“GOSTARIA DE SER LEMBRADO COMO O LÍDER DE UMA EQUIPA QUE CONTRIBUI PARA A MUDANÇA”

Em funções há pouco mais de um ano, Artur Leite é o Provedor da maior IPSS de Gaia, a Santa Casa da Misericórdia de Gaia.

Com mudanças radicais mas necessárias, o novo Provedor explicou ao AUDIÊNCIA que este é um grande “desafio”, embora “motivador”. “É um enorme desafio, aquele que se coloca a quem preside a uma Instituição desta envergadura”, afirma Artur Leite, que tem projetos para melhorar não só a sustentabilidade financeira da Misericórdia para os próximos anos como para proporcionar melhores e mais condições aos que mais necessitam no concelho.

Entrou em funções como provedor da Santa Casa da Misericórdia de Gaia em 2014. Como encontrou a instituição?
Encontrei a Misericórdia de Gaia com algumas dificuldades em cumprir aquilo para que foi criada e que é o objecto da sua missão. A fraca sustentabilidade financeira que tem tido como âncora o rendimento gerado apenas pelo património de rendimento, o estado degradado dos equipamentos sociais da terceira idade, a média etária muito elevada dos seus colaboradores aliada à baixa formação e a necessidade de se proceder à renovação dos quadros técnicos intermédios e superiores e a continuada não requalificação do património de rendimento, o segundo maior suporte da nossa acção social, foram as maiores ameaças que a actual Mesa Administrativa sentiu e a que urgia dar resposta.

Qual considera ter sido a principal dificuldade com que se deparou?
A quase inexistente política de gestão recursos humanos perante os seus quase 300 trabalhadores, foi talvez o maior problema com que nos deparamos, a par da incapacidade de gerarmos mais rendimentos com o património pela ausência de investimento na sua recuperação. E deparamo-nos com a ausência de projetos que permitissem a decisão da Mesa Administrativa de forma a gerir os resultados que permitam sustentar a nossa ação social.

Sendo esta a maior IPSS de Gaia, que serviços dispõe atualmente?
Dispomos de quatro equipamentos para Seniores, três dos quais sociais e um privado e que disponibilizam uma capacidade total de cerca de 250 camas na resposta social de ERPI (Estrutura Residencial para Pessoas Idosas) além de mais de meia centena no lar privado. Temos também cerca de 80 utentes acolhidos na resposta social de Centro de Dia e outros tantos utentes apoiados através da resposta social de serviço de apoio domiciliário. Na área da infância, a SCMG desenvolve a resposta social de creche que acolhe 73 crianças, a resposta social de pré-escolar que acolhe 95 crianças e a resposta social de casa de acolhimento para crianças em risco podendo acolher até 15 crianças. Ainda na área social, a Santa Casa da Misericórdia tem um gabinete de ação social de apoio à comunidade em geral, gerindo este serviço um banco de ajudas técnicas e, mais recentemente, desenvolvendo o projeto “Primeiros Passos” tendente a responder às necessidades do público-alvo (bebés, até um ano de idade, de pais com graves carências económicas e outras). Além das respostas sociais, a Santa Casa da Misericórdia da Misericórdia tem, na área da saúde, um Centro de Medicina Física e de Reabilitação em Gulpilhares e uma farmácia em Vila D’Este e em parceria com a Câmara de Gaia, gerimos a Academia Sénior de Gaia com mais de 550 utentes. E, no sentido de podermos não só melhorar as respostas e o serviço prestado nos dias de hoje, recentemente, a Mesa Administrativa promoveu uma reorganização interna e criou o gabinete de empreendedorismo e inovação social que visa desenvolver um trabalho de monitorização das necessidades do concelho, procurando encontrar as respostas mais adequadas e a sustentabilidade das mesmas para que a Misericórdia, enquanto maior Instituição Social do concelho, possa estar sempre na linha da frente da atuação na área social.

