“O MÚSICO GOSTA DE ESTAR NO PALCO, DE SER VISTO E DE SER APLAUDIDO”

Natural da Matriz da Ribeira Grande, Paulo Garcia é um apaixonado pelo associativismo, integrando várias associações na cidade, nomeadamente a Sociedade Filarmónica Triunfo, na qual é presidente.

Em conversa com o AUDIÊNCIA, Paulo Garcia falou sobre as dificuldades de uma filarmónica, os apoios, os hobbies e o associativismo.

 

 

Sociedade Filarmónica Triunfo é a mais antiga do arquipélago dos Açores…

Sim. Data de 2 de fevereiro de 1846, apesar de haver alguma dificuldade em encontrar os registos. Mas já foi referido e está registado na própria Direção Regional da Cultura 1846. A Filarmónica não teve uma vida contínua, houve várias interrupções no seu funcionamento. Esteve 10 anos encerrada e nós reativámo-la.

 

Tem o cargo de presidente da Direção e se fizermos bem as contas temos presidente até a Filarmónica fizer 200 anos…

Já faltou mais. Passamos os 175 e agora aproxima-se a passos largos os 200 anos. Mas até lá é preciso consolidar a Filarmónica e avançar com os projetos que estão em curso.

 

Embora as filarmónicas nos Açores sejam uma tradição muito enraizada, não tem vida fácil uma direção para a manter ativa…

Não, não é fácil. Há momentos bons. Há momentos menos bons. Mas não é fácil por várias circunstâncias. O próprio instrumental é exigente com reparações sempre permanentes e com investimento também permanente em formação. Temos apostado muito na formação de músicos e também na sua continuidade porque, às vezes, apostamos na formação dos mais novos desde os 9/10 anos e depois chega a uma altura crítica ,que é entre os 16/17 anos, na qual muitos ingressam nas universidades e têm que sair daqui para o continente. Ficamos com um investimento grande na formação que fizemos naqueles músicos e depois de um momento para o outro ficamos sem eles e, portanto, é preciso preparar outros. Mas isso é um caminho que se faz todos os dias e custa tempo e custa dinheiro. Só se consegue tendo uma boa equipa e bons elementos na direção para avançar e para estarem sempre presentes no desenvolvimento da banda.

 

E que apoios recebe das entidades do estado?

A Câmara Municipal da Ribeira Grande tem estado sempre presente nos momentos que nós precisamos e tem sempre a porta aberta. Isso também é acontece com a Junta de Freguesia. Recentemente, precisávamos da viatura para transporte e emprestaram-nos. O Governo Regional também nos tem apoiado, apesar da legislação em vigor para o apoio das bandas filarmónicas não ser muito do agrado das filarmónicas, pois nós temos que adiantar o investimento para eles nos darem alguma coisa, e, nós sabemos que um instrumento custa 3 mil euros e é difícil nós termos os 3 mil euros para depois receber por volta de 50% do dinheiro. Temos que avançar sempre nós. Já sensibilizamos o Governo mas nunca tivemos resposta.

 

Mas isso pode ser determinante para a qualidade e para o futuro das filarmónicas…

A vida nas filarmónicas não é tão fácil e, portanto, há que haver um olhar diferente para esse tipo de costumes. Outra questão que nos é muito cara é os fardamentos, porque é sempre um investimento grande e, por exemplo, os músicos com 10 anos, passado 2 anos têm que mudar de fara, por isso, temos que investir num novo fardamento. Claro que vão passando uns para outros mas nem sempre serve. Nós gostamos de nos apresentar bem e julgo que todas as filarmónicas gostam de se apresentar. Para fardar 40 a 50 pessoas ronda a ordem dos 15 milhares de euros.

 

A Filarmónica Triunfo quantos sócios tem?

Neste momento, temos cerca de 250 sócios e têm que pagar uma quota anual mínima de 15 euros. Há sócios que entregam mais algum consoante aquilo que tiverem disponibilidade.

 

É importante o papel dos beneméritos para a manutenção desta instituição?

É fundamental. Nós temos tido 3 tipos de receitas. As receitas que provêm dos sócios através da quota. Temos apoios das entidades oficiais como da Câmara Municipal, da Junta da Freguesia, e do Governo Regional através da Direção Regional da Cultura. E depois temos, se calhar, a nossa maior fonte que é os emigrantes, que vivem a vida da banda muitas vezes com muito mais intensidade do que a comunidade local que está ali perto.

