“ETCetera Teatro” é uma Associação Artística nascida e sediada em Gaia que tem por lema “Teatro para TODOS”. O seu trabalho assenta numa equipa de atores profissionais e tem por alvo todo o género de públicos, desde o infantil ao sénior, proporcionando experiências artísticas com preocupações educativas e formativas, utilizando o teatro como seu principal veículo. Sob a premissa “com pouco, fazer muito”, pretende quebrar alguns preconceitos que rotulam o teatro como enfadonho, inacessível e dispendioso, mostrando que, pelo contrário, esta antiga e sempre jovem arte de palco pode ser divertida e criativa.
Para conhecer melhor a “ETCetera”, fomos ao encontro do seu diretor artístico, Luís Trigo. Ator, dramaturgo e encenador, licenciado em teatro pela ESAP-Escola Superior Artística do Porto, com trabalho de relevo realizado no teatro, cinema e televisão, ao mesmo tempo que ministra aulas de expressão dramática e teatro musical a crianças e adultos desde 2007, o nosso entrevistado dedica agora o seu tempo como criador e artista quase exclusivamente a esta estrutura que ajudou a criar em 2012.
Que razões presidiram à criação da “ETCetera” e qual o balanço destes primeiros sete anos de atividade?
A razão inicial foi a análise que tinha do mercado e da necessidade de existir teatro nas escolas, algo que senti ser uma lacuna na sociedade e que poderia ajudar os professores e alunos a terem melhores momentos de lazer e de aprendizagem. A ideia era levar o teatro às escolas com o lema que ainda temos: “Teatro para Todos”. Começámos pela primária e jardim-de-infância, mas rapidamente saltámos também para o secundário e agora são os próprios professores a contactarem-nos e a sugerir peças, ou outras obras para adaptarmos, e os ajudarmos nas aulas de português. Fazemos teatro que ajude os alunos e, ao mesmo tempo, temos a responsabilidade de fazer muitas vezes teatro pela primeira vez para muitos alunos. E isso faz com que este projeto seja ainda mais importante. Além disso, aliamos a qualidade à viabilização dos espetáculos nas escolas, adaptando-os a todo tipo de espaços.
O projeto atingiu tamanha aceitação junto da comunidade escolar que a “ETCetera” tem circulado os seus “espetáculos para escolas” por diversos concelhos do país. E em Vila Nova de Gaia como tem sido?
Bom, o projeto atingiu de facto esse reconhecimento por parte da comunidade escolar, tendo sido elogiado em diversos agrupamentos, tanto pela qualidade, como pela ajuda que tem dado aos alunos. Em relação a Vila Nova de Gaia, é com alguma mágoa que sentimos que o nosso projeto não é devidamente aproveitado pela comunidade escolar gaiense, aliado a alguma inércia por parte do poder instituído e que não promove a cultura em Gaia. Acho que a comunidade escolar deixou-se arrastar pela falta de opções, pois mesmo fazendo espetáculos em Vila Nova de Gaia, as escolas que nos vêm ver são de todo o país, exceto de Gaia.
Na vossa opinião, de que forma a edilidade de Gaia devia acompanhar o trabalho desenvolvido pela “ETCetera” e pelas outras companhias gaienses?
Antes de mais, parece-me um problema comum nos últimos anos em Gaia a falta de apoio às entidades culturais da cidade e a não programação cultural. A “ETCetera”, tal como todas as companhias de Gaia, gostava de sentir mais apoio físico, nada de material ou monetário, mas “moral”… Gostava que a edilidade de Gaia se preocupasse com o que há e nos deixasse ter uma oportunidade de mostrar o trabalho à nossa gente, talvez com parcerias para podermos trabalhar esse público e tentar fazer com que os gaienses permanecessem em Gaia para ver teatro e não tivessem que ir ao Porto ou a Estarreja ou Guimarães… Eu pergunto-me se há pessoas em Gaia que saibam que existem dois teatros municipais e que um deles foi remodelado há pouco tempo…E pergunto-me ainda qual foi a última peça a que assistiram no Auditório Municipal de Gaia. Acho que a edilidade devia reunir com os agentes culturais e de certa forma dar essa oportunidade [de mostrarem o seu trabalho no Auditório Municipal], para depois, outros, virem e completarem essa programação cultural. O nosso lema é “Teatro para Todos” e quase que falta Vila Nova de Gaia neste “Todos”… Algo que me deixa triste.
