“ACABO UMA ÉPOCA E JÁ ESTOU A TRABALHAR PARA A PRÓXIMA”

Criado numa humilde e grande família, Jadilson Oliveira deixou o Brasil para perseguir um sonho em Portugal. Circunstâncias da vida fizeram com que o seu tempo como jogador de futebol terminasse, ficando o desejo de continuar ligado ao futebol. Tirou o curso de treinador e atualmente exerce no Águia Clube Desportivo, na Ribeira Grande.

Como foi a sua infância no Brasil?

Foi uma infância bonita. Brincava na rua, jogava à bola… fazia tudo o que uma criança fazia naquela altura e divertia-me imenso. Uma das coisas que adorava era jogar futebol.

Dos 10 filhos que os seus pais tiveram, quantos gostavam de futebol?

Cinco. Mas o único que jogou profissionalmente fui eu. Os outros também tinham muito talento, mas no futebol a concorrência é grande e nem todos conseguem chegar lá.

Viveu a infância em Pernambuco e estudou lá.

Sim. Estudei lá até ao 12.º.

Quando é que começou mesmo o ‘bichinho’ do futebol a levá-lo para um clube?

Quando jogava à bola era um jogador dinâmico e marcava muito golo. Começou nos jogos de bairro. Nunca surgiu a oportunidade para representar um clube porque a concorrência era grande, eram muitos miúdos. Antigamente é como é hoje, eram escolhidos por quem dava mais jeito, havia muito interesse.

O meu primo estava a jogar num clube profissional e surgiu a oportunidade de ir lá fazer um teste lá. Fiz e fiquei aprovado. Foi no Íbis Sport Club. Estive lá um ano. Depois, o meu professor de Educação Física na escola era treinador do América Futebol Clube, e como já conhecia o meu talento e a minha forma de jogar, levou-me para o Estudantes [Sport Club] de Timbauba, onde estive uma época como ponta de lança. Nesta altura tinha 19, 20 anos.

O que quer dizer que começou tarde no futebol.

Exatamente.

E depois? Qual o seu percurso?

Depois fui para o América, onde estive uma época. Uma época no Brasil são seis meses, não é como aqui. Os campeonatos são seis meses, existe o Campeonato Estadual e o Campeonato Brasileiro. Depois estive no Central Sport Club e depois vim para Portugal.

Porque é que veio para Portugal?

Porque um empresário convidou-me e achou que tinha potencial para vir para Portugal, para o União Desportiva de Leiria. Como eu era estrangeiro, queriam que casasse. Mas como ainda era novo não fazia sentido casar com uma pessoa que não conhecia. Nessa altura fui emprestado para o Sporting de Pombal, na época de 91-92.

Pensei em regressar ao Brasil, mas quando pensei nisso não pude, porque o meu empresário fez uma falcatrua. Aí vim para os Açores, para o Sport Club Praiense, na época de 93-94. Houve um ano de intervalo porque fiz uma cirurgia e fiquei uns tempos sem jogar.

Estive no Praiense dois anos. Um ano na terceira divisão e subimos para a segunda. Nesse segundo ano, quando subimos para a segunda e a mantivemos, acabou o dinheiro. Não havia dinheiro para permanecer. Nessa altura pensei em regressar ao Brasil, mas o Clube Desportivo Operário fez-me uma proposta. Estive lá dois anos. Fui passar férias no Brasil e tive um azar: parti uma perna. Levei quase dois anos a recuperar. Depois voltei a jogar no Santiago Futebol Clube, onde estive uma época. Depois surgiu a oportunidade de ir para São Jorge, para o Grupo Desportivo da Beira. Não consegui acabar a época… tinha um ferro na perna e o organismo estava a rejeitá-lo. Tive que voltar a fazer uma cirurgia. Voltei a jogar mas não tinha rendimento nesse ano. Encerrei a carreira no Pico da Pedra, onde estive um ano. Foi nesse momento que tirei o curso de treinador.

Enquanto treinador, começou a carreira onde?

