Concluímos hoje a publicação do conto inaugural do concurso de contos “Um Caso Policial em Gaia, que tem como protagonista uma adolescente criada por uma das nossas leitoras mais participativas nas iniciativas desta secção. A primeira parte do original de Madame Eclética terminou no momento em que a jovem Amélia entrou no consultório do psicólogo Paulo Mamede para uma terceira sessão de acompanhamento do caso de depressão em que vivia desde há algum tempo, em virtude da perseguição e assédio sexual que lhe era movida por um grupo de jovens autointitulados de “Os Giraços de Mafamude”. Lá fora, na sala de espera, a prima Susana ficaria a aguardar o final da consulta para acompanhá-la de volta a casa, onde ficaria até ela adormecer, como acontecia habitualmente nos últimos dias. Havia a preocupação de que o estado de saúde de Amélia piorasse e caísse em depressão profunda, pelo que não a podiam deixar ficar sozinha em momento algum. Mas será que ela não vai escapar à vigilância familiar e andar sozinha por aí?…
CONCURSO “UM CASO POLICIAL EM GAIA”
Conto nº. 1
“Os Giraços de Mafamude”, de Madame Eclética
II – Parte (conclusão)
As pernas de Amélia tremiam, as mãos suavam e o rosto ruborizava, o que sempre acontecia nestas consultas. Esta era a terceira vez que o psicólogo a ouvia e ela já não sentia que conversava com um técnico de saúde. A conversa desta feita foi sobre música, sobre os seus gostos musicais mais propriamente. E ficou a saber que ele tinha mais uma coisa em comum com ela. Gostava de jazz! Tal como ela, tinha um especial prazer em ouvir Miles Davis, Bille Holiday, Chet Baker e Ella Fitzgerald, nomes maiores deste género musical criado no início do século XX pela comunidade negra de Nova Orleans. Disse ele que era um gosto herdado de seu pai e que tinha uma preciosa discoteca de vinil composta por temas jazzísticos, acabando por convidá-la a ouvi-los em sua casa, numa tarde em que não tivesse consultas, nomeadamente a um sábado.
O coração de Amélia começou a bater tão forte e tão descompassadamente, que se sentiu desfalecer. E o pior foi ainda quando o psicólogo disse que nessa noite havia um concerto de Jazz no Convento Corpus Christi. Ele ainda não tinha a certeza que pudesse ir, mas prometeu que faria todos os possíveis por comparecer. A consulta, que mais pareceu uma conversa entre amigos, passou depois por outros temas também do agrado de ambos. Falaram de cinema, de artes plásticas e teatro, concluindo ambos que estiveram algumas vezes no mesmo dia e no mesmo lugar, a assistir ao mesmo filme, a visitar o mesmo museu, a ver a mesma peça. No final, imediatamente antes das despedidas, ele recordou o concerto de logo à noite. E concluiu, dizendo que o receio de se confrontar com os tais “Giraços de Mafamude” não podia condicionar a sua vida.
Quando a prima Susana perguntou como havia corrido a consulta, Amélia só conseguiu balbuciar “correu bem”. O seu peito rebentava de felicidade, mas ela não podia confessar esse sentimento. E muito menos dizer de quem era a responsabilidade por aquele seu estado de espirito. Era a terceira vez que consultava o psicólogo Paulo Mamede, sempre por causa dos “Giraços de Mafamude”, e pela primeira vez percebeu que não lhe era indiferente como mulher. No caminho de regresso a casa, a Susana perguntou-lhe por diversas o que se passava com ela, tal era o seu estado de espirito. E quando a prima perguntou se queria que ela lhe fizesse companhia até à hora de deitar, o que acontecia com frequência, sobretudo depois das consultas ao psicólogo, Amélia respondeu de supetão: “Não, deixa estar, não vale a pena. Hoje sinto-me muito bem”.
Amélia não se sentia apenas muito bem naquele momento. Na verdade, ela nunca se havia sentido alguma vez melhor desde que se conhecia como mulher. Aquele homem tinha tudo o que ela imaginara como seria o seu futuro companheiro de vida, nas noites febris de desejo da adolescência. Havia algo nele que descontrolava os seus sentidos, que a deixava perdida em sonhos que a remetiam para fantasiosas experiências sexuais. E agora só pensava na hora de o voltar a ver, logo mais, no convento de Corpus Christi, embalada por aquela louca paixão ao som de algumas das suas músicas de eleição, ao ritmo de jazz.
Quando chegou ao Convento Corpus Christi, atravessou o largo portão que dá acesso ao pátio do monumento na esperança de encontrar a qualquer momento o homem por quem se apaixonara. A entrada era livre, mas não era permitido o acesso ao local do concerto após a hora marcada para o seu início e tinha como condição a permanência obrigatória no espaço até ao final do espetáculo. Amélia olhou em redor e não viu Paulo. Aguardou mais um pouco e quando chegou ao limiar da hora do espetáculo resolveu entrar. A sala já estava repleta de pessoas e só conseguiu lugar na última fila da plateia. Olhou as nucas que se perfilavam na sua frente e em nenhuma delas conseguiu vislumbrar indícios da cabeça do “seu” Paulo. Uma delas tinha um cabelo loiro com algumas semelhanças, mas as dúvidas dissiparam-se quando se posicionou de perfil.
A pessoa que estava ao lado do loiro que a confundiu, voltou-se para este e… Amélia entrou em estado de choque. Era um dos “Giraços de Mafamude”! E ao lado desse estava outro. E mais outro. A rapariga ergueu-se de um salto e correu para a porta de saída da sala, que abriu a custo. Um flash de luz encadeou-a. E à frente daquele clarão de luz intenso, conseguiu vislumbrar um grupo de jovens rapazes de armas apontadas para si, gritando. “Atenção! Preparar! Disparar!” Amélia soltou um grito aterrador, ao mesmo tempo que correu desenfreadamente em direção ao portão de saída do Convento. “Corta! Corta! Corta! Mas quem é que deixou passar esta maluca?!” – berrou, através de um potente megafone, um homem de chapéu de pala, que estava sentado numa cadeira de realizador, que tinha impressa na lona do encosto… “Os Giraços de Mafamude” – o título do filme em rodagem.
CONVITE AO LEITOR
E pronto, caro leitor. Agora o passo seguinte é seu. Para tal, repetimos o nosso convite à sua participação na escolha dos melhores contos. O processo é simples. A partir de hoje, tem trinta (30) dias para fazer a avaliação, em função da sua qualidade e a originalidade, do primeiro conto do nosso concurso, da autoria de Madame Eclética, e enviar a respetiva pontuação, numa escala de 5 a 10 pontos, para o email do orientador da secção (salvadorpereirasantos@hotmail.com).
A competição prossegue na próxima edição com a publicação do segundo conto, desta vez com assinatura de Inspetor Boavida, repetindo-se o processo de avaliação crítica dos nossos leitores durante o mesmo espaço temporal de 30 dias. A sua colaboração é fundamental, caro leitor!