“HÁ HÓSPEDES QUE SE TORNAM AMIGOS”

O nº 1 da Rua Santa Luzia pertence à Costa Norte- Atlantic North Shore Guest House, um alojamento local criado em 2014 por Sandra Rodrigues, de 35 anos,natural de Coimbra, e Frederico Quintela, de 36 anos, natural de Torres Vedras. Apesar de não serem naturais de São Miguel, os acabar por se apaixonar pelas paisagens da ilha.

A guest house conta já com um ranking de 9,8 e com um prémio de Miosotis Azores – Alojamentos verdes, galardoado em 2016,  por cumprir com os requisitos de boas práticas ambientais.

Em entrevista ao AUDIÊNCIA, os proprietários falaram sobre o aparecimento da guest house, os apoios, as recompensas culturais, projetos futuros e sobre a Ribeira Grande.

 

 

Como é que surgiu a Costa Norte-Guest house?

Sandra Rodrigues: Eu trabalhava na área da construção civil e fiquei desempregada em novembro de 2012. Entretanto, a minha filha mais velha nasce em fevereiro de 2013, e, passado 1 mês, um casal veio nos visitar e estranhou não haver nenhuma surf house ou guest house na Ribeira Grande, e sugeriram que nós poderíamos pensar em abrir uma vez que eu estava desempregada e gostávamos de receber pessoas, mas, uma coisa é receber amigos outra coisa é receber pessoas, apesar quando os hóspedes saem daqui, saem como amigos. A ideia ficou a amadurecer nas nossas cabeças, e ,depois, o processo passou pela procura do edifício que nós queríamos, com um determinado número de quartos e algumas áreas grandes, para conseguirmos cumprir com todos os requisitos legais exigidos para um alojamento local.  Depois, candidatei-me a um apoio que é o Empreende jovem, e tratamos de toda burocracia, até que em agosto de 2014 lá conseguimos abrir tudo. Desde aí, a experiência tem sido muito boa.

Frederico Quintela: Quando nós iniciámos a guest house era, principalmente, para o público surfista já que a ilha proporciona boas ondas e no nome da guest house Costa Norte- Atlantic North Shore Guest House utilizámos palavras chaves da comunidade dos surfistas para haver uma maior atração, mas, no fim de contas, vimos que não resultou e o nosso público alvo é um viajante. E, é muito interessante receber os hóspedes. A Sandra que não viajou tanto, diz que é a maneira de ela viajar, de contactar com pessoas de outras realidades.Mas, é mais fácil do que estávamos à espera ao início, o receber as pessoas em nossa casa e criar ligações, mesmo com pessoas que pouco se relacionam, nem que seja só na parte em que eu ajudo quando dou dicas sobre o que visitar, já que o meu antigo trabalho era sistemas de informação geográfica aqui na ilha, portanto, eu tenho um conhecimento muito aprofundado de toda a paisagem e isso permite me dizer com muita segurança o que é que há. Normalmente essas dicas são feitas ao pequeno almoço, já faz parte para além do pão caseiro e dos cereais.

 

Quando escolheram esta casa como a adequada, como é que a encontram?

SR: Só existia um terço desta casa. Tivemos que construir as casas de banhos e, depois, foi a recuperação dos interiores de algumas portas, janelas, chão, algumas pinturas.

FQ: As pinturas são algo que está sempre a acontecer por causa da humidade. Esta terra obriga a estar sempre a pintar a casa. Já os melhoramentos, esses são progressivos, por exemplo, o terraço não tinha o chão em azulejo como tem agora, e foi feito há alguns meses atrás. São uma série de melhorias que vamos fazendo. Nós começamos com pouca base de investimento, e quase todo o dinheiro que fazemos investimos, mas isso é normal. Tentamos sempre melhorar, principalmente, naquilo que os hóspedes nos apontam. Nós lemos as críticas que nos fazem e é são substancialmente boas, mas é sempre interessante receber cá em casa e nós perguntamos se tem alguma coisa apontar e eles “sim, já agora ali”. Há muitas coisas que são um reflexo de apontamentos de pessoas que já estiveram cá em casa. A casa também é pequena, só tem 3 quartos disponíveis, mas já que não tínhamos nenhuma experiência na área do turismo, quisemos começar por uma coisa pequena para ter o tempo de aprendizagem necessário.

 

A Costa Norte Guest house tem um ranking de 9,4 no Booking, o que é que torna esta casa tão especial?

