Como Jesus nasceu para todas as raças, cada uma delas acolhe o Deus Menino como se da sua fosse. Baseada neste conceito, de uma maneira geral, a forma mais antiga que o Cristianismo criou foi o tradicional retrato dos Reis Magos. Ou simplesmente Magos do Oriente, que alguém, um dia os converteu em Reis. Embora digam as escrituras que Baltazar, Melchior e Gaspar vieram do Oriente, as personagens que conhecemos simbolizam três raças distintas. Aquelas que eram conhecidas na civilização dos primórdios do catolicismo.
Nos dias de hoje maravilham os nossos olhos qualquer exposição de presépios internacionais dos quatro emisférios. Como é o caso daquela que se pode admirar no Santuário de Lasallete, em Attleboro, Massachusetts, todos os anos, pelo Natal. Pois, claro, como não podia deixar de ser, o português, para nós, é de todos o mais lindo; e ao que consta, o seu criador, que tem um significante peso na direção do santuário, reserva-lhe sempre um local de destaque.
A saudade recorda tantos presépios. Maravilhosas obras de arte, tanto públicas como privadas.
Na Ribeira Grande, para além do Presépio do Senhor Prior, que por ser movimentado enquadrava, ao mesmo tempo, o cenário quotidiano daquela localidade, ganhando por isso fama em toda a ilha e fora dela, apareceu outro, que em nada àquele se podia comparar, mas que também passou a atrair milhares de forasteiros.
Estamos a falar do presépio gigante, ao ar livre, que a Câmara Municipal liderada pelo saudoso Engenheiro Fernando Monteiro iniciou na primeira metade da década de setenta do século passado.
Foi nesta altura, quando a História registava nas suas páginas as agitadas mudanças liberais, que mais tarde levariam à democracia, que aprendemos a ver o Natal nos dois sentidos: no religioso e no profano.
Eis que, pela primeira vez, percorre as ruas da vila-cidade um carro puxado a cavalo, muito enfeitado, transportando um indivíduo barbudo, vestido de vermelho, tirando de uma saca de pano encarnado mãos cheias de rebuçados, para atirá-los à rapaziada, que ajuntando-os do chão regozijava com gritos de alegria!
Esta cena do Pai Natal percorrendo as ruas da então vila-cidade em carro de tração animal foi o que a memória nos guardou, desconhecendo-se os quês e porquês. É que, viemos a saber, mais tarde, quem era o protagonista. Tratava-se do sr. Isaías Menezes. Há cerca de uma semana, ou pouco mais, tivemos uma ligeira conversa com a sua filha Rosa, e ela confirmou-nos que o meio de transporte usado não foi carroça de cavalo, mas sim uma carrinha de caixa aberta. Uma furgoneta, na linguagem que a gente aprendeu.
Pela Senhora da Conceição a Rua Direita fez-se ouvir mais longe, por causa da música, que ao longo dela dois ou três alti-falantes sopravam ao vento, para atrair as pessoas às montras, que brilhavam em avantajada iluminação.
Com a montagem do primeiro presépio ao ar livre as ruas que a ele conduziam também foram iluminadas e musicadas. Tinha, então, naqueles dias, a Rua Direita seguimento para outro ponto cardeal. Porque se estendida de poente a nascente, e virava norte ao passar pelo jardim, onde em lugar de destaque se colocava uma enorme árvore de natal electrificada.
Para o lado do mar, na zona do Castelo, brilhava a Estrela de Belém por cima de uma gruta que albergava a Sagrada Família, a qual se situava no sopé de uma montanha habitada por ovelhas e pastores, em que, mais ao lado, três indivíduos montados em camelos davam a impressão que fitavam o astro, e ao mesmo tempo se movimentavam em direção à gruta.
Três quartos da pequena planície defronte da montanha era ocupada por uma piscina nova, em folha. Com vinte e cinco metros de comprimento e dez de largura. Profundidade máxima de cinco metros e qualquer coisa, na área das plataformas de saltos, que se dividiam em três pisos. Fora inaugurada no verão daquele ano, e a sua construção foi um sonho realizado para muita gente. Na ilha era a obra-nova.
Naquelas lindas noites da quadra natalícia a piscina se encontrava cheia por dentro e iluminada por fora. A claridade da água, de tom azulado e de uma limpidez sem rival, de modo nenhum desqualificava o presépio. Era, sim, de certo modo, para alguns de nós, uma visão do Paraíso Celeste. Sim, porque o Terrestre ficava, e ainda fica, nas imediações dos Paços do Concelho.
Bem, de qualquer modo, usando a sua melhor aparência, a piscina tornou-se a sala de visitas para quem visitava o presépio. Quem vinha ver o presépio tanto ficava maravilhado com ele, como também com a piscina. Expostas as condições, é fácil deduzir que o presépio armado naquele local foi a melhor maneira de se mostrar a piscina aos forasteiros. Mas isto já vai a outro assunto, e não queremos sair do tema desta escritura.
