“NÃO HAVERIA METADE DOS PROGRESSOS ALCANÇADOS COM O PODER LOCAL SE NÃO TIVESSEMOS TIDO AS ASSEMBLEIAS”

Albino Pinto de Almeida nasceu, a 22 de abril de 1961, no Porto, mas foi criado e educado em Mafamude, Vila Nova de Gaia.

Frequentou a Instrução Primária, Secundária e Liceal no Colégio de Gaia, seguindo depois para o Curso da Escola do Magistério Primário do Porto e para o Curso de Psicoterapia Familiar e Psicodrama do Dr. Alfredo Soeiro, como aluno convidado do Instituto Espanhol de Cultura. Foi professor do Ensino Básico no Colégio do Rosário, no Porto, entre 1979 e 1986, e gestor comercial de empresas desde então até 1993.

Prestou ainda serviços como assessor de Gestão Comercial e Comércio Externo, de Empresas nacionais, italianas, inglesas e norte-americanas, em regime de prestação de serviços desde 1993. Além de presidente da Associação de Pais e Encarregados de Educação da EB1 das Pedras, em Vila Nova de Gaia, entre 1998 e 2001, Albino Almeida foi também presidente da Assembleia Geral da FEDAPAGAIA (2000-2005) e presidente da Assembleia Geral da FRAPP (2002 e 2003). Membro do Conselho Executivo da CONFAP, entre 2002 e 2003, Albino Almeida foi também presidente do mesmo entre 2003 e 2013, e presidente da FEDAPAGAIA de 2006 a 2013, altura em que assumiu, pela primeira vez, a presidência da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia, cargo que ocupa até hoje. É também, atualmente, presidente da ANAM – Associação Nacional das Assembleias Municipais. 

 

 

O poder local foi uma das maiores conquistas da Revolução dos Cravos. Como vê a evolução, desde então, até agora?

O poder local tem feito a sua evolução natural e que está comprovada, seguramente, porque ser a maior conquista de Abril é confirmado pela maior parte dos cidadãos. Tenho dito, e é verdade, ficamos sem perceber, falha nossa, dos que chegaram aos vários poderes públicos depois do 25 de Abril, se a juventude tem a mesma noção dos que os antecederam. Seja como for, a minha consciência diz-me que é uma das mais importantes instituições pós 25 de Abril, sendo que nela, poder local, as Assembleias Municipais nasceram com a Revolução, já que antes do 25 de Abril, não existiam no formato que hoje as conhecemos. Portanto, constato sem adjetivar, que foi dos poderes de Abril que mais se consolidou, exigindo agora um patamar que pudesse fazer a ligação entre o governo central e as autarquias, até porque acabaram os governos civis em 2013, e ao contrário do que seria expectável, os partidos com poder para isso, nomeadamente os dois maiores, ainda não conseguiram entender-se para criar um órgão, que existe em toda a Europa, numa logica de governação multinível, um órgão que seria, precisamente, regional, que faria a ligação entre os vários municípios. Isso hoje é reconhecido por muitos, mas nem por isso temos visto a lei avançar nesse sentido, o que é lamentável e tem prejudicado muito o país. 

 

Passados 50 anos, quais os marcos mais importantes a seu ver?

Estamos a construí-los todos os dias, mas diria que a lei 169/89, já 24 anos depois da democracia, foi quando se colidiram pela primeira vez todo o enquadramento legal das Assembleias Municipais. Em 99, já perto do virar do século, quase 25 anos depois da revolução, é que esta lei deu corpo global, foi uma espécie de manual legal das Assembleias Municipais e dos poderes que elas encerram. Aliás, o que aconteceu no país foi que o poder local foi avançando e depois a lei veio dar legitimidade. Portanto, não se pensou tudo à priori, como se faz muitas vezes em Portugal, mas foi-se fazendo e a lei veio atrás legitimar. 

 

E qual a importância da Assembleia Municipal?

