O VÍRUS DA DESIGUALDADE

Em anterior artigo publicado neste Jornal sobre as sequelas económicas e sociais relacionadas com a pandemia em curso, houve oportunidade de referir algumas situações existentes e outras que se seguiriam.

Segundo a Oxfam constata, os mais ricos do globo recuperaram em tempo recorde breves perdas iniciais derivadas da COVID, enquanto os mais pobres levarão mais de uma década para a recuperação, ou seja, são 1.000 pessoas versus alguns milhares de milhões, dando crédito ao relatório da instituição publicado no dia da abertura do Fórum Económico  Mundial em Davos.

O relatório mostra que o COVID-19 tem potencial para aumentar a desigualdade económica em quase todos os países, a primeira vez que isto acontece desde que começou a haver registo de epidemias, há mais de um século.

O relatório da Oxfam mostra que o precário sistema económico está a permitir que uma elite super rica acumule riqueza em plena pior recessão desde a Grande Depressão, enquanto milhares de milhões de pessoas estão a lutar arduamente  para conseguirem sustentar-se, revelando como a pandemia está a aprofundar antigas divisões económicas, raciais e de género,

ao mesmo tempo que ocasiona a pior crise de emprego em mais de 90 anos com centenas de milhões de pessoas agora sub-empregadas ou sem trabalho.

Os dez homens mais ricos do mundo viram as suas riquezas somadas aumentarem em meio milhão de milhões de dólares desde o começo da pandemia, em termos comparativos mais do que suficiente para pagar uma vacina COVID-19 para toda a gente e assegurar que ninguém seja empurrado para a pobreza devido à pandemia.

As mulheres são as mais duramente atingidas, pois estão novamente mais visíveis nas profissões precárias com baixos salários que têm sido mais duramente atingidas pela pandemia, constituindo, por exemplo, cerca de 70 por cento da mão-de-obra global na área da saúde e dos cuidados sociais, empregos essenciais mas muitas vezes mal remunerados que as colocam em maior risco perante a pandemia.

Por outro lado, a desigualdade está a custar vidas, pois afro-descendentes no Brasil têm uma probabilidade de morrer da pandemia 40 por cento mais elevada do que a das pessoas brancas, enquanto cerca de 22 mil pessoas negras e hispânicas nos Estados Unidos ainda estariam vivas se experimentassem as mesmas taxas de COVID-19 dos brancos,por outro lado a infecção e as taxas de mortalidade são mais elevadas nas áreas mais pobres de países como a França, Índia e Espanha e as regiões mais pobres da Grã-Bretanha experimentam taxas de mortalidade que são o dobro das existentes em áreas mais ricas.

Economias mais justas são a chave para uma rápida recuperação do COVID-19 e um imposto  sobre lucros excessivos ganhos pelas 32 instituições e multinacionais globais que ganharam o máximo durante a pandemia poderia ter proporcionado 104 mil milhões de dólares em 2020, suficiente para providenciar benefícios de desemprego para todos os trabalhadores e apoio financeiro para todas as crianças e pessoas idosas em países de baixo e médio rendimento.

Gabriela Bucher, directora executiva da Oxfam International, afirmou que «Somos testemunhas do maior aumento da desigualdade desde que começou a haver registos e a profunda divisão entre ricos e pobres está a revelar-se tão mortal quanto o vírus,  economias precárias estão a canalizar riqueza para uma elite rica que está a cavalgar a pandemia no luxo, enquanto os que estão na linha da frente da pandemia, assistentes de lojas, trabalhadores da saúde e vendedores de mercado estão a lutar para pagar as contas e pôr comida na mesa, as mulheres e os grupos raciais e étnicos marginalizados estão a suportar o peso desta crise, são mais susceptíveis de ser empurrados para a pobreza, mais susceptíveis de passar fome e mais susceptíveis de serem excluídos dos cuidados de saúde».

As fortunas dos multimilionários recuperaram à medida que os mercados bolsistas também recuperaram, apesar da contínua recessão na economia real e a sua riqueza total atingiu 11,95 milhões de milhões de dólares em Dezembro de 2020, o equivalente à despesa total de recuperação COVID-19 dos governos do G20.

O caminho para a recuperação será muito mais longo para as pessoas que já estavam a lutar antes do COVID-19, pois quando o vírus atacou mais da metade dos trabalhadores dos países pobres viviam na pobreza e três quartos dos trabalhadores a nível global não tinham acesso a protecções sociais como subsídio de doença ou subsídio de desemprego.

«A desigualdade extrema não é inevitável, mas uma escolha política. Os governos de todo o mundo devem aproveitar esta oportunidade para construir economias mais iguais e mais inclusivas que ponham fim à pobreza e protejam o planeta, o combate contra a desigualdade deve estar no cerne do resgate económico e dos esforços de recuperação. Governos devem assegurar que todos têm acesso à vacina do COVID-19 e apoio financeiro se perderem o seu emprego. Eles devem investir em serviços públicos e sectores de baixo carbono para criar milhões de novos empregos e assegurar que todos tenham acesso a educação decente, saúde e cuidados sociais e eles devem assegurar que os indivíduos  e empresas mais ricos contribuam com a sua fatia justa de impostos para pagar por isto, estas medidas não devem ser soluções improvisadas para tempos desesperados mas um, novo normal, em economias que funcionem em benefício de todo o povo, não apenas de poucos privilegiados»,acrescentou Gabriela Bucher.