Comecei em 2002 com o Operário, nas camadas jovens. Estive três anos no Operário no escalão de formação, fui para o Clube Desportivo de Rabo de Peixe. Estive uma época como treinador da terceira divisão. Depois fui para o Capelense Sport Clube mas não acabei a época porque quando peguei na equipa para treinar, vi que tinha falhas. Falei com o presidente, porque se continuássemos com aquela equipa, íamos manter a divisão. Ele disse que não podia dispensar ninguém… Como ele não quis ir buscar jogadores, saí.

Daí voltei para a formação. Fui para o Águia Clube Desportivo, dos Arrifes. Estive lá uma época. Mas na altura os clubes não cumpriam com os treinadores e estive dois anos sem treinar. Tive um ano nas camadas jovens do Ideal, que foi quando voltei ao futebol. Deixei os juvenis e surgiu o convite para ir para o Benfica Águia Sport. Vou agora fazer a terceira época.

Esta terceira época, cuja pré-época começou a 12 de agosto, foi planeada por si. Quais as expectativas?

Penso fazer melhor que no ano passado. O primeiro ano foi o ano zero. Sei que praticámos bom futebol, mas também sei que tivemos muitas dificuldades. Mesmo assim resgatámos a imagem do Benfica Águia no futebol regional. Começámos a aproximar as pessoas ao clube.

Alguns jogadores saem, vão para os outros clubes… mas sobre isso não podemos fazer nada porque o clube ainda não tem poder aquisitivo para aguentar os jogadores. Alguns têm de seguir o seu caminho. O segundo ano já foi melhor, reconstruí a equipa e fui buscar alguns jogadores. Fizemos uma época melhor que no primeiro ano. Mais uma vez saíram mais jogadores e voltámos a reconstruir a equipa. Cada ano vamos subindo um degrau.

Temos um Benfica Águia a lutar pelo título de campeão?

Não. Não conseguimos ombrear com os outros clubes porque oferecem dinheiro (e claro que os jogadores querem ganhar dinheiro) e neste momento não podemos suportar esses custos. O que podemos fazer é dar prémios de jogos e tentar melhorar o rendimento daqueles que estão a passar da fase júnior para série e também para aqueles que estão há alguns anos sem jogar e querem regressar ao futebol.

A apresentação aos sócios já está marcada.

Sim. É com o Ideal. Será no dia 14. Vamos aproveitar este jogo para homenagear o nosso amigo Carlinhos, mais conhecido por ‘Remela’. Fez o primeiro ano connosco e infelizmente faleceu. Aproveitamos o início desta época para incluir esta homenagem.

Os jogadores têm a ambição de ir mais longe, por isso mesmo tem dificuldade em mantê-los nos Benfica Águia. Mas o treinador também tem ambições. Quais são?

Queria seguir a carreira de treinador, mas aqui é impossível. Não é uma tarefa fácil. Tudo depende dos resultados. Quando engrenamos pela carreira de treinador, estamos sujeitos aos resultados. Quando não aparecem, somos despedidos.

Profissionalmente, são poucos os clubes que cumprem com estas questões. É por isso que nunca engrenei pela carreira de treinador. Tive propostas para treinar o Praiense mas resolvi não arriscar, e até para o próprio Brasil. O meu sonho é, realmente, seguir essa carreira no Brasil. É para isso que trabalho e que estudo, para o futebol. Antes o meu sonho era ser jogador de futebol, agora é ser treinador.

Neste momento ajuda o Benfica Águia, mas nunca lhe passou pela cabeça que o clube o pode ajudar a ser mais conhecido e aí surgir a oportunidade de dar o salto?

Acredito nisso. Penso que pode surgir uma oportunidade, mas não vivo a pensar só nisso. Tenho esse objetivo, trabalho para isso. Mas não ando, como alguns treinadores, a oferecer o seu trabalho. Eu trabalho e fico à espera que surja a oportunidade e a proposta. Iniciei o projeto no Benfica Águia e penso que a cada ano nos vamos valorizando.

Sente que entre si e o clube existe cumplicidade?

Existe. Como disse, o ano zero foi difícil, mas está a melhorar. O clube está a melhorar. Temos muito trabalho, mas está a melhorar.

