COM AMBAS AS MÃOS

Quando soubeste que eu ia viver para lá, disseste: “É um lugar bonito: aceita com ambas as mãos”.

A paisagem é bela, sim. É o Alentejo, com as suas intermináveis planícies onduladas polvilhadas de oliveiras, azinheiras e sobreiros. É também, agora, uma terra alagada por mil braços do Guadiana, que uma barragem lá ao longe fortaleceu e fez crescer. Do alto do castelo podem ver-se grandes extensões de água. E várias ilhas, outrora pequenas elevações de uma terra árida.

O Alentejo é na verdade – escreveu Torga – o máximo e o mínimo a que podemos aspirar: o descampado dum sonho infinito, e a realidade dum solo exausto.

Sei bem o que é uma bela paisagem: tem-me acontecido viver e trabalhar em lugares onde muitos vão fazer turismo. Um luxo…

Mas lembrei-me de Saint-Exupéry, que dizia que o único luxo verdadeiro é o das relações humanas.

Uma paisagem é, pelo menos, incompleta. Olhamos… e pensamos logo em a quem iremos contá-la. É capaz de fazer nascer em nós qualquer coisa que só quando é comunicada adquire relevo, peso e volume.

Talvez o pintor não deseje gravar no seu quadro a paisagem – seria suficiente uma fotografia –, mas aquilo que nasceu nele ao ver a paisagem. Ou, então, sucede-lhe dar forma de paisagem àquilo que descobriu dentro de si e não sabe manifestar de outro modo. O que ele quer é dizer-se a outros e ser entendido.

A paisagem é sempre mais fácil. Lida-se melhor com os sobreiros do que com os homens, com as coisas do que com as pessoas. No entanto, trazemos connosco a necessidade vital de comunicar, e só o podemos fazer plenamente com quem é semelhante a nós. Precisamos disso para nos localizarmos, para sabermos quem somos, para chegarmos a onde devemos chegar.

Por mais que goste do meu cão, não sou capaz de partilhar com ele o que me entusiasmou na minha última leitura.

Vale bem a pena alguma dificuldade que possa surgir quando lidamos com outras pessoas. Ter um lugar para elas e dar-lhes importância vem a ser uma riqueza de que provavelmente não suspeitávamos.

Umas, com uma simplicidade que talvez já não tenhamos, lembram-nos coisas de que nos tínhamos esquecido e que, afinal, são luminosas e estão nos alicerces de tudo. Outras surpreendem-nos com formas de olhar – até para algo que conhecemos bem – das quais nunca seríamos capazes.

Por vezes temos um problema, e estamos tão focados nele que somos semelhantes a alguém que tem o nariz encostado e um muro e se sente encurralado. Uma troca de impressões com quem, por estar distanciado, consegue olhar para o problema de outro ponto de vista pode ser o suficiente para nos fazer ver melhor a realidade e nos encher de esperança.

E há aquele que nos faz pensar, ainda que talvez com o incómodo de nos levar a reconhecer que não estávamos certos.

E como em parte a sabedoria resulta da experiência de vida  – nós só conseguimos viver uma – podemos aprender com todos, uma coisa de cada um. Para quem não está convencido de que já sabe tudo, cada amigo é como um livro.