Há algum tipo de serviços que ainda precisem de ser colmatados no concelho?
Sim. Há poucas camas de cuidados continuados e integrados naquele que é o 3º maior concelho do país em população. Falta ainda capacidade especializada para as demências. No primeiro caso (UCCI) há promessas genéricas para essas construções e quanto às demências, além do problema atualmente existente dentro das Instituições (e com impacto na nossa própria…) temos ainda o problema da inexistência, ou existência quase escassa, de Instituições a responderem a esta enorme necessidade da sociedade e para qual urge a definição da política pública em matéria de saúde mental. A Santa Casa da Misericórdia de Vila Nova de Gaia também não desistiu de ver aumentada a sua atividade na área da saúde com a construção de uma Unidade de Cuidados Continuados Integrados, tendo para o efeito vindo a desenvolver variadas diligências com vários parceiros tendentes a este objetivo, bem como, na sua política estratégica para a área social uma unidade de demência (centro de dia) está nos planos do projeto que se está a delinear para o futuro.

Como está Vila Nova de Gaia, na sua opinião, em termos de IPSS?
Não faltam IPSS em Gaia, creio que são já cerca de 80. O que urge num concelho com a dimensão como o de Vila Nova de Gaia, é que haja uma melhor coordenação entre Instituições bem como seria de todo útil a existência de uma plataforma social que permitisse a todos os interessados saber quais as Instituições que estão em atividade no concelho, quais as respostas que disponibilizam e os contactos. Esta medida poderia auxiliar os munícipes na procura e obtenção da ajuda que necessitam sem terem algumas limitações com que nos dias de hoje se confrontam. Já se está, porém, a fazer alguma coisa a nível municipal.

Que serviços ainda faltam?
Considero que a maior dificuldade se continua a concentrar na ausência de apoio domiciliário que responda de uma forma mais ampla e de acordo com as necessidades da população cada vez mais envelhecida e a necessitar de cuidados de saúde. As demências é outro, senão o principal e atual problema para o qual as respostas atuais se pautam por escassas ou nulas.

Há muita população a necessitar de ajuda no concelho?
A SCMG não dispõe dessa informação. O que sabemos é que temos uma base de mais de 600 pessoas estão inscritas para internamento em ERPI e, além disso, temos uns quantos pedidos que não conseguimos atender de pessoas para frequência de Centro de Dia e para apoio domiciliário pela limitação que nos é imposta pelos acordos de cooperação.

“É nas Santas Casas de Misericórdia que acabam por ser acolhidos os mais pobres”

Na altura da sua tomada de posse, afirmou que “era preciso respeitar os doentes e os mais pobres” prometendo fazer “o melhor” que sabia nessa área. A que se referia em concreto? Acha que essas áreas estavam “esquecidas” com o anterior provedor?
É o que fazemos procurando responder às populações mais carenciadas e não disponibilizamos espaço e apoio apenas aos que têm reformas muito elevadas. Cumprimos com rigor os critérios fixados pela Segurança Social e por isso é nas Santas Casas de Misericórdia – e continua a ser a prática na Misericórdia de Gaia – que acabam por ser acolhidos os mais pobres e aqueles que são mais carenciados quer física e financeiramente muito debilitados, muitos deles a carecerem de estar em UCCI e não em ERPI.

Na mesma altura, pediu ajuda ao presidente da Câmara de Gaia para “agilizar alguns dos projetos e licenças”, nomeadamente na Quinta das Devezas. Como se encontra essa situação?
De facto assim sucedeu e é devido o agradecimento à forma como o executivo camarário, com a nossa intervenção, aprovou o projeto final. Estamos a aguardar a todo o momento a emissão do alvará de loteamento corrigindo o anterior. Estamos convencidos que até ao final deste semestre iremos iniciar as diligências públicas tendente à alienação dos lotes consignados. É preciso rentabilizar os quase 84.000 m2 de área construtiva que nos foi atribuída nesta negociação e em que, recentemente, obtivemos mais cerca de 2500 m2 face ao alvará de loteamento inicial. É seguramente o que mais contribuirá para a realização de alguns dos projetos aqui abordados.

