“VAMOS TENTAR MINIMIZAR, JUNTOS, AS CONSEQUÊNCIAS NEFASTAS DESTA INVASÃO”

Depois da sua passagem por Kiev, na Ucrânia, onde participou no Fórum Internacional de Comunidades e Cidades e ficou a conhecer algumas das zonas mais afetadas pela guerra, Sérgio Humberto, presidente da Câmara Municipal da Trofa, fez um balanço de muita tristeza, mas de confiança no futuro. Assegurando que esta experiência, que decorreu entre os passados dias 19 e 20 de abril, vai ficar na alma e no coração, até ao final dos seus dias, o autarca trofense, também vice-presidente da Área Metropolitana do Porto, que integrou a delegação nacional, garantiu, em entrevista exclusiva ao AUDIÊNCIA, que “os ucranianos estão a dar uma lição ao mundo e a mostrar-nos como se luta por uma causa”.

 

A convite da Embaixada da Ucrânia, autarcas portugueses participaram no Fórum Internacional de Comunidades e Cidades. Que balanço faz deste encontro?

Foi uma experiência única e singular, onde pudemos, quem participou, constatar in loco o verdadeiro impacto da guerra, que está a acontecer aqui ao lado, há mais de um ano, e da qual nos chegam notícias todos os dias, mas cuja perspetiva muda drasticamente quando vivenciamos essa dura realidade no terreno, junto de quem está a sofrer para defender o seu país. Posso afirmar, sem sombra de dúvida, que foi a viagem de uma vida, pisar um território que, em pleno século XXI, está a ser atacado por um país ditador, com um “chefe”, Vladimir Putin, porque ele líder não é, mas sim um tirano que quer recuperar a história do antigo império russo e reconstituir a URSS, e perceber como as comunidades (sobre)vivem no seu dia a dia, perante tantas atrocidades e adversidades, é realmente marcante e avassalador. Depois desta experiência, fiquei com a certeza de que há muita gente que continua sem perceber o que está a acontecer, verdadeiramente, na Ucrânia e na Europa, porque é mau demais para ser verdade. Visitar Bucha e Irpin, locais onde foram cometidos crimes de guerra e barbaridades que nem conseguimos imaginar, visitar zonas de conflito, sempre acompanhados por militares, e sempre tentando ter o máximo de segurança possível, é algo inesquecível. O balanço é, por isso, de profunda tristeza, por tudo o que se passou e está a passar, mas, por outro lado, também de esperança e confiança no futuro, pois constatei que o povo ucraniano é guerreiro e corajoso. Esta população quer reerguer o seu país e a sua pátria, quer ser livre e não quer viver sob o jugo de uma ditadura. Os ucranianos estão a dar uma lição ao mundo e a mostrar-nos como se luta por uma causa. São liderados, e aí sim, por um grande líder, Volodymyr Zelensky, porque se assim não fosse, tenho a certeza de que o rumo desta invasão tinha sido outro. E Volodymyr Zelensky vai ficar na história do século XXI, como um grande líder político, pois já revelou as melhores qualidades, toma decisões, tem humildade, coragem, assertividade e sabe o que está a fazer, de forma consciente, racional e responsável.

 

De que forma foram reforçados os compromissos com a paz nas cidades e regiões ucranianas afetadas pela invasão russa? A seu ver, o que é que ainda pode ser feito?

Podemos fazer tanto. Aquilo que os autarcas e responsáveis ucranianos, com quem pude contactar, mais me transmitiram como necessidades prementes é que a Ucrânia precisa de reconstruir as suas infraestruturas básicas e elementares. Por exemplo, uma memória que guardarei sempre, foi a mensagem de uma criança que nos ofereceu um ovo de Páscoa e nos pediu que reconstruíssemos a sua escola, que foi totalmente destruída pelos russos. Porque aquela criança quer regressar à vida normal, junto dos seus amiguinhos, que sobreviveram, para aprender e brincar. Aquilo que, hoje, o território ucraniano precisa é de parcerias com outros Estados, neste caso, com Câmaras Municipais de outros países, para poder reconstruir escolas, centros de saúde, hospitais, estradas e habitações, para poderem refazer a sua vida e, aqui sim, é onde temos o dever de estar disponíveis, para ajudar. E temos mesmo de fazer a nossa parte. Temos de ter empatia. E se fossemos nós nesta situação? Não gostaríamos que outros países nos ajudassem? É esta reflexão que devemos fazer, porque, às vezes, um pequeno investimento muda a vida de muitas pessoas, de crianças e de jovens, como os que conheci nesta viagem de trabalho à Ucrânia. Já não conseguimos evitar o que passaram, já chega o sofrimento que viveram, vamos, agora, tentar minimizar, juntos, as consequências nefastas desta invasão. É certo que as marcas desta época negra da história da Europa estão lá e será preciso muita ajuda para possibilitar a sua recuperação emocional e psicológica, mas unidos vamos conseguir.