FQ: É o licor que eu ofereceu quando as pessoas chegam (risos) As pessoas gostam do ambiente familiar e acho que também está relacionado com a ajuda que dou. Eu dou uns papeizinhos que tem uma lista de coisas a visitar por uma ordem lógica, e isso eu faço questão de dizer, normalmente, quando eu sirvo o licor depois de mostrar a casa, que ao pequeno almoço costumo ajudar os hóspedes. E, é todo esse acompanhamento mais personalizado e importante, já que o clima aqui nos Açores está sempre a mudar a toda a hora, para ajudar a pessoa a usufruir o máximo do tempo que tem com o tempo que está. Outra característica importante é o pequeno almoço. Todos os produtos que utilizamos são regionais, frutas, compotas, e depois o cheiro a pão fresco quando saímos dos quartos de manhã.

 

Recebem hóspedes de várias nacionalidades, principalmente, alemães. Existe alguma história peculiar que tenha havido nestes anos?

FQ: A parede dos brindes. Criada por uns hóspedes que apanharam um tempo horrível quando estiveram cá. Quando brindamos com o licor à chegada, eu perguntou como é que se brinda no país deles e eles acharam que se devia começar a registar. Apesar de eles serem alemães, o primeiro brinde da parede é francês porque tínhamos uma hóspede grávida e demos-lhe a honra de ser a primeira a escrever na parede. Demorou ainda mais de 1 mês até termos saúde em português porque fizemos questão em não sermos nós a escrever.

 

Vocês falaram sobre o intercâmbio que ter a guest house permite, é a maior das recompensas têm?

FQ: É isso e o prazer de as pessoas sairem satisfeitas. Nós estamos a apostar num serviço e é visto como um bom serviço.

SR: Eu não tive tanta oportunidade de viajar como o Fred fez e fico com o bichinho de agora termos que ir aqui e ali, conforme o entusiasmo com que o hóspede fala da sua cidade. Mas outra realidade, é não deixar que só a televisão nos entre pelos olhos dentro. Neste país o sistema de saúde é isto, o sistema de educação é aquilo, e depois nós apanhamos esses viajantes, e é aí é  nós conhecemos a verdadeira, as dificuldades que as pessoas da nossa idade têm a viver naquele país.

FQ: É o enriquecimento cultural mas também o pessoal. É ver a nossa filha mais velha quando vê alguém em casa começa logo a falar com eles, e o facto de dizer algumas coisas em inglês com essa interação, o facto de ela brincar com os filhos dos hóspedes e eles não terem a mesma língua. É todo esse ganho de experiência. Há hóspedes que se tornam amigos… Ganhamos amigos,ganhamos sítios para ir visitar porque eles nos convidam para ir para suas casa.

 

 

Qual tem sido o apoio da Secretaria Regional e do Governo Regional?

FQ: O apoio que nós temos é da Direção para o Investimento, basicamente, é a estrutura do Governo Regional que canaliza os fundos que vêm dos quadros europeus. Nós quando apresentamos a candidatura foi dentro do quadro europeu anterior, não o 20/20, que agora está em vigor, mas apanhamos uma fase de transição em que o quadro seguinte não dá apoios a alojamentos locais, que atrasou muito o processo, acabou por ser um trabalho burocrático pesado. No fim, deram-nos um apoio que comparticipa uma parte do investimento, 60%. Sendo um gabinete de apoio ao empreendedorismo, não há propriamente apoio, há o questionar de tudo porque são pessoas que vão ter que justificar o que foi aprovado a outras entidades.

 

Com a entrada dos voos low cost, vocês têm sentido diferenças ao longo dos anos desde que abriram?

FQ: As pessoas até perguntavam muito “ai como é que está a ser, notam diferença de um ano para o outro”, mas nós não tínhamos grande referência porque o nosso primeiro ano foi um verão perdido porque só abrimos em agosto, ainda nem tínhamos nome, por isso, foi difícil atrair pessoas. Quando estávamos a fazer um ano completo já existia essa condição da chegada dos voos low cost, que alterou tudo. Claro que nós notamos que nas ruas há muitos mais turistas, mas daí como é que isso afetou o nosso negócio, nós não tínhamos uma referência anterior. Apesar disso,o ano passado foi espetacular. Tivemos no verão lotação esgotada,praticamente, toda a época, que começou bastante cedo em maio e tivemos cheios até ao final de outubro.

 

O Frederico é de Torres Vedras e a Sandra é de Coimbra. Como é Ribeira Grande passou a ser a vossa casa?