O seu mandato será de quatro anos devido à nova legislação. Que projetos e ideias gostaria de implementar neste mandato?
Se conseguíssemos dotar a Santa Casa da Misericórdia dos recursos financeiros que permitam garantir a sustentabilidade para os próximos tempos, já seria um excelente mandato porque nos permitiria fazer a requalificação dos nossos equipamentos sociais, que bem precisam, e onde pouco se investiu nos mandatos anteriores. Nos primeiros dois anos já desenvolvemos iniciativas como as obras de requalificação do património de rendimento; as obras de requalificação parcial do equipamento social Salvador Brandão; a elaboração e obtenção de aprovação por todas as entidades dos projetos de requalificação dos equipamentos sociais António Almeida da Costa e José Tavares Bastos. Encontra-se também em aprovação nas entidades competentes o projeto de requalificação das Residências Séniores Conde das Devezas que terá incluído a construção da cozinha e lavandaria únicas que visam uma melhor e mais adequada gestão destes processos internos. Além disso, delineou-se e implementou-se, de forma gradual, a estratégia de alienação de património que não possibilita incremento de rendimento para investir noutro património de rendimento que pode ser potenciado; investiu-se na implementação das medidas de autoproteção tendo, nos dias de hoje, todos os equipamentos e serviços com as medidas de autoproteção aprovadas e devidamente implementadas; conclui-se as obras de requalificação da Farmácia que apresentava uma imagem desgastada e que não permitia potenciar a venda de produtos face ao exíguo espaço de atendimento ao público; continuou-se, apesar do silêncio das entidades oficiais, a desenvolver varias diligências tendentes à definição da estratégia futura para o hospital de Gaia, atualmente arrendado ao Ministério da Saúde; desenvolveram-se e implementaram-se projetos de requalificação do património de rendimento de onde se destacam as obras concluídas ou em curso (Lisboa – S. Domingos de Benfica, Lisboa – Travessa das Parreiras, Valadares – Avenida António Coelho Moreira) e que todas terão a sua continuidade em 2017. Estão também em curso projetos de arquitetura para a intervenção nos patrimónios denominados “Bairro dos Contramestres” e “Prédio do Gaveto”, ambos em Gaia e para a requalificação do prédio da Rua de Entreparedes no Porto. Nestes dois anos promovemos ainda uma readequação do organograma da SCMG procedendo à admissão de quadros médios e superiores; reorganizou-se o anteriormente denominado serviço de manutenção do património para o atual serviço de gestão do património, dotando-o de quadros técnicos e com uma visão de rentabilização dos rendimentos, ou seja, com uma gestão mais profissional. Está já concluído o projeto de revisão dos atuais acordos de cooperação em vigor e temos em curso um plano de investimento em matéria de energias – parte do qual está já a funcionar – que visa a redução de gastos e garantir uma maior sustentabilidade para o futuro. Neste serviço uma das principais missões tem sido a regularização jurídica do património da Santa Casa porque encontramos várias situações que, no passado, não tiveram o adequado tratamento. Estas limitações têm tido um impacto na gestão diária deste serviço, seja para a elaboração de novos projetos, seja para a alienação do património. É um trabalho que, seguramente, continuará para além do atual mandato, tantas são as anomalias detetadas.

Sem esquecer o Centro de Medicina Física e de Reabilitação…
Sim, essa é uma área muito preocupante para a Santa Casa. Esta unidade que já existe na Instituição desde 1998, nos últimos 7/8 anos vinha apresentando resultados de exploração negativos e o modelo de gestão que vigorava desde a sua abertura revelava-se esgotado e não respondia às exigências de uma gestão moderna, eficiente e de resultado de exploração positivo. A mudança de paradigma, com o termo do contrato anterior, aconteceu em finais de 2016 com uma nova direção técnica e cujos resultados, apesar do curto período de vigência da mesma, começam a ser notados e relevados, económica, financeira e qualitativamente. Para finalizar, retomo um projeto anteriormente referido que é a requalificação das Residências Séniores Conde das Devezas. Sendo uma unidade privada e que concorre com o mercado, impõem-se obras nessa unidade, associando a este projeto uma melhoria do serviço prestado e a procura para diversificar as fontes de rendimento, ao mesmo tempo que se procederá à divulgação da unidade. Em todas as frentes estamos a trabalhar porque como referi o projeto de arquitetura está a ser apreciado pelas entidades competentes; temos procurado melhorar a qualidade de serviço dotando a unidade de recurso humanos mais capacitados e estamos a diligenciar junto de algumas ordens profissionais no sentido de estabelecermos protocolo que permitam condições mais vantajosas para o ingresso de residentes oriundos dessas mesmas ordens profissionais. Esta unidade privada, nos últimos 12 anos, acumulou resultados negativos de exploração operacionais de cerca de 3 milhões de euros.