Sendo um clube 100% amador, nunca sentiu dificuldade em apresentar os jogadores para os jogos?

No último jogo do ano aconteceu isso. Por algumas razões, os jogadores já tinham coisas planeadas e foi impossível tê-los no jogo. Foi o único jogo em que fiquei triste de ter acontecido isso, mas como era o último jogo, conseguimos superar isto. Por vezes falta aquele compromisso e responsabilidade para com o clube, mas isso acontece em qualquer lugar. O futebol passou a terceiro ou quarto plano, primeiro está tudo e em último o futebol. Infelizmente é a mentalidade de muitos.

O Benfica Águia vai ter a ponta de lança um Jadilson?

Eu tento ensinar o que aprendi, mas para se encontrar um ponta de lança nos Açores e/ou em Portugal inteiro, é difícil. Sempre defendi que deveria haver escola de ponta de lança. Quando iniciei a minha carreira de treinador no Operário, quis abrir uma escola de ponta de lança. É uma oposição específica. Queria abrir, mas o projeto ficou na gaveta. Quando fiquei sem treinar, tinha projetos para fazer isso.

Os princípios do futebol não são ensinados nas camadas jovens. Hoje em dia o treino de um escalão de formação e baseiam-se em jogos reduzidos, passe, cabeceamento… o que tem que ver com o futebol e com o jogo, não são ensinadas aos jogadores. É por isso que existe uma lacuna e vai existir, enquanto não se mudar a forma de treinar.

Quem foi assistir aos jogos do Benfica Águia tem a garantia do Jadilson que vão ver bons espetáculos desportivos?

É isso que tento prevalecer: uma equipa que jogue futebol sem medo e procure proporcionar um bom espetáculo e uma imagem positiva às pessoas. As minhas equipas foram sempre valorizadas porque jogavam futebol. Podíamos não ganhar por várias razões, mas em termos de futebol jogado, penso que estes dois anos fomos uma equipa que praticou bastante e bom futebol. Tenho esse orgulho e queremos mantê-lo.

Tem muito trabalho pela frente?

Sempre. Adoro este trabalho, a minha paixão é o futebol. É por isso que estou sempre a estudar. Acabo uma época e já estou a trabalhar para a próxima.

Com quantos jogadores iniciou a época passada e com quantos acabou?

Começámos com 35 e acabámos com 25. Alguns foram embora por livre e espontânea vontade, outros tive de pedir para saírem porque não souberam compreender algumas regras.

Arrepende-se de ter saído do Brasil?

Deveria ter ficado. Uma das coisas que me arrependo foi de ter saído naquele momento. Foi a ganância de ver o dinheiro, de melhorar de vida rapidamente… infelizmente deveria ter tomado outra posição na altura, mas era jovem…

Não teria vindo parar aos Açores.

Adaptei-me muito bem aos Açores, só que a nível de futebol isto tem muito que melhorar.

O nível não subirá porque há muitas equipas aqui?

A questão da competição tem que ver com a formação. Se um miúdo trabalho hoje num escalão de formação e faz um trabalho interessante, no próximo ano a maioria deles vai para outros clubes, os clubes com mais poder aquisitivo. Os clubes que estavam a trabalhar com eles ficam reféns. Não há competição. Se os jogadores ficassem divididos entre os clubes, haveria competição. Isso é competitivo. Quando um clube tem os melhores e os outros os melhores, isso não é competição e não há evolução do futebol. Vai perder a essência do futebol. A própria organização do futebol permite que os miúdos possam circular livremente pelos clubes. Os clubes vão ter com os pais e com os miúdos e conseguem recrutá-los.

Recentemente estávamos a fazer um trabalho com os miúdos do primeiro ano. A equipa começou a perder no início, mas depois começou a praticar bom futebol. Quando acaba a época e pensamos que vamos ficar com os miúdos, vem outra equipa buscá-los. Voltamos à estaca zero. Isto não é competição. Falamos com a Associação [de Futebol de Ponta Delgada] e dizem-nos “os clubes que deem condições”. Mas quais condições que os outros dão? Tem que haver regras e normas para que o jovem permaneça, pelo menos, dois anos num clube, para que haja um trabalho de continuidade e competição. Devia haver mais competitividade para o campeonato ser mais saudável e mais honesto.

