Alejandro Kirk, jornalista e repórter, em homenagem a um colega seu há dias falecido por doença súbita em Dublin, publicou algumas palavras das quais não resisto a dar justo conhecimento e louvor.
«Talvez irritante, para as potências neocoloniais, foi o facto de Robert Fisk nunca tentar ser parte ou porta-voz dos povos oprimidos do Médio Oriente ou, mais corretamente, da Ásia Ocidental, muito menos dos seus governos. Falava sempre a partir de dentro, da sua posição de correspondente inglês e referia-se a -nós- quando descrevia a hipocrisia, a política de dois pesos e duas medidas e os crimes dos Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e o seu aliado na zona, Israel».
Com efeito, Fisk ganhou vários prémios pela sua cobertura do Médio Oriente, desde a década de 1970, mas também gerou inimizades e controvérsias pelas suas duras críticas à política externa ocidental, comandada de Washington e seguida essencialmente por Grã-Bretanha, França e o aliado sionista.
O essencial para o imenso peso intelectual de Fisk em relação ao Médio Oriente, mas também aos Balcãs, sucedia da sua erudição e da dificílima simplicidade dos factos verificados por ele mesmo como repórter independente.
Um grande contraste com a legião de jovens jornalistas europeus e norte-americanos que chegam às áreas de conflito sem saberem muito sobre o assunto que vão reportar e menos ainda sobre o idioma, ou seja, uma cobertura no terreno reduzida a conversas com taxistas, empregados do bar de hotel e contactos privilegiados com diplomatas e militares que lhes facilitam o acesso a determinadas áreas de conflito e informações ditas exclusivas, já processadas, para gerar o efeito pretendido.
Fisk pertencia a uma classe jornalística em extinção, desde logo, porque os grandes jornais tradicionais costumavam designar bons jornalistas como correspondentes fixos e pagavam-lhes um salário para permanecerem nos locais e sentirem o ambiente social.
O seu trabalho não era correr atrás das notícias e fazer conferências de imprensa, mas dar um sentido às notícias através da sua própria experiência, do acesso a várias fontes e à cultura local, a fim de escreverem crónicas com conteúdo e vivacidade, tudo com uma respeitável margem de tolerância dos editores.
Robert Fisk Fisk entrevistou Osama bin Laden três vezes, uma no Sudão e as outras duas no Afeganistão e o relato dessas entrevistas inclui, não apenas as perguntas e respostas com informações-chave, mas a real caracterização do personagem mil vezes demonizado pelos média, as suas roupas, os seus gestos e o contexto em que tudo acontece, ou seja, tremendas viagens de jipe pelas montanhas e mesmo um espancamento por talibãs.
Em junho de 1999, Fisk fez uma série de reportagens na então Jugoslávia e na província do Kosovo, sobre os bombardeamentos da NATO a favor dos separatistas kosovares e nessa altura a NATO vangloriava-se de que em 27.000 missões dos bombardeamentos mais precisos da história, os seus aviões destruíram o poder militar jugoslavo no Kosovo.
Depois de percorrer 600 quilómetros na zona, Fisk comprovou que os jugoslavos retiraram as suas armas e tropas praticamente intactas e que a única destruição real havia sido a de objetivos industriais e civis em território jugoslavo.
Em abril de 2003, um míssil caiu num mercado de Bagdad, a capital iraquiana e autoridades estado unidenses afirmaram imediatamente que se tratava de um antigo míssil soviético do governo de Saddam Hussein, disparado pelos próprios iraquianos.
Pois Fisk vasculhou todo o mercado até encontrar um fragmento do míssil, com um número de série correspondente à Força Aérea dos Estados Unidos e assim atirou por terra a descarada mentira.
Em Aleppo, na Síria, em 2018, encontrou entre as ruínas de um refúgio do ISIS, tomado pelos sírios, dois manuais de operação e serviço de metralhadoras sérvias, foi com eles ao fabricante e mostrou-os ao gerente que desfazendo-se em explicações, acabou por dar a conhecer o tráfico de armas também alimentado pelas potencias ocidentais que sustentam o terrorismo do ISIS.
Estes são alguns exemplos entre muitos outros da vida jornalística de Robert Fisk, mostrando que as notícias surgem onde os factos acontecem e o jornalista está presente e este esforço, quantas vezes perigoso ou mortal, é recompensado com um cabeçalho, uma história viva a seguir, que leva à compreensão, a dar sentido ao contexto e á origem de uma reportagem séria.