 

Então estou a ver que a banda viaja muito para o outro lado do Atlântico…

Era importante mas na história da banda só houve uma viagem ao Canadá, durante 1 mês, nos anos 80. Nós temos um projeto para concretizar para irmos aos Estados Unidos da América. Estamos a trabalhar nisso mas precisamos de receitas, precisamos de uma certa logística. Entre 1 ano ou 2 anos no máximo, nós vamos fazer uma digressão na América onde vamos estar próximos desses emigrantes na zona da Nova Inglaterra, onde existem muitos ribeiragrandenses.

 

Uma situação que o arquipélago está a viver neste momento, é a vinda de inúmeras bandas filarmónicas, grupos corais, órfãos, ranchos folclóricos até aqui. Isto está a ter o retorno, ou seja, a vinda deles tem arrastado, no caso da banda filarmônica, a ida até ao continente, ou não?

Nós, em janeiro, tivemos cá a banda de Crestuma e temos visto noutras freguesias locais no nosso concelho e noutros concelhos a presença de outros grupos. Ainda há pouco tempo, nas Furnas, veio uma banda de Paris. Temos visto algum fluxo dessas pessoas. Há aqui uma abertura grande com a visibilidade dos Açores porque os Açores estão na moda com o aparecimento das viagens low cost. Temos tido alguns contactos para fazer intercâmbios e irmos lá mas temos agora esse projeto dos EUA e não vamos enveredar para gastar dinheiro em irmos ao continente. Os intercâmbios têm sido bom para nós. Recentemente, fizemos um na Ilha da Terceira, e nesses encontros há convívio entre os músicos, há partilha de experiências e é tudo importante para os músicos, principalmente, aparecem noutros palcos. O músico gosta de estar no palco, de ser visto e de ser aplaudido.

 

Voltando ao interior da Filarmónica Triunfo, neste momento, não há problema de maestro…

Neste momento, temos o nosso maestro Rui Piques, que já está connosco há quase 2 anos. Ele tem formação musical e é professor no Conservatório Regional de Ponta Delgada. Rui Piques tem sido um excelente elemento e tem procurado novos desafios. Tem posto a filarmónica noutros palcos e temos tido experiências novas. Sendo u,m maestro ligado à aprendizagem, temos a Escola de Música, que é liderada por ele e mais um antigo músico que também nos apoia. Diariamente, nós temos a nossa sede aberta para todos aqueles jovens que estão interessados em aprender para depois entrarem na banda. Já temos lá cerca de 5 ou 6 no neste momento.

 

A Escola de Música destina-se exclusivamente para quem quer integrar a banda, quem não quer integrar e quer frequentar uma escola de música, isso não está aberto?

Não está aberto porque nós não recorremos apenas a essa escola. Neste momento, estamos a assegurar 3 músicos que estão no Conservatório Regional de Ponta Delgada, ou seja, nós pagamos os transportes todos semanalmente, que são duas vezes por semana. Nós somos responsáveis por eles estarem lá inscritos e fazemos esse apoio dos transportes na totalidade. Depois, temos também a Academia de Música da Ribeira Grande, onde estão inscritos 6 ou 7 músicos que ainda não estão no nível para ir para o Conservatório, mas nós não temos professores específicos para aquele tipo de instrumento. Como existe uma Academia na Ribeira Grande, eu julgo que as pessoas que queiram aprender música têm ali uma possibilidade de aprendizagem.

 

 

 

Quantos músicos tem, neste momento, a Filarmónica?

Neste momento, nós temos 34 músicos. Temos pouca velha guarda. Cerca de 70% dos músicos são jovens. Temos lá um caso interessante de uma família que tem 3 gerações na Filarmónica.

 

Esta falta da velha guarda está relacionado talvez com os cortes que houve na atividade da filarmónica…

Quando houve os cortes, muitos desistiram e outros rumaram para outras filarmónicas para não interromper o seu percurso e, depois, quando reativamos foi difícil trazê-los de volta. Não temos uma média de idades muito elevada. Temos um máximo de 64/63 anos ou mais velhos e o mais novo anda à volta dos 7 anos.

 

Em janeiro deste ano,a Filarmónica Triunfo foi distinguida pelo jornal AUDIÊNCIA com o Troféu Filarmónica 2017. Este tipo de incentivo, embora seja unicamente um incentivo, isso representa alguma coisa para a filarmónica?