Esta é uma das queixas que tem havido para com a Associação de Futebol?

Sim. Mas interessa a alguns clubes que isto não mude. O União Micaelense, o Santa Clara, o Clube Desportivo de São Roque… conseguem recrutar os miúdos de uma maneira absurda. Há um grande desequilíbrio nos Açores, por isso não há competitividade.

Isso pode levar a que alguns clubes desapareçam.

Exatamente. É aí que quero chegar.

Que outras dificuldades passam?

Outra dificuldade prende-se com a logística. Enquanto o campo de Rabo de Peixe não estiver pronto, os clubes aqui vão ter uma grande dificuldade em planear os seus treinos. Isto está uma confusão enorme e os clubes estão a ter uma grande dificuldade para treinar, principalmente as camadas jovens.

Há um campo e há uma escola, mas a escola está limitada porque o campo já não tem condições para a prática de desporto. Temos o campo da Maia, mas ninguém o utiliza. O centro da Ribeira Grande está sobrelotado, mas precisamos de apoio para nos deslocarmos até à Maia.

Bato em temas e questões que as pessoas saem magoadas. As coisas têm que ser ditas para melhorar o desporto na região. Não vamos mais além porque as mentalidades não mudam e as pessoas são condicionadas. Quando se fala em formação nos Açores falam de uma formação completamente diferente. Falam em “condições”… mas tem de haver regras e pessoas competentes.

Há uns anos criou-se uma ‘onda’ nos Açores, em que qualquer pessoa que era professor de Educação Física, era treinador de futebol. Isto é um tremendo engano. Há professores de Educação Física que jogaram futebol e concordo que estejam ligados ao futebol. Mas se não sei executar um passo, como posso ser treinador? Fiz esta pergunta há uns anos… Hoje em dia pergunto onde estão os professores… como os clubes deixaram de cumprir em termos monetários, foram para o basquetebol, para a natação… hoje em dia estamos escaços em termos de treinadores por causa disso.

Cumprem consigo?

Cumprem. É por isso que estou estes três anos. Isto é o melhor cartão-de-visita de um clube para com os treinadores. Nunca tive esse problema nos clubes por que passei porque sempre fui muito frontal: se querem que eu vá trabalhar, têm de cumprir comigo.

Então o problema que teve no Sporting Club Ideal não teve que ver com isso.

Não teve nada que ver com isso. O problema foi que peguei numa equipa que não tinha formação, trabalhei, preparei os jogadores, e quando a equipa estava bem trabalhada, o treinador dos juniores veio buscar os melhores para completar a sua equipa. Nunca concordei com isso: treinador de formação é para formar. Não posso estar a treinar e a pensar em “roubar” o jogador a um treinador. Assim estou a estragar o trabalho àquele treinador. Para quê? Para ser campeão… vamos buscar os melhores só para ser-se campeão e aproveitar os louros do trabalho dos outros. Não concordei. Disse que quando chegasse junho, ele subiria e o treinador já pegaria no jogador preparado.

Não concordei com isso. A coordenação disse que tinha de ser assim e fui embora. Foi uma época desastrosa: nem os juniores nem os juvenis… Não quero que as pessoas me deem razão no final, quero que reconheçam o trabalho que está a ser feito.

Que mensagem quer deixar às crianças para ingressarem no clube que treina?

A mensagem que quero deixar é que olhem o futebol de uma maneira diferente: com amor, paixão e de maneira divertida. Procurem divertir-se quando dão os primeiros passos. Muitas vezes os pais e os miúdos entram no futebol já a pensar onde vão chegar. Isso é um processo muito comprido e demorado. As pessoas querem resultados imediatos, mas não é assim que funciona. Alguns miúdos deixam de praticar futebol porque a pressão sobre eles é tão grande que perdem o gosto e a essência do futebol. Infelizmente acontece muito isto.