FQ: Eu vim para cá trabalhar em 2008 e, ao fim de 15 dias, já estava a pensar como é que havia de cá ficar, uma vez que era um trabalho com prazo definido. E, entretanto, conheci a Sandra .

SR: Eu tirei Gestão e Saúde. Antigamente, o meu curso não dava equivalência para administração pública e aqui na região existem uns programas de estágio que são o Estagiar L, para licenciados, e o Estagiar T, para técnicos, e, então havia essa possibilidade de vir para cá estagiar durante 3 meses. A partir daí, fiz o estágio, depois foram apareceram alguns trabalhos até ficar desempregada e abrir a Guest House.

 

Atualmente, como é que vêem a Ribeira Grande?

SR: A Ribeira Grande é uma cidade mas não tem vivência de cidade. Ponta Delgada e Ribeira Grande são cidades completamente diferentes

FQ: Mas, curiosamente, produz-se mais em Ribeira Grande do que em Ponta Delgada.

SR: Eu sinto que vivo num bairro mesmo. Conhecemos toda a vizinhança e tratamos por tu todas as pessoas. Ribeira Grande é o nosso bairro. As pessoas que vivem aqui no centro são pessoas em que os pais já viviam aqui ou são pessoas com mais idades, portanto, já se conheciam todas.

FQ: Aqui toda a gente sabe até ao terceiro grau de parentesco. Eu que sou uma pessoa que moro cá há poucos anos, e noto que é relativamente fácil porque os açorianos são pessoas simpáticas, mas não dão muita confiança. Em pouco tempo também já me sinto muito bem recebido. Foi muito fácil a nossa integração aqui.

 

O que esperam mais desta cidade?

SR: A Ribeira Grande está a crescer. Desde 2014 até agora, a cidade está muito diferente. A região até está a responder bem aos novos desafios. Por exemplo, chegava 21h íamos tomar café à rua e nem havia sítio para tomar café, agora vê-se aquela praça com esplanadas, e as pessoas já podem sair.

FQ: Eu acho que umas das coisas que a Câmara poderia tentar, uma vez que há mais oferta de alojamento aqui, é destacar cada vez mais a cidade como sítio para ficar e a Câmara devia tentar, por oposição a Ponta Delgada, divulgar a acessibilidade para o resto da ilha com a afluência dos principais itinerários aqui à Ribeira Grande. As pessoas que querem visitar a ilha é para explorar as paisagens, fazer trilhos é para sair das cidades, mas, no entanto, podemos usufruir de cidades pacatas como a Ribeira Grande e conseguir estar instalados nesses centros históricos. usufruindo de todo o aspeto cultural e arquitetônico que existe. Eu acho que é interessante os viajantes ficarem dois dias aqui e outros dias noutro ponto da ilha e vão explorando a partir do local onde estão alojados.

SQ: Agora o que estamos à espera é de todo o passeio marítimo. A requalificação que vai existir na faixa costeira, melhorando a praia de Monte Verde, uma praia no meio da cidade.

FQ: No continente, há presidentes que quase se matavam para ter uma frente de praia como a que se tem aqui, mas, no entanto, ela está completamente desaproveitada. Só a praia de Santa Bárbara é que tem toda a infraestrutura desenvolvida. A Câmara disse que era uma obra que iria arrancar em novembro , mas acabou por não avançar, apesar de sabermos que muita apropriação das casas que vão ser demolidas já foi toda feita. Só é pena a obra não avançar.

 

Falando de mudanças, há projetos futuros para a Costa Norte-Guesthouse?

SR: A guesthouse crescer. Ter um maior número de quartos que aumentará para 5, em que esses dois serão com casa de banho privativa. Ter mais apartamentos ou pequenas habitações para gerir para além do de Ponta Delgada. E,agora vamos começar com o licenciamento da parte de animação turística.

FQ: Já temos a carrinha de nova lugares e queremos complementar o nosso serviço com as visitas à ilha. Uma vez que eu também sou desde o verão passado certificado como guia dos parques naturais dos Açores para a Ilha de São Miguel.

SR: O que nos destaca é essa presença e o contato que temos com os hóspedes se começarmos a ter 10 ou 20 quartos isso já não é possível.

FQ: Queremos ter os nossos rendimentos para dar boas condições de vida à nossa família mas queremos ter o estilo de vida que agora levamos. As nossas filhas estão no jardim de infância o tempo mínimo, porque estamos o máximo de tempo com elas e não queremos perder isso.