Acho que a Assembleia Municipal tem um papel, desde logo, de monitorização das políticas municipais e, depois, de fiscalização. Gosto de dizer por esta ordem porque acho que quem não percebe não fiscaliza, só pode fiscalizar quem perceba. E, portanto, daí eu falar da monitorização. Cada vez mais os governos na questão das políticas locais têm vindo a passar, desde 1985, que a educação já estava com os municípios. Agora foi formalizado, há dois anos, pela transferência de competências e eu diria que não concebo nenhuma política pública que não deva estar pensada também no poder local, caso contrario é inalcançável. 

 

O que o levou a enveredar pelo caminho da política local?

Nem sequer sonhava com isso até ao dia em que o senhor professor Eduardo Vítor Rodrigues me convidou para este desafio do poder local. E foi um desafio exigente, valeu, como lhe digo, o maior mentor daquilo que eu hoje faço e penso, que foi o Menezes Figueiredo, que tive a honra e privilégio de conhecer e a sua grande experiência política a nível nacional que ele depois também aplicou a nível local, com todos os conselhos prudenciais que ele me deu, e com a noção que eu fiquei que a expressão pelo direito das cautelas, ou seja, o direito é parcimonioso mas se tiver a cautela é a primeira das parcimónias do direito. Ou seja, a democracia pode tudo mas não pode com tudo. E a perceção deste limite foi-me ensinada pelo Menezes Figueiredo. 

 

De que forma é que ele o inspirou neste seu longo percurso?

Inspirou por ser um homem pragmático, por me passar esta ideia que eu já acreditava há muitos anos, e que vi confirmada na altura num homem de mais de 70 anos, que é a ideia de que nós somos todos efémeros, o poder é circunstancial e temporal, não é eterno. E portanto, essa primeira noção, a noção de serviço, a noção de estar ao serviço das populações, ir junto das populações e também uma chamada de atenção para o movimento que está ali corporizado naqueles três imensos dossiers, que foi o primeiro presidente da Assembleia que teve uma dimensão extra local visto que foi durante os mandatos dele que se fizeram reuniões de presidentes de Assembleia de todo o país e que funcionaram bem.  Não se agarraram ao poder para querer mais poder, limitaram-se a traduzir aos governos as necessidades do poder autárquico deliberativo tinha. Fez um trabalho notável nesse sentido e quero também dizer que a inspiração dele foi muito alargada e procurei tirar dela as melhores consequências que conseguiria alcançar. 

 

Além de presidente da Assembleia Municipal de Gaia, também é presidente da ANAM. De que forma é que esta instituição e o cargo que tem desempenhado há 10 anos em Vila Nova de Gaia têm contribuído para o engrandecimento da democracia em Portugal?

