Já passaram 56 longos anos. No entanto, por mais anos que passem, dificilmente conseguiremos esquecer o dia mais triste que atingiu a CC 1.654 (Bat.1.906), da qual fiz parte integrante, ao longo dos dois anos da comissão que nos levou a Moçambique (Fev.1967-Fev.1969), integrados no Batalhão 1.906, comandado por um militar de carreira que já nos deixou, o saudoso coronel Guardado Moreira.
Na fase mais adversa da Companhia comandada pelo capitão miliciano José Manuel Campos, tantas vezes me ocorre a figura dos companheiros que pereceram. Por isso, na passagem de mais um ano após a triste ocorrência que fez quatro vitimas, quero hoje lembrá-los e prestar-lhes a devida homenagem póstuma.
Porém, de entre os que sobreviveram e que mais sentiram na “pele” os efeitos nefastos da trágica emboscada de 14 de Maio de 68, na região de Tete – que “roubou” a vida a quatro camaradas – o alferes miliciano Alberto Augusto da Silva, transmontano de Miranda do Douro, que liderava o 4º Pelotão, ainda hoje muito terá para contar aos netos, o envolvimento bélico que tanto o marcou. Gravemente atingido pelo fogo inimigo, logo ao romper do dia, só conseguiu recuperar após um longo período de intervenções e convalescença. E passadas algumas décadas, quando nos cruzamos, no âmbito dos nossos encontros anuais, Alberto Augusto da Silva fez questão de ser interveniente directo nas palavras que originaram este texto, que eu interpreto também como forma de prestar homenagem aos camaradas que perderam a vida pela Pátria, nesse “14” de Maio longínquo, mas também inesquecível pelos piores motivos.
Uma espera interminável
Depois de recuperado, aquele antigo miliciano quis deixar o seu testemunho com algumas recordações angustiantes, tal foi a delicada situação em que todos se viram envolvidos. Do seu emocional depoimento, extraí o que vem a seguir:
«Recordo esse dia como se fosse hoje. Eu ia num dos lugares da cauda da coluna e no momento do ataque, fui alvejado com um tiro que me perfurou o intestino em diversos pontos, tendo a bala ficado alojada sobre o rim direito. Já no chão, voltei a ser atingido por três vezes. No entanto, embora a ocorrência tenha sucedido ao principio da manhã, só por volta das três da tarde, eu e os restantes feridos, conseguimos que nos fosse prestado auxílio. Chegava então o dr. Durval Gonçalves (este camarada já nos deixou), médico da Companhia, com as viaturas que haviam ficado em Vila Coutinho, escoltadas por uma secção de militares nativos. O objectivo era evacuar para o Hospital de Tete os militares em situação mais complicada, ou seja, eu e os 1.ºs cabos Sérgio Veríssimo e Conceição Costa, que viriam a perecer. Porém, cerca de 5 km à frente das primeiras rajadas, sofremos novo ataque que atingiu o 1º cabo João Manuel da Silva (era conhecido pelo Lisboa, mas era natural de Murça), com um estilhaço de granada que lhe perfurou um pé. Já exaustos, quando chegámos a Vila Coutinho esperava-nos a avioneta que haveria de nos levar para Tete, que ficava ainda a duas horas de distância. Só que, mal tínhamos acabado de levantar voo, reparei que o 1º cabo Veríssimo, transmontano de Freixo de Espada à Cinta (Poiares) já não dava sinais de vida. Mas, por estranho que pareça, já tinham passado mais de 12 horas desde o sucedido e isso leva-me a pensar que se tivéssemos sido socorridos com mais brevidade, talvez o desfecho pudesse ter sido bem diferente».
«Quanto à minha situação pessoal – recordou o Alferes Alberto Silva – estive sempre consciente até à chegada a Tete, onde, de imediato, me ministraram a terceira dose de morfina. Mas os pormenores das lesões que sofri só os conheci mais tarde, pela boca de uma religiosa espanhola – a madre enfermeira – que me disse em castelhano: «tenemos aqui un buraquito».
«No dia seguinte, acordei todo entubado e deparei com outra enfermeira a meu lado – a irmã Marta – que providenciou que fossem cosidos todos os ferimentos que eu tinha nas pernas e eram ao todo seis».
Quero salientar também que, na emboscada que aqui refiro, os soldados Armando José Gomes e José Alberto Fazenda Machado, ambos meus camaradas do 1º Pelotão, também pereceram após o primeiro ataque.
In – “A Nordeste do Fíngoè – Cap.13“– Agosto/2016