O que gostaria de ver terminado neste mandato?
Antes de terminar o mandato seguramente que a Mesa Administrativa terá concluído alguns projetos extremamente importantes, nomeadamente, o Sistema de Gestão da Qualidade, o Sistema de Avaliação do Desempenho, o plano de Comunicação da Santa Casa, a centralização e operacionalização do Arquivo e Centro de Documentação e a revisão de implementação de medidas de segurança ao nível das tecnologias de informação. O desafio é grande mas é motivador.

Há algum que gostaria de destacar mais aprofundadamente?
Focamo-nos muito na segurança das pessoas que nos estão confiadas e por isso temos desenvolvido um conjunto de procedimentos na área da segurança com o apoio da ANPC (Autoridade Nacional da Proteção Civil) e quero agradecer o apoio que a Câmara de Gaia, através dos Bombeiros Sapadores, nos tem concedido.

“A SCMG há de chegar muito longe no tempo, comigo ou sem mim”

Na nova legislação foi também implementada a limitação de três mandatos. Pensa nisso ou ainda é muito cedo?
A SCMG há de chegar muito longe no tempo, comigo ou sem mim. É ainda cedo para abordar essa temática mas sabe-se bem a importância da consistência dos mandatos, se bem exercidos e de acordo com a missão da Irmandade.  É um enorme desafio, aquele que se coloca a quem preside a uma Instituição desta envergadura.

Foi também, recentemente, eleito para a direção do Secretariado Regional da União das Misericórdias Portuguesas. Esse cargo é uma mais-valia para a sua função como Provedor da Santa Casa?
É claro que é uma mais-valia para a Misericórdia de Gaia e só lamento que pela sua importância e proximidade à informação e daí ao poder, que a SCMG, com exceção de um anterior provedor, nunca tenha conseguido ser eleita para este órgão. Estamos onde a importância da Misericórdia de Gaia sempre deveria ter estado, próxima do Secretariado Nacional.

Voltando ao seu mandato, que balanço faz até ao momento, sendo que pouco mais de um ano passou?
Pelo exposto, e que versa as principais linhas mestras da estratégia, reconheço com toda a humildade que o mandato tem sido muito positivo. A equipa que constitui a Mesa Administrativa tem procurado focar-se na estratégia definida e na sua implementação e os resultados estão bem à vista.

Como gostaria de ser lembrado na Misericórdia de Gaia?
Um projeto de mudança organizacional não acontece da noite para o dia, pelo que é preciso algum tempo de implementação e geralmente enfrenta resistências dentro das organizações. Por isso, a gestão de mudança é tão necessária e envolve um conjunto de estruturas, processos, ferramentas e técnicas que ajudam as pessoas e equipes a adaptarem-se. É preciso continuar a “fazer bem e à primeira, sem desperdicios”.  Posto isto, quando sair gostaria de ser lembrado na Santa Casa como o líder de uma equipa que contribui para a mudança, que permita uma melhor e mais sustentada Instituição para todos os que com a mesma se relacionam, sejam utentes, trabalhadores, familias, fornecedores, comunidade em geral e irmãos. A estes últimos, uma palavra de garantia de que estamos a construir uma Irmandade mais forte e de que também queremos que beneficiem. A Santa Casa da Misericórdia de Gaia tem quase 88 anos de existência mas o que se espera é que outros tantos anos e ainda mais no futuro, possa continuar a responder da melhor forma possivel às necessidades dos mais carenciados.