As Assembleias Municipais têm o seu papel nas regiões, e têm desempenhado bem esse papel. Não haveria metade dos progressos alcançados com o poder local se não tivéssemos tido as Assembleias, que é onde basicamente podem ser aferidas a adequabilidade, a razoabilidade, a ponderação dos normativos locais que se aplicam a nível local. Temos 308 assembleias e poucas, digamos que cerca de duas dezenas, com as condições todas para ser Assembleia Municipal. Ainda há muitas zonas do país, principalmente nos locais com menos população, onde as assembleias municipais, por exemplo, não têm instalações próprias, não têm, apesar de a lei o prever, pessoal especializado ao serviço das assembleias e também dos deputados. Os deputados que estejam na Câmara, mas que não estejam ligados ao poder diretamente, têm muita dificuldade em perceber e em entender, muitas vezes, tudo aquilo que as Câmaras decidem. Portanto, a Assembleia é uma forma de ressonância pública alargada, o público intervém nas assembleias municipais, pode estar presente, e as Câmaras já vão nesse sentido. Por isso, tem sido importante acompanhar o trabalho, monitorizar e ao mesmo tempo alertar o poder político nacional para que não se deixe adormecer nesta matéria do muito que há a fazer ainda no poder local. Já conseguimos este ano uma clarificação de uma coisa tão simples como são as senhas de presença em todas as reuniões e sessões, porque, por razões financeiras do país, um Secretário de Estado desta área, José Junqueiro, criou uma leitura arrevesada do próprio estatuto dos eleitos locais que diz que por todas as reuniões são recebidas comissões, que aliás, são absolutamente baixas no poder autárquico que é o único que ainda não viu reposta a situação pré-troika, e ainda existe um corte de 5% nos vencimentos dos políticos e as senhas eram também motivo de divergência entre os deputados municipais e as Câmaras. Isso, a partir deste ano, está previsto no Orçamento de Estado o que o estatuto dos eleitos locais já dizia há muitos anos, mas, muitas vezes, somos um país muito complexo que precisa de muitas leis, fazendo ficar aterrorizados os nossos colegas estrangeiros que quando dizemos por quantas leis regemos e somos regidos ficam absolutamente estarrecidos. Porque eles têm menos leis, e as coisas até que funcionam bem porque o número de leis que existe é inversamente proporcional à felicidade de um povo. Quanto mais normas tivermos que utilizar pior, mais opaco fica o sistema ao contrário dos que acham que é por haver muitas leis que fica mais transparente, não é. Tem que haver regras claras. Houve um Secretário de Estado que, por razões económicas, esquecendo-se de dizer que era por isso, fez de conta que o estatuto dos eleitos locais não existia, portanto, estávamos nesta dúvida de muitas vezes os deputados terem de pagar tudo do seu bolso. Já pagam muita coisa, nomeadamente para observar, para analisar por exemplo os orçamentos das Câmaras como toda a gente percebe, é mais difícil para uns do que para outros, dentro da formação profissional, mas não existe nenhum departamento técnico como tem a Assembleia da República, a unidade técnica de apoio ao orçamento, as Câmaras não têm nada disso. Portanto, resta ao presidente ser, ao mesmo tempo, o pensador da política, o realizador da política e o explicador da política, mesmo em termos técnicos. Ninguém diz que o presidente de Câmara tem de ser contabilista, economista ou algo do género, portanto, devia haver mais condições para o efetivo exercício do poder, nomeadamente de auditoria e fiscalização das Câmaras Municipais como incumbe a lei às Assembleias Municipais. Por aqui, depois, consegue-se imaginar a quantidade de caminhos que ainda faltam talhar para se atingir a excelência. Estamos muito longe da excelência e considero que temos feito bastante no enquadramento que temos. E parece uma contradição eu estar a dizer que temos leis a mais e depois tenha dito que é preciso melhorar as leis, mas eu distingo bem entre a necessidade de mudar as leis quando é preciso melhorar o desempenho e a necessidade de mudar as leis só porque sim ou por questão emblemática. 

 

Disse que ainda há um longo caminho a trilhar, mas pode dar alguns exemplos do que ainda poderia ser feito?

Poderia ser feita a possibilidade das assembleias contratarem a tal unidade técnica de apoio orçamental, e seria muito simples, porque a Câmara tem um revisor oficial de contas e bastaria, nem sequer é uma mudança da lei, que esse revisor que atesta perante os poderes públicos a conformidade das contas da Câmara, pareceu-nos bem, a todos os presidentes de Assembleia, que devíamos ter uma unidade dessas a funcionar nas assembleias, que são elas que aprovam o orçamento da Câmara e a contratação do técnico revisor de contas, e esse revisor ter entre as suas tarefas as explicações técnicas, as políticas competem aos políticos, como têm os deputados da assembleia, sobre matérias orçamentais, financeiras, contratação pública, tudo isso. Nunca as Câmaras estiveram tão desamparadas na aplicação de várias obrigações  que lhes incumbe, precisamente e talvez isso esteja ligado à perceção pública de que nas autarquias se faz tudo e um par de botas, até porque corremos o risco de não fazer nada se as coisas continuarem como têm andado até aqui, nomeadamente em termos de contratação pública. Portanto, eu diria que em vez de se complicar os processos às Câmaras, bastaria agilizar os processos das assembleias e uma prestação de contas técnica mais assídua às assembleias, como o Parlamento tem. Tenho dito muitas vezes, ainda o ano passado na presença do presidente da Assembleia da República, que queremos comparar-nos e queremos atingir os mesmos patamares de confiança e de respeito que existe pela Assembleia da República e que ninguém põe em causa. Por exemplo, em Caminha, o presidente da Câmara demitiu-se e demitiu-se das funções governamentais para agora ser ilibado. Portanto, entendo que faltam mecanismos de acompanhamento da ação das autarquias para que estes processos nem sequer chegassem a pensar-se em pôr em tribunal porque a clareza seria tão evidente que ninguém teria dúvidas. E faltam aí mecanismos, que são diferentes de leis. Precisamos de afinar algumas leis, criando mecanismos que as tornem mais simples e exequíveis e eficazes. 