Todos as figurinhas, de dimensões relativas aos personagens que faziam representar naquele presépio foram criadas com madeira, platex e cartão; pregadas, coladas e pintadas distintamente. Assentadas nos mesmos moldes do presépio das Furnas, que nos nossos dias podemos admirar na zona das caldeiras. Relevo e vegetação naturais.
O sucesso foi tanto, que ali se voltou a montar por dois ou três anos seguidos. Depois, como a piscina deu problemas, e por já não ser nova, os assentos do presépio começaram a ser mudados em cada ano que passava. Lembrámo-nos, perfeitamente, do presépio ser armado na Cascata, e diante do jardim, e em frente da Câmara Municipal.
Se a memória não falha, como falhou o meio de transporte do Velho do Natal, em 1980 o presépio foi montado em frente aos Paços do Concelho e edifícios adjacentes. Ficou a Sagrada Família abrigada debaixo do arco grande, e os diversos personagens dispersos pelo restante espaço, com um detaque especial para dois ou três pastores abrigados debaixo do arco da escadaria da entrada principal da câmara, em torno de uma fogueira, onde antigamente funcionava a cadeia do município.
Por qualquer razão o cantinho do presépio que mais chamava a atenção, a seguir ao abrigo da Sagrada Família era o abrigo dos pastores, no já mencionado arco da cadeia.
Na noite de natal, um grupo de amigos jovens, bons rapazinhos, fazendo tempo para a Missa do Galo da Matriz, que o sino grande havia anunciado, passou por ali e pôs-se a contemplar o presépio. A certa altura, sem mais nem menos, um deles desprega-se sarcasticamente com esta:
– Já, agora, podiam pôr o Menino Jesus na cadeia, em vez dos pastores…
Semi-breve momento de silêncio, e logo veio a repreensão, da parte de um dos outros:
– E porque não? Vejamos: Jesus nasceu para todos, e os mais pecadores são aqueles que mais dele necessitam…
Nisto, um outro tomando a palavra, foi inventando e dizendo:
– Meus amigos, eis a história da natividade de Jesus:
Em 1896, quando os Fenais d’Ajuda passaram definitivamente a fazer parte do concelho da Ribeira Grande, o município decretou um recenseamento geral à sua população. Foi naqueles dias que José e Maria, residentes na Lomba de São Pedro, vieram à capital. Maria estava grávida de oito meses, ou pouco mais. Depois de se registarem nos Paços do Concelho, Maria começou a sentir-se mal; e ao descer a escadaria apertaram as dores de parto. Já na base do edifício rebentaram as águas. Foi um processo tão rápido que José nem teve tempo de ir à Misericórdia, que se situava além do jardim, para pedir auxílio. O abrigo que estava ao pé e à mão era o arco da cadeia. Ali se refugiaram.
Os presos, apercebendo-se do que se estava a passar, vieram junto às grades. Despiram suas camisas e ofereceram outros agasalhos. José, por inspiração, foi o mestre do parto. Maria deu dois ou três gritos, e ouviu-se um gemido de chôro de bebé.
Os presos, batendo palmas, louvaram a Deus pelo milagre da vida, bendizendo ao Senhor. Nascera um menino. Um filho de Deus. Um irmão dos Homens. Tal-qual Jesus gosta de ser reconhecido. Pois, foi Ele próprio quem disse: “Tudo o que vós fizerdes a um dos meus irmãos, foi a mim que o fizestes.”
Aqui não havia mangedoira, nem os animais, que com o seu bafo aqueceram o menino. Aqui havia calor humano – aquele que vive no amor, e para o amor. Aquele amor que é, precisamente, a verdadeira mensagem do Natal, e que o próprio Jesus Cristo proclamou até à sua despedida, dizendo: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei.”
Nos moldes desta história, Jesus continua a nascer todos os dias, por este mundo fora; e se virmos Jesus em cada um dos nossos irmãos, a nossa vida será bem diferente.
Repicaram os sinos da Conceição. Os rapazes olharam para a torre, e viram que o relógio marcava dez para a meia-noite. Sim, o Padre Luís sempre foi muito apressado. Mas pontualidade nunca significou antes do tempo.
Dirigiram-se então os rapazes, lentamente, à Casa da Senhora da Estrela. Mal nela entraram, repicaram os sinos, e um bombão estourou no ar. Ao som do órgão electrónico, porque o de tubos aguardava conserto, ouvia-se o majestoso cântico Glória In Excelsius Deo. Igreja repleta de gente e, bem-bom! Porque assim o Padre Manuel nem deu pelo atraso da entrada dos rapazes. É que a sua ruindade não era fácil de ser controlada. Tinha o génio da sua avó. E esta “estória” termina aqui.
Para todos, um Santo e Feliz Natal.
Haja saúde!
Os sinos da Conceição,
Quer acreditem, ou não
Nunca repicam de riz.
Soam chocalhos ao vento,
Porque não têm o talendo
Daqueles que há na Matriz.
Fall River, Massachusetts, 18 de dezembro de 2022
Alfredo da Ponte