Quando surgiu a actual pandemia e se tornaram evidentes as suas nefastas consequências para as populações, quer ao nível social, laboral e económico, logo se tornou perceptível que a nossa forma de viver em regime capitalista carece de uma reviravolta efectiva para criar mais justiça, mais trabalho com direitos e uma economia capaz de distribuir melhor a riqueza produzida, ideia esta que continua latente no pensamento do ser humano.
A imposição do estado de isolamento ofereceu a todos a oportunidade de se aperceberem de modo mais legítimo de que, independentemente de qualquer situação, sempre fomos igualmente ligados como seres humanos, sem diferenciação de sexo, raça, idade ou crenças e consequentemente novas escolhas e a ousadia de as aplicar está na ordem do dia para que em definitivo nada seja como dantes.
Paralelamente, porém, quando as elites dos predadores que conduziram o mundo ao estado calamitoso em que se encontra hoje se propõem agora salvá-lo ao sabor oportunista representado pela pandemia, podemos bem deduzir que há nuvens ainda mais negras no horizonte para escurecer ou fazer esquecer a mudança real necessária.
The Great Reset, o Grande Recomeço, é o tema da próxima reunião do Fórum Económico Mundial, a grande cimeira de um dos principais agentes globais do neoliberalismo, reunião essa que decorre anualmente em Davos na Suíça e que terá a sua nova edição em Janeiro do próximo ano.
Nesse sentido, o suposto combate às alterações climáticas, ao desenvolvimento das armas nucleares e ao aproveitamento das potencialidades da chamada Quarta Revolução Industrial, tais como, supercomputação, robotização, inteligência artificial e utilização sem entraves dos dados pessoais dos cidadãos, continuam a ser programas essenciais para relançamento do capitalismo, indo no entanto para além dos grandes negócios realizados segundo as abordagens anteriores, até porque e de acordo com um relatório do referido Fórum Económico, a máxima do «business as usual já não funciona» a contento deles.
«Precisamos de renovar todos os aspectos da nossa sociedade e da economia, desde a educação aos contratos sociais e condições de trabalho», explica o presidente do Fórum, o multimilionário alemão Klaus Schwab, a propósito do tema central da próxima reunião e acrescenta «Precisamos de um grande reinício do capitalismo», resume Schwab em nome do Fórum, que se considera uma «organização internacional para a cooperação público-privada», uma definição que também assenta muito bem a outras instituições como, por exemplo, o Grupo Bilderberg.
O anúncio da agenda aconteceu em Junho passado e teve a colaboração de figuras mais ou menos recomendáveis para a sanidade do planeta como são o secretário-geral da ONU, António Guterres, a actualchefe do FMI, Kristalina Georgieva, os presidentes da BP, da Mastercard, da Microsoft e o príncipe Carlos, herdeiro do trono britânico, entre outros.
«A pandemia representa uma rara janela de oportunidade para reflectir, reimaginar e redefinir o nosso mundo de modo a criar um futuro mais saudável, mais justo, mais próspero», afirma Schwab e recorrendo a mais um relatório do Fórum sobre o tema da próxima cimeira do neoliberalismo, intitulado «Futuro da Natureza e dos Negócios», ficamos assim a saber que a COVID-19 é «uma oportunidade para mudar a forma como comemos, vivemos, crescemos, construímos e alimentamos as nossas vidas de modo a alcançar uma economia neutra em carbono, positiva para a natureza e contra a perda de biodiversidade até 2030», ou seja, belas e boas intenções, sem dúvida, mas manifestadas por aqueles que têm sido os grandes responsáveis pela destruição do planeta e se preparam agora para surgir como seus salvadores em tempos de pandemia através da qual irão explorar o medo social ao mesmo tempo que enriquecem de maneira obscena.
Não esqueçamos que o Fórum Económico Mundial detem uma «inteligência estratégica» elaborada com a participação de instituições de cariz global, tais como a Universidade de Harvard, a Universidade de Oxford, o Imperial College de Londres, o Instituto de Tecnologia do Massachusetts, o Centro John Hopkins, o Conselho Europeu de Relações Externas e os filantropos habituais como Bill Gates, George Soros, Rockfeller, Ford, Johnson & Johnson, sendo que algumas destas instituições e personalidades têm estado em evidência nesta altura de pandemia, o que torna obrigatório reflectir muito para além dos avanços e recuos do vírus, pois estas instituições estão presentes à escala global, mexendo os seus cordelinhos, desde a guerra das vacinas às «revoluções coloridas» ou mesmo até ao «damos o golpe quando e onde for preciso», frase usada por Elon Musk, o fundador da Tesla e o filantropo cuja fortuna tem crescido mais durante a pandemia.
Sem surpresa, o anúncio do Great Reset, o Grande Recomeço, do capitalismo como tema da reunião de Janeiro de 2021 em Davos, foi seguido poucos dias depois pelo lançamento de um relatório do Fundo Monetário Internacional, intitulado «Da grande quarentena à grande transformação», completando a sintonia de ideias entre as duas instituições.
Se a estas sintonias acrescentarmos ainda a solícita acção da comunicação social mundial a soldo do capitalismo ao manipular ou desinformar e também o uso de falsas notícias veiculadas pelas redes sociais, então temos completo o caldo para ser servido à mesa dos povos ingénuos ou distraídos que seguramente assimilarão as lições sem pestanejar.
Em outra perspectiva, mas não desligado do atrás descrito, somos informados que, enquanto vários países procuram fazer chegar ajuda humanitária à população Líbia, após a estranha explosão ali ocorrida há dias, Grã-Bretanha, França e Estados Unidos encaminham para aquelas águas territoriais três porta aviões, estranha ajuda esta mas seguramente ligada aos recursos naturais do País como o petróleo e o gás natural tão cobiçados pelo imperialismo.