Sucedeu-me uma vez comer arroz de polvo tendo sido eu a apanhar o polvo… e garanto que nunca semelhante prato me soube tão bem como nessa ocasião. Era, aparentemente, um polvo igual a todos os outros e foi cozinhado da mesma forma que os outros. Mas era diferente: tinha resultado de horas de esforço, de vários fracassos, de sucessivas buscas inglórias nos rochedos, de alguns arranhões…
E verifiquei que na minha fase de saltimbanco, de escola em escola, ano após ano, me custou mais abandonar aqueles lugares onde tinha sido possível dar mais do meu tempo e do meu esforço aos meus alunos e às tarefas que realizei.
O sacrifício cria laços. Porque é que os teus filhos não são para ti o mesmo que as outras crianças? Não é apenas por serem do teu sangue; é, principalmente, porque te gastaste longamente para os tornar belos, saudáveis, fortes, íntegros; porque cuidaste deles; porque tiveste paciência; porque passaste noites sem dormir; porque te afligiste e choraste. Há tanto de ti naquilo que eles são que, de algum modo, vives neles e a sua vida é a tua vida.
Este género de união, criada e alimentada pelo sacrifício, tem o nome de amor. Não existe sem sofrimento. E não há outra coisa a que tão propriamente se possa dar esse nome como à decisão de tornar feliz outra pessoa custe o que custar. O enamoramento é um princípio, uma forma de aproximar as pessoas, para que possam começar a construir o amor.
Quando dás de ti, quando sofres pelos outros, ligas-te a essas pessoas. E desse modo estabeleces, ou descobres, o teu sentido. Passas a ter pontos de referência. Estás localizado e sabes para onde deves ir.
Os teus filhos, portanto, devem habituar-se desde pequenos a colaborar em casa, a prestar serviços na medida das suas capacidades. O lar, esse milagre quotidiano, deve ser também uma construção deles. Algumas vezes as tarefas que lhes deres exigir-lhes-ão um sacrifício custoso. Mas sem isso a casa não seria a sua casa: seria um lugar vazio, a pensão onde teriam de ir dormir e comer durante mais algum tempo, exigindo que os servissem sem falhas. Assim, porém, sentir-se-ão responsáveis por aquilo que foi também obra sua. Acabarão descobrindo por si mesmos as tarefas que é preciso realizar. Olharão para a casa, para os pais, para os irmãos com os olhos perspicazes do carinho.
Mas é preciso perder o medo de sofrer, porque quem ama sofre. Importa pensar que sofrimento só dói quando não há um sentido que o ilumine. Se eu for coxo e cada um dos meus passos me doer, mesmo assim hás-de de ver-me a correr encosta acima, se desse modo me aproximar de quem amo, se lá em cima um filho estiver a precisar de mim. Se olhares com atenção, notarás que não sofro com as dores que tenho, que os meus olhos brilham, que sorrio.