 

A seu ver, qual o legado que vai deixar às gerações futuras?

Legado faz sempre pensar na morte e, embora eu saiba que essa é uma componente da nossa vida, nunca pensei muito nisso. Acho que o único legado que deixo é aquele pelo qual tenho lutado, se posso considerar isso um legado, que é aos deputados toda a liberdade, mas toda a responsabilidade também. É por aí que tenho gerido os meus mandatos, conforme me foi exemplificado em vários episódios de vida, precisamente por Manuel Menezes Figueiredo. 

 

Falando da atual situação política do país, tivemos eleições legislativas recentemente. Como vê o futuro da democracia em Portugal?

Com muita preocupação. Porque instituiu-se o princípio que, afinal, as legislaturas não são para levar até ao fim. E é muito preocupante que seja o Presidente da República o órgão que determinou que as legislaturas, no máximo, têm um ano e meio, dois. Portanto, vejo com muita preocupação a falta de princípios absolutamente inamovíveis que a democracia devia ter que não tem, está a ter uma deriva que não compreendo, não quero alocar a nenhuma força política mas quero dizer que o país atingiu a ingovernabilidade, quando ainda, em princípio, teria dois anos de governo maioritário. As razões que foram aduzidas ainda para mais são nublosas, vêm de uma iniciativa do poder judicial que, quando entra na política, nunca a melhora, traz sempre consigo ruturas, complicações, e eu com toda a sinceridade, acho que deve haver respeito pelo poder judicial mas que o poder judicial em Portugal não pode ser usado como uma espécie de arma de política de arremesso. Aliás, quero solidarizar-me com a posição de um magistrado público que dizia que temos que acabar com as queixas anónimas, enredam muito tempo os membros dos tribunais para depois no fim se chegar à conclusão que afinal aquilo não tinha nenhum problema. Creio que fortalecido o poder fiscalizador das assembleias, com órgãos de apoio a esse poder fiscalizador, evitaremos muito caminho e começaremos por fazer aquilo que deve ser exigido a qualquer responsável, como o Presidente da República, que é respeitar a duração dos mandatos. A bomba atómica, como se chama em Portugal, e que o senhor Presidente usou vastas vezes antes de a aplicar, é absolutamente maléfica, e não é benéfica para a democracia porque toda a gente sabe que a meio de uma tarefa não é altura para julgar e substituir. Havia um cônsul romano que dizia que nunca se muda de montada no meio do rio. Mas Portugal está a seguir esse caminho, e estou muito preocupado. 

 

Qual a mensagem que gostaria de transmitir no âmbito dos 50 anos do 25 de Abril?

A primeira coisa é que os mandatos se respeitem. O 25 de Abril, ele próprio, foi uma rutura com um tempo que passava ao qual era preciso por fim. Mas vamos ser claros, o 25 de Abril aparece porque o país encontrou uma situação de bloqueio que foi a guerra colonial. A guerra colonial bloqueou o país, bloqueou tudo à volta, a economia e tudo o que ela faz andar, nós vivemos basicamente para um mercado garantido que era o das ex-colónias portuguesas, e depois do 25 de Abril quando alargamos, quando olhamos para a Europa, começamos a ter então as exportações de têxtil, calçado, agora de vinho, e de outros produtos porque o 25 de Abril significou a rutura e considero que a democracia por definição, o que mais gostaria de ver no meu pais para o futuro, era que se cumprissem os mandatos. Independentemente da ação de forças estranhas que estão aí a fazer mexer o sistema democrático e encaminha-lo, para mim, num sentido preocupante.