ALEXANDRE GAUDÊNCIO DESAFIA ANTÓNIO PEDRO COSTA A COLOCAR EM LIVRO A HISTÓRIA DO CANTAR ÀS ESTRELAS

A 25ª edição do Cantar às Estrelas fez sair à rua cerca de 2500 participantes distribuídos por 40 grupos dos concelhos da Ribeira Grande, Ponta Delgada, Nordeste e Vila Franca do Campo. O desfile animou as principais artérias da cidade, cumprindo-se, igualmente, a tradição de os grupos cantarem em casas de particulares ou no comércio local, que abriu as portas a um evento que tem crescido de ano para ano.

A festa da Estrela, das Estrelas ou de Nossa Senhora da Estrela, tem uma enorme tradição na Ribeira Grande, juntando grupos ou ranchos informais de gente que durante a noite vão de casa em casa de amigos e conhecidos, finalizando com louvores à padroeira na Igreja Matriz. O evento, que desde 1994, por proposta do vereador Francisco Xavier Araújo Rodrigues, é organizada, na sua parte exterior e profana, pela autarquia, celebrou este ano as bodas de prata.

Para Alexandre Gaudêncio, presidente da Câmara da Ribeira Grande, este é um evento que está já “enraizado na cultura ribeiragrandense, o que se percebe facilmente pela forte adesão dos grupos”. “Esta é uma tradição que se enquadra na cultura popular da Ribeira Grande e que tem o mérito de passar de geração em geração. O Cantar às Estrelas veio para ficar”, garantiu.

Esta 25ª edição teve também um sabor especial para o presidente já que, em 1994, ano em que foi retomada a tradição, participou num grupo de cantares, com apenas 9 anos de idade. “Óbvio que estava longe de pensar que seria o anfitrião das bodas de prata deste evento”, recordou Alexandre Gaudêncio.

“Esta é uma tradição muito própria dos ribeiragrandenses que é vivida intensamente pelos locais e por quem emigrou. Muitos emigrantes marcam férias para esta altura do ano para matarem saudades do tempo em que também eles percorriam as artérias da Ribeira Grande participando no Cantar às Estrelas. A Ribeira Grande é um concelho rico a nível cultural, mas só o é porque as pessoas aderem e participam ativamente nos diferentes movimentos culturais, cívicos e recreativos. É desta forma que também vamos incutindo nos mais jovens o gosto pelas nossas tradições”.

 

 

Além da noite em si, a autarquia organizou também uma palestra, nos Paços do Concelho, subordinada ao tema “O imaginário remoto do cantar às estrelas”, que contou com o orador António Pedro Costa, antigo presidente da Câmara e um dos impulsionadores do retomar desta tradição.

Foram largas as dezenas de pessoas que quiseram assistir a esta palestra, algo que Alexandre Gaudêncio considera ser sinónimo “da ligação que as pessoas têm ao Cantar às Estrelas” e não escondeu a “satisfação” de ter António Pedro Costa como orador, desafiando-o mesmo “a transpor para um livro a apresentação que realizou, bem como toda a investigação que colocou na preparação da palestra e o conhecimento que possui por ter sido no seu mandato enquanto autarca que a tradição foi retomada”.

Na sua apresentação, António Pedro Costa debruçou-se sob a forma como a tradição do Cantar às Estelas chegou aos nossos dias, afirmando que “é plausível que a tradição remonte à procissão das velas que os primeiros cristãos comemoravam aquando da apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém, a 2 de fevereiro de cada ano, ou seja, 40 dias depois do Natal, tendo chegado aos nossos dias como forma de piedade popular e que ao longo dos tempos tenha evoluído com loas à Virgem Maria”.

Para o orador, o ritual, comum na ilha de São Miguel, faz parte da memória coletiva, tanto em termos temporais como geográficos, sendo transversal à prática cristã. “É mais uma daquelas tradições micaelenses cujas raízes mergulham num passado ambíguo, que permanece ainda muito desconhecido por razões várias, entre as quais avulta a do conflito com a religião estabelecida, já que nos Açores, em particular em São Miguel, esta tradição adquiriu a vertente de louvar a Senhora da Estrela ou Senhora das Candeias”.

António Pedro Costa focou ainda o facto de a tradição ter sido retomada na Ribeira Grande, irradiando depois para outros lugares da ilha de São Miguel, “em que o figurino dos atuais cantares remonta ao século passado mas que pode recuar, conjuntamente com outras formas de folia ou piedade popular, até ao século XVI”.