Representa para nós, a equipa da Direção, um reconhecimento do trabalho que nós estamos a fazer e que continuamos a consolidar. Essas distinções são importantes em qualquer tipo de coletividade como a nossa, porque não é sempre fácil sermos distinguidos ou haver essa oportunidade para as distinções. Normalmente, são feitas por organizações do estado como Câmaras Municipais ou Juntas de Freguesia e, sendo, uma entidade independente ficamos muito reconhecidos pela atribuição daquela distinção.

 

Vamos falar um bocadinho sobre o futuro. Já falou que, neste momento, estão a angariar meios para irem ao encontro dos emigrantes que contribuem para a existência da filarmónica. Que tipo de iniciativas estão a fazer para angariar verbas?

Está a decorrer uma nova campanha de angariação de sócios com esse objetivo. Também fizemos as Festas da padroeira com esse objetivo, e estamos a aceitar todos os serviços que nos aparecem que é uma fonte de receita importante. Todas as verbas são encaminhadas para isso esse projeto.

 

E já têm uma data mais ou menos prevista para se deslocarem lá?

A data está definida. Será no final de agosto que é por volta das Festas do Espírito Santo. Agora não sabemos qual será o ano. Estamos a trabalhar e estamos em contacto com eles para saber qual será a melhor altura. Isso tudo depende da questão da logística.

 

Para além disso, que mais objetivos tem a Direção?

Nós precisamos e estamos a trabalhar nisso que é um espaço maior. A nossa sede tem uma sala de ensaios de pequenas dimensões para todo o instrumental. Nós já temos feito um esforço com a Câmara Municipal para arranjar um local mas mantendo a nossa sede onde existe. Isso é um dos principais grandes objetivos.

 

Nova campanha de sócios, uma sala de ensaios nova e viajar até aos Estados Unidos…

Sim, digamos que está traçado os próximos três anos.

 

Paulo Garcia casou com as instituições da Matriz da Ribeira Grande e ,não só, já que estamos numa que é na Conceição, Ribeira seca. É um amante do associativismo?

Tenho o meu contributo cívico e gosto de participar e de ajudar. Estou sempre am algumas funções, em algumas instituições de caráter humanitário como é o caso dos Bombeiros da Ribeira Grande.

 

Portanto, neste momento, tem a Direção da Filarmónica, é membro da Direção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Ribeira grande e, além disso ainda faz um pezinho na autarquia…

Sim, pertenço à Assembleia da Freguesia da Junta de Freguesia.

 

Ou seja, é um operário da sua freguesia…

Sim! E ainda estou ligado ao escutismo. Pertenço à Direção do Corpo Nacional de Escutas do Agrupamento 645 da Ribeira Grande e, neste momento, desempenho as funções de Chefe de Agrupamento.

 

Então, pode-se entender, que desde que nasceu até hoje, a Matriz foi a sua terra de residência…

Sim. Tive um espaço de 7 anos que fui estudar para Lisboa.

 

Mas não ficou apaixonado por lá…

Não mas gosto de ir lá algumas vezes.

 

Sabe que um problema dos Açores é que a malta mais nova vai estudar para fora e depois não regressa…

Exatamente. Mas felizmente na minha geração, há cerca de 18 ou 20 anos, aqui encontrava-se emprego. Tendo formação era fácil arranjar emprego, em São Miguel, propriamente dito, e, nos Açores. Agora é que as coisas estão mais difíceis.

Uma das coisas que tenho descoberto é que tem um grande hobby pela promoção da sua terra, nomeadamente, com os vídeos contantes nas redes sociais. Qual a motivação desse hobby?

Eu sempre gostei de estar ligado às novas tecnologias e sempre me acompanharam desde a universidade. A minha geração acompanhou essa evolução do aparecimento das câmaras digitais, da facilidade da informática. Sempre gostei de divulgar aquilo de bom e, às vezes, menos bom se faz.Julgo que tem sido uma oportunidade boa. Não imagina a quantidade de pessoas que me agradecem a divulgação que faço. Todas as oportunidades que eu tenho, eu registo e, hoje em dia, sabemos que é fácil fazer um registo.

 

Mas com o profissionalismo que faz, não é habitual…

Faço algum tratamento para ter alguma qualidade mas não é muito profissional. Sou um bocado perfecionista e julgo que as coisas têm que ter qualidade.

 

Uma mensagem para a comunidade ribeiragrandense…

Nós lançamos o desafio para que se façam sócios da Filarmónica Triunfo que assim estão a apoiar-nos com 15 euros por ano, o que representa 1 euro e tal por mês. É sempre uma ajuda preciosa. E acabam por fazer parte de uma coletividade que representa sempre a comunidade porque quando nós vamos algum lá é a Matriz da Ribeira Grande que representamos.