HOMENAGEM A UM SER HUMANO ESPECIAL QUE NOS DEIXOU

Na sequência do desafio lançado pelo “velho” Detetive Smaluco, em 2003, na secção Policiário, do jornal Público, com vista à criação da Tertúlia Policiária do Norte (TPN), responderam à chamada os históricos policiaristas Jartur e M. Lima e os “novatos” Sargento Estrela e Agente Guima, do Porto; os “veteraníssimos” Daniel Falcão e H. Sapiens, de Braga; o consagrado Dr. Gismond, de Santo Tirso; e o agora muito saudoso e inesquecível Zé, de Viseu.

Ao primeiro contacto, a simpatia instalou-se entre nós. E depressa fiquei a saber quase tudo sobre este novo Amigo que o Policiário me deu para a vida. Soube que era professor de Português já aposentado, nascido na Marinha Grande, mas há muito residente em Viseu, cidade que ficaria agarrada ao seu nome desde os primeiros passos no policiarismo, ao qual chegou através da BD e pelo prazer de ler, pensar, pesquisar e escrever: hobbies que dividia com outros passatempos, como o modelismo e a pesca, tudo isto sem prejuízo da família, valor que mais preservava acima de tudo.

O seu pseudónimo nasceu como uma homenagem ao seu tio Zé (José era, também, o seu segundo nome: Gustavo José Barosa!), que lhe reconheceu, na adolescência, algumas qualidades e o iniciou no Jornalismo e no Teatro (mais tarde, na Escola onde lecionava, encenou dezenas de peças, com um grupo de Alunos). E na revista Mundo de Aventuras, onde se iniciou nos princípios da década de 1970, ele era o “Zé (Viseu)”, já que o Sete de Espadas (a quem nunca deixou de agradecer o estímulo de sempre) colocava à frente do pseudónimo a localidade do concorrente.

Ficou Zé para sempre, mesmo quando assumiu com o seu grande Amigo Domingos Cabral (Inspetor Aranha) o papel de orientador de secção (Enigma Policiário – 1976/1982). E ao regressar ao policiarismo, no jornal Público, na secção orientada por Luís Pessoa, onde foi o Provedor (lugar em que antecedeu a Lima Rodrigues), como já havia um Zé, juntou ao pseudónimo de sempre a sua localidade. Mas, para os velhos amigos, orgulhava-se de ter sido sempre, simplesmente… Zé! Aliás, os amigos e a ética social foram outros grandes valores que sempre preservou e defendeu!

Com alguma boa gestão do tempo, o Zé conciliou (até à aposentação) as suas duas vocações – o Ensino de Português (Literatura) e o Jornalismo (escrito e radiofónico) – e ainda conseguiu “ganhar” algumas horas a ouvir as músicas de que gostava e a “consumir” todas as outras artes. O desporto também consumiu algum do seu tempo, nomeadamente o automobilismo (confessava-se fanático, doente incurável, pela Ferrari). Admitia ter uma grande paixão por carros antigos, com destaque pelos modelos da Alfa Romeo. E dizia-se masoquista para se assumir como Benfiquista!

Com alguma boa gestão do tempo, o Zé conciliou (até à aposentação) as suas duas vocações – o Ensino de Português (Literatura) e o Jornalismo (escrito e radiofónico) – e ainda conseguiu “ganhar” algumas horas a ouvir as músicas de que gostava e a “consumir” todas as outras artes. O desporto também consumiu algum do seu tempo, nomeadamente o automobilismo (confessava-se fanático, doente incurável, pela Ferrari). Admitia ter uma grande paixão por carros antigos, com destaque pelos modelos da Alfa Romeo. E dizia-se masoquista para se assumir como Benfiquista!