Para melhor perceber a dimensão e grandeza do vosso trabalho, quantos espetáculos produziram até ao momento e por onde têm eles circulado?
A “ETCetera Teatro”, ao fim de 7 anos de trabalho, realizou neste ano uma média de 400 representações dos seus espetáculos, onde incluímos desde os espetáculos para Bebés, o projeto Saltimbanco (destinado ao alunos do pré-escolar e 1.º ciclo), o projeto Educarte (para o 3.º ciclo e secundário) e espetáculos para o público em geral.Trabalhamos na maioria dos casos na zona Norte e Centro. Sendo que fazemos uma semana sempre no Algarve, passando pela Madeira e Açores. No último ano tivemos a sorte de ir a Macau com um espetáculo, numa experiência única! Portanto ao longo de 7 anos, o total andará em cerca de 2.000 representações já realizadas dos nossos espetáculos.
Sem apoios e incentivos, a produção e o desenvolvimento artístico serão sustentáveis?
São. Ou melhor, tem sido ao longo destes anos, mas as nossas produções são para escolas, em cuja maior parte são os alunos a pagar o seu próprio bilhete – alguns terão incentivos mas são poucos. Se falarmos de produções mais viradas para o público geral, teatro experimental, torna-se mais difícil, pelo que acho que os apoios que há deveriam ser melhor distribuídos e analisados todos os passos usados com esses apoios, para perceber se esse incentivo está a ser usado em prol do teatro, da arte, mas também da comunidade.
Que influência pode ter o vosso trabalho junto da comunidade escolar, alunos e professores, na “formação” de espectadores de teatro?
Na nossa opinião pode ter bastante influência. Basta verificar que temos crianças que nos acompanham desde muito cedo no seu percurso escolar e que somos nós a sua primeira experiência teatral, o que acresce para nós uma grande responsabilidade e importância. Por isso temos o lema “Teatro para Todos” que visa levar teatro a quem, infelizmente, não tem tanto acesso. Associamos isso a uma vertente educativa e temos o “casamento” perfeito para alunos e professores. Gostamos de deixar uma marca importante nos alunos e que isso permita que vejam mais teatro.
Além do uso da educação artística como ferramenta de “formação do espectador”, a “ETCetera” explora o teatro também como meio de integração do indivíduo na sociedade. De que forma é esta perspetivada?
Fazendo teatro denominado escolar, a nossa responsabilidade passa também por dar meios para que os espectadores questionem o que está à sua volta, e sobretudo por fazer com que estes vejam outros cenários e outras perspetivas da vida. O teatro serve para isso, para questionar e pôr em causa tudo, de maneira a que o indivíduo consiga evoluir e faça evoluir tudo o que está a sua volta… É realmente algo que nos motiva: que os alunos e o nosso público se questione e melhore as relações e toda a visão da vida e da comunidade; e, assim, de certa forma, dar regras para a cidadania acontecer. Colocamo-nos constantemente no lugar do público para podermos melhorar, quer a nossa maneira de ver a vida, quer dos alunos, para crescerem e evoluírem!
A “ETCetera” não trabalha exclusivamente para o público escolar. Para quando uma nova criação para o público em geral?
A “ETCetera” já se aventurou nessa vertente do público em geral, com “As Vedetas” de Lucien Lambert, espetáculo que teve bastante aceitação, mas com a quantidade de espetáculos que temos ainda não conseguimos ter um “departamento” para o público em geral. No entanto, estão em criação dois novos espetáculos que contamos estrear até ao final do ano, com os quais iremos mais uma vez surpreender o público. Porém, como gostamos de estar sustentados, iremos dar esse passo com toda a calma e com a certeza do que estamos a fazer.
Entretanto, a “ETCetera” vai apresentar em novembro, em Gaia, na Tuna Musical de Santa Marinha, no âmbito do Festival de Teatro José Guimarães, uma das produções do seu repertório: “Frei Luís de Sousa”. O que se pode adiantar sobre o espetáculo?
“Frei Luís De Sousa” é um clássico intemporal e um dos nossos espetáculos de eleição. Uma encenação que visa sobretudo dar o destaque às palavras e à representação dos atores. O texto [de Almeida Garrett] que fazemos é integral, havendo um ou outro corte para não tornar o espetáculo complicado para os alunos. Foi um desafio feito pelos próprios professores e fizemos um espetáculo que irá surpreender pela positiva.