A CONSTRUÇÃO DO “EDIFÍCIO CULTURAL DO AMANHÔ

Quero muito acreditar que o presidente da Câmara Municipal de Gaia resultante das próximas eleições autárquicas tenha como propósito implementar uma política cultural que estimule a construção de objetos artísticos, no domínio de todas as expressões, do cinema ao vídeo, da música à multimédia, da dança ao teatro, da escultura à pintura, da fotografia ao designer, etc, traçando como objetivo o papel fundamental e crucial das artes e da cultura no desenvolvimento de uma população mais capaz de se interrogar, a si, aos outros e ao mundo.

Para o efeito, será necessário que sejam desbravados caminhos que colmatem os erros cometidos no passado, através de um plano de emergência que abra “autoestradas” para a construção do “edifício cultural do amanhã”, que ambiciono se traduza na criação de infraestruturas, no aprofundamento de conhecimentos artísticos e tecnológicos, e na constituição de condições objetivas para o desenvolvimento de um trabalho estruturante e de futuro. Impõe-se também valorizar a atividade cultural desenvolvida pelos equipamentos existentes e favorecer a emergência de novas iniciativas, criando novos lugares de criação.

Além do apoio a projetos de ocupação e recuperação de espaços devolutos ou em declínio para atividades culturais, importa erguer uma espécie de “Fábrica das Artes” incubadora de projetos emergentes, que para além de funcionar como espaço de criação-e-experimentação e lugar de mostra regular de projetos em forma de “show-case”, se constitua também como estrutura organizadora de uma Mostra Anual d’Artes, aberta a todos os artistas e criadores, consagrados e emergentes, que percorra as vinte e quatro freguesias do concelho, ocupando tanto os espaços mais convencionais como lugares considerados improváveis.

Um dos pilares do “edifício cultural do amanhã” deve consubstanciar-se também no reforço das relações institucionais num quadro de apoio estratégico e sustentado com o movimento associativo, universo de estruturas que se tem afirmado pela sua enorme pujança nos domínios da cultura popular e comunitária e se desejam cada vez mais sólidas do ponto de vista dos modelos organizacionais e dos métodos de gestão. Estas associações permitem já hoje, apesar de todas as condicionantes de ordem técnica e dos constrangimentos de natureza financeira, construir um discurso razoavelmente rico e informado relativamente à criação e produção artística. No entanto, é urgente abri-lo ao futuro, através de um diálogo de perfil dinamizador que potencie e difunda a oferta dos bens culturais que estes produzem.

Promovendo a convivência, a interação, a complementaridade e a programação de iniciativas conjuntas entre os agentes socioculturais e o movimento associativo é possível a concertação de estratégias que enriqueçam o tecido cultural de Vila Nova de Gaia. Esse entendimento é essencial ao aumento da oferta e ao cruzamento de culturas singulares, tão ricas e diversificadas, cujas identidades importa preservar e promover. Não basta, porém, desenvolver programas de estágios e residências artísticas ou mecanismos regulares de circulação de projetos culturais interassociações. É necessário concertar meios a uma escala que possam construir efetivamente uma plataforma a várias dimensões, exequível no plano multilateral, mas que compreenda também como se podem, no seu quadro, empreender relações fortes de criação artística, no domínio das várias artes, num plano bi ou até trilateral.

E neste plano pode eventualmente participar o Auditório Municipal de Gaia, que deve, no entanto, privilegiar a prática de um plano de atividades que dê resposta ao cumprimento da sua missão. E essa sua missão deve assentar num paradigma por onde as contradições circulem, onde o espírito se manifeste e se estabeleçam relações com um público que não se contente em assistir aos espetáculos, mas que os discuta. A liberdade de criação tem de ser, claro, a tónica principal da programação, que não pode deixar de ter em vista esta sua missão: estimular e divulgar a criação artística em todas as suas expressões, apoiar novos artistas e novas criações, atingir um público amplo e diversificado, contribuir para a formação de públicos e de artistas, concorrer para o desenvolvimento cultural do município e da região; e fomentar o intercâmbio cultural a nível nacional e internacional.

Estes objetivos, esta missão, terá de ser levada a cabo não por patamares, dando baixa a este ou aquele objetivo, mas pela criação de programas e projetos que os coloquem a todos, e simultaneamente, em inter-relação. Daí a necessidade da utilização do plural quando nos referimos quer aos públicos, quer às linguagens artísticas. Só a utilização do plural permite, por um lado, levar em linha de conta todas as formas de expressão, trazendo para a ribalta formas muitas vezes consideradas menores (como, por exemplo, o novo circo, o teatro de objetos ou os projetos híbridos inclassificáveis num determinado género) e, por outro lado, levar em linha de conta a transversalidade e a mestiçagem, cuja principal virtude democratizante é a de corresponder à prática de culturas múltiplas e com ancoragens sociais diversificadas. Mesmo com um auditório apenas mais bonito exige-se muito melhor! E Gaia merece uma programação atrativa e regular que ajude a criar uma corrente de públicos informados, com massa crítica e hábitos de fruição cultural. Não é, senhor futuro presidente?

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