O Zé considerava que devia ao trabalho de permanente exercício mental que é o Policiário muita da lucidez que conseguiu manter depois da sua aposentação. E costumava recordar as muitas vezes em que quase desesperou durante semanas na tentativa de descobrir o significado de um pormenor numa prova, para depois concluir que, afinal, essa não era a chave para o problema. Ele e a família, a que recorria frequentemente: a filha é advogada e tirava-lhe algumas dúvidas; a mulher fazia alguns desenhos para ilustrar as respostas, que costumavam rondar as dez páginas (uma vez chegou a entregar uma solução com doze páginas, mas o seu esboço inicial tinha… 26!).

O Zé chegou a produzir alguns problemas (excelentes, alguns deles), mas nunca ficou satisfeito com o resultado. Na verdade, ele foi sobretudo um excelente solucionista (um dos melhores de sempre!). Mas como Amigo foi ainda muito melhor! Deixou-nos no passado mês de janeiro, depois de uma luta de vários anos contra uma doença terrível. Adeus, Zé! Se vires por aí a pessoa que sabes, a tua companheira de luta e minha companheira de vida, dá-lhe um beijo meu!

“Um Caso Policial no Natal” – DÉCIMO OITAVO CONTO

BASEADO NUMA HISTÓRIA VERÍDICA, de Detetive Jeremias

I – PARTE

Nem sei bem se este texto é um conto ou um relato. É um caso policial no Natal, quanto a isso não há dúvidas − mete polícia e passa-se no Natal, embora deva confessar que o chamado espírito natalício não está verdadeiramente presente. Trata-se de uma descrição de um acontecimento real, assim, talvez se possa classificar como um conto baseado numa história verídica. Por uma questão de segurança, preciso de deixar claro que nada se passou comigo, apenas obtive a informação em primeiríssima mão. É certo que os factos remontam ao final da década de sessenta do século passado, no entanto é difícil saber quando alguns crimes prescrevem, por isso, mais vale jogar pelo seguro para ficar livre de inquietações e de problemas.

Na quadra natalícia, o regedor (sim, o regedor, os presidentes de junta são uma inovação de 1977) de uma pequena freguesia lusitana decidiu, por unanimidade com ele próprio, investir num projeto inovador “nunca antes visto”. Resolveu alocar os parcos recursos financeiros à construção de um presépio em “tamanho quase real”, a instalar no adro da igreja paroquial. A verba disponibilizada conseguiu garantir a execução das figuras indispensáveis: sagrada família, anjo, vaca, burro e os três reis magos e (um único!) respetivo camelo. O presépio foi montado, como mandava a tradição, no início do advento e, de acordo com as ordens do pároco, foi instalado num recanto do largo, para não perturbar a circulação dos fiéis durante os festejos natalícios. Meia dúzia de homens, funcionários da junta, construíram cabana e outros artefactos com as traves da ferrovia descartadas depois de uma remodelação. O resultado final foi um falhanço completo − um conjunto pesado e escuro devido às traves e com figuras tão mal-amanhadas, que mais pareciam os espantalhos utilizados nos campos para afugentar os pardais. É certo que esta iniciativa não suscitou grande interesse na população, mais ocupada e preocupada com as dificuldades do dia a dia. No entanto, o meu avô, ou melhor, o avô de quem me contou este episódio, resolveu arrastar os seus nove netos para a construção do presépio. Este homem era um convicto ateu anarcossindicalista, talvez por trabalhar na tipografia instalada na vila, e nunca fora visto na igreja, nem sequer na missa do Galo. Todos estranharam a sua presença. A miudagem delirou com as peripécias que foram acontecendo ao longo da manhã e, principalmente, com a total falta de proporcionalidade do conjunto. Por exemplo, os reis magos eram bem maiores do que o camelo, e o burro era mais pequeno do que o Menino Jesus, de todos a única figura harmoniosa. Foi este o alvo da primeira observação do avô. Disse: “Não devia estar aqui! Só vai nascer lá pró dia 24!”. Uma das netas, pespineta, aproveitando a deixa, acrescentou: “Nem o Jesus, nem os reis Magos, que chