades e entidades com responsabilidades em questões ambientais, nomeadamente a Agência Portuguesa do Ambiente e a Inspecção Geral da Agricultura, do Mar, do ambiente e do Ordenamento do Território.
Garantir a propriedade pública da água passa por combater a pressão para a sua mercantilização, combatendo a entrega da captação e distribuição de águas e saneamento de águas residuais a empresas privadas, valorizando o papel das autarquias,respeitando as competências municipais em particular no que se refere aos Serviços Urbanos da Água, ao invés do actual processo de chantagem no sentido de agregação de sistemas, como mais uma etapa para a sua privatização.
Combater a pressão para a mercantilização da gestão de resíduos, pois as pressões são muitas,o processo de privatização da EGF-Empresa Geral do Fomento foi uma peça chave neste processo, em que os grandes grupos pretendem implementar sistemas próprios para desenvolver o mercado dos resíduos à custa das autarquias e populações.
Os centros de decisão do capital na União Europeia investem na apropriação e mercantilização das funções e processos da natureza, atribuindo ao que chamam, serviços dos ecossistemas ou serviços ambientais, um preço e colocando-os no mercado. A experiência europeia de transacção de quotas de carbono demonstrou a sua ineficácia e a perversidade dos seus instrumentos, que visam a obtenção de lucro, a acumulação de riqueza e o aprofundamento das desigualdades.
A luta contra a mercantilização da natureza passa também por combater a liberalização do comércio mundial e o recurso a mecanismos especulativos com o pretexto de regular a produção de gases com efeito de estufa.
Só uma política patriótica e de esquerda garantirá um caminho visando a defesa do meio ambiente, do ordenamento do território e a promoção de um efectivo desenvolvimento regional, com o aproveitamento racional dos recursos, criteriosas políticas de investimento público e de conservação da natureza, o combate ao despovoamento e à desertificação, o respeito pelo sistema autonómico e pela autonomia das autarquias locais.