 

Ao pisar o solo deste país em conflito, qual foi o sentimento?

Foi um misto de sentimentos. Muita tristeza e preocupação, assim como ter a perfeita noção de que Kiev esteve quase a sucumbir e estar num território, em que a qualquer momento tocam as sirenes e temos de ir para um bunker, é assustador. Outro sentimento presente foi a frustração, porque podemos fazer muito pouco para mudar este cenário de guerra. No entanto, se conseguirmos unir-nos, os autarcas que se deslocaram lá, e muitos outros, sensíveis a esta causa, para reconstruirmos infraestruturas elementares e básicas, como o abastecimento de água, hospitais, centros de saúde e escolas, já estaremos a fazer a diferença. São os outros Estados que terão de ajudar a Ucrânia a levantar-se, para integrar, em pleno, a União Europeia. Eles já se consideram integrados e nós temos o dever moral de os ajudar a defender a sua democracia e a sua autodeterminação.

 

Na ocasião, também teve a oportunidade de visitar alguns dos locais mais flagelados pela guerra. Neste contexto, qual foi o momento mais marcante para si?

O momento mais marcante foi a passagem por Bucha e a interação com uma menina que nos pediu para reconstruir a sua escola. A forma como aquela comunidade nos recebeu, hospitaleira, mas com o olhar marcado por muito sofrimento, é uma experiência que me vai ficar na alma e no coração, até ao final dos meus dias. Nunca pensei que, em pleno século XXI, pudéssemos estar num território em guerra, na Europa, e acredito que esta vivência vai mudar a minha forma de estar, para sempre. Defendo, hoje, de forma ainda mais veemente, que devemos ser mais gratos pelo tanto que temos e devemos aplicar mais os princípios e os valores da partilha e do serviço em prol do outro, porque há gestos, ações e escolhas que podemos fazer, que podem mudar a vida de tantas pessoas. Deixemos de olhar apenas para os nossos interesses, que acabam por ser acessórios e pequenos, perante os problemas tão difíceis e tão grandes que estas pessoas têm de enfrentar. Estar perante uma vala comum, ouvir as histórias dos soldados e das famílias, abala-nos para sempre. Pensar em quantas vidas se perderam, quantos futuros deixaram de existir. Perceber que as pessoas daquelas cidades destruídas continuam a encarar o seu dia a dia com uma coragem inspiradora, limpam as ruas, removem destroços, recolhem lixo, ajudam o seu país, a sua comunidade e os seus compatriotas, a troco de nada. Enfrentar esta realidade muda a vida de qualquer pessoa. Outro momento inesquecível, pelo seu simbolismo histórico e estratégico, foi testemunhar a participação de Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, no Fórum Internacional de Comunidades e Cidades, anunciando a abertura da NATO à integração da Ucrânia.

 

Qual é a mensagem que gostaria de transmitir?

A mensagem que eu gostaria de deixar é de esperança, resiliência e solidariedade. Esperança, porque acredito que a Ucrânia sairá vencedora desta guerra. O bem derrotará o mal. Resiliência, pois só com resiliência é que o povo ucraniano suportou e suporta as provações que está a passar e solidariedade, porque a Ucrânia precisa da solidariedade dos povos de bem, de todo o mundo. A minha convicção profunda é que a liberdade vai derrotar a ditadura, e como diz Volodymyr Zelensky, o dia derrotará a noite. E, para mim, Volodymyr Zelensky é “Winston Churchill” do século XXI, pela sua coragem, perseverança e humanismo e pelo seu legado para a nossa história contemporânea. Atualmente, e no futuro que queremos breve, quando esta invasão terminar, se todos ajudarmos, vamos poder transformar a vida de um território e de milhões de pessoas, que apenas querem paz e viver a sua vida como todos nós, estudar, constituir família, trabalhar, conviver com os amigos, passear e, no fundo, serem felizes.