“MEUS PERSONAGENS TÊM IDEAIS, TÊM VONTADES, TÊM CHEIROS, TÊM CORES”

Luize Valente, uma escritora brasileira com ascendência portuguesa e alemã, lançou um novo romance histórico, “Sonata em Auschwitz”. Este livro conta a história de um bebé nascido em Auschwitz, em 1944, e uma sonata composta por um jovem oficial alemão que dão origem a duas histórias que se cruzam muitos anos depois.

Uma história envolvida em suspense, mistério e nos sentimentos vividos naquela época da II Guerra Mundial. Em conversa com o AUDIÊNCIA, a autora falou sobre a inspiração para esta história, o processo de escrita, as questões sociais atuais e o futuro.

Como é que surgiu a inspiração para escrever “Sonata em Auschwitz”?
A partir do encontro com uma sobrevivente do Holocausto, Maria Yefremov. Quando a conheci, Dona Maria tinha 101 anos. Ela chegou grávida em Auschwitz, em 1944. Deu à luz uma menina, num barracão imundo. A criança lhe foi tirada em seguida por um soldado alemão. Ela nunca soube o que aconteceu com sua filha. Fiquei dias e noites pensando, remoendo a história que ela me contara. E se este soldado tivesse optado pela vida, por salvar esta bebé? O que teria acontecido? Daí nasceu “Sonata em Auschwitz”. Dona Maria faleceu em dezembro de 2017, um mês e meio após o lançamento do livro no Brasil. O livro é dedicado também a ela.

 

A história retrata a II Guerra Mundial. Porquê escrever a história neste período específico?

A II Guerra Mundial sempre me intrigou e angustiou. Pesquiso este período sombrio da História há décadas. Tentei trazer ao leitor uma narrativa onde a luta pela vida fosse a questão central, onde pudesse recriar aquele período trágico da História, o quotidiano da guerra, e levar o leitor por um caminho de sensações, como se ele vivesse junto com os personagens a ascensão do nazismo, o enclausuramento no gueto, a viagem nos comboios de gado, o dia a dia no campo de concentração, os traumas e as superações no pós-guerra.

 

A construção das personagens e o levantamento da informação são fundamentais para a construção de um livro histórico. Como foi o processo de escrita?

Eu costumo dizer que flutuo sobre uma base bem concreta. Minha escrita tem como pano de fundo a História, um levantamento preciso de acontecimentos locais que são o pano de fundo da ficção. Livros e trabalhos acadêmicos, associados às pesquisas na internet e entrevistas (no caso do “Sonata”) com sobreviventes, parentes de sobreviventes e estudiosos do tema, me fornecem a base. Gosto também de viajar aos locais onde vivem e passam os personagens. Isso me ajuda a contruí-los e à trama com mais veracidade. Meus personagens têm ideais, têm vontades, têm cheiros, têm cores.

 

Quanto tempo levou a escrever?

Do momento em que propus a ideia do livro, através de uma sinopse de uma página, até a entrega do manuscrito, foram 1 ano e dois meses.

 

Para além de ser um romance, a história retrata um período negro da história. Foi difícil escrever todos os sentimentos e acontecimentos daquela época?

Sim, foi difícil e ao mesmo tempo desafiador. Ao construir personagens que estavam em lados opostos, digamos assim, do lado opressor e do lado oprimido, pude experimentar várias sensações. Gosto de dizer que “Sonata em Auschwitz” é um livro sensorial, que procura despertar nos leitores sentimentos muitos humanos como o medo, a coragem, o altruísmo, o egoísmo, entre outros, mas sem fazer juízo de valores ou julgamentos sobre certo e errado. Construí personagens muitos passionais, guiados por emoções e que, ao mesmo tempo, precisam tomar decisões rápidas e de forma racional já que, na maior parte do tempo, estão lidando com questões que envolvem sobrevivência, vida e morte. Foi bem difícil!

 

Atualmente, pensa que as pessoas tendem a esquecer-se ou querem esquecer-se deste acontecimento trágico?

Nas considerações finais do livro cito uma frase do filósofo espanhol George Santayana: “Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo.” Acho que ela se encaixa bem nesta resposta!

 

Com o desenvolvimento das questões sociais como os refugiados e as políticas dos EUA, pensa que futuramente poderá existir, de alguma form,a um acontecimento parecido com o que aconteceu na Alemanha, no sentido, da separação das “raças”…

Da forma como aconteceu no Holocausto, acredito que não. A globalização estreitou os laços de comunicação, permitindo que atrocidades e violações de direitos humanos sejam rapidamente denunciadas. Por outro lado, ficamos sabendo de situações de injustiça e preconceito, que acontecem a todo momento, em várias partes do mundo, e muitas vezes ficamos de mãos atadas, não podemos ou não conseguimos fazer nada.

 

Falando do futuro, próximo projetos para Luize Valente…

Estou em fase de pesquisa, aproveitando a estadia em Portugal para traçar novas histórias. Inquisição e as perseguições motivadas por este período obscuro da História deverão ser o pano de fundo de uma nova trama.