A ACADEMIA SUECA E O SEU CRITÉRIO

Respeitando a vontade de Nobel, expressa no seu testamento, o Prémio Nobel da Paz será concedido à individualidade ou individualidades que no ano anterior «fizeram o melhor trabalho pela fraternidade entre as nações, pela abolição ou redução de exércitos permanentes e pela realização e promoção de congressos de Paz» e o testamento de Alfred Nobel especificou ainda que o prémio seria concedido por um comité de cinco pessoas escolhidas pelo Parlamento.

O Prémio Nobel da Paz para 2021 foi concedido aos jornalistas Maria Ressa e Dmitry Muratov, pois segundo a Academia sueca, estes profissionais foram premiados «pelos seus esforços na salvaguarda da liberdade de expressão, que é uma condição imprescindível para a democracia e para a Paz duradoura» e durante o anúncio do prémio foi ainda sublinhado que ambos podem ser considerados «representantes de todos os jornalistas que lutam por estes ideais, num mundo em que a democracia e a liberdade de expressão enfrentam condições cada vez mais adversas».

O aplauso dos poderes instituídos e da comunicação social do sistema foi generalizado e a ocasião deu até azo a fortes declarações de confiança na liberdade de imprensa e na liberdade de expressão, no pressuposto de que todos as defendem mas também as praticam.

No entanto e perante tal euforia, convém não esquecer um pormenor importante que diz respeito às fontes de informação essenciais para o jornalismo e que, sem protecção das mesmas, não há jornalismo credível que subsista.

Neste contexto e com pesar pelos critérios de escolha dos laureados, torna-se no mínimo estranho que a Academia Sueca tenha ignorado duas personalidades que marcam indelevelmente a história do direito à informação, Juliam Assange e Edward Snowden, acrescido o facto de, para representar «todos os jornalistas», se tenha optado por dois indivíduos em vez das organizações que legitimamente os representam.

Julian Assange, jornalista e programador australiano, fundador da Wikileaks, divulgou em 2010 mais de 750.000 documentos confidenciais dos EUA, como registos reveladores de crimes cometidos pelos soldados norte-americanos no Afeganistão e no Iraque, pelo que enfrenta há quase uma década o pedido de extradição feito por Washington, num processo aberto pelo antigo presidente democrata Barack Obama, também ele laureado Nobel da Paz.

Preso em Londres em condições inaceitáveis, Assange aguarda nova argumentação que os responsáveis governamentais estados unidenses devem apresentar no presente mês de Outubro para justificar o pedido de extradição solicitado a Londres.

Edward Snowden, antigo consultor das agências de informações norte-americanas CIA e NSA, encontra-se refugiado na Rússia desde 2013, sendo procurado pelas autoridades estado unidenses por ter entregado à comunicação social dezenas de milhares de documentos sobre as actividades da NSA e da vigilância electrónica exercida por Washington, inclusive sobre países aliados europeus e, sendo acusado de espionagem, incorre numa pena de 30 anos de encarceramento.

Tendo em devida conta a «salvaguarda da liberdade de expressão», como «condição imprescindível para a democracia e para a paz duradoura», como é afirmado e bem pela Academia Sueca, torna-se uma evidência que os próprios jornalistas sintam a necessidade de se juntar, por exemplo, na criação dos chamados consórcios internacionais que permitiram a divulgação das informações fornecidas por Assange e Snowden.

Assim sendo, o comum dos mortais pensará e com razão que algo irá mal para os lados do reino da Academia Sueca, a qual ao reivindicar-se como salvaguarda da liberdade de expressão, a democracia e a Paz, estará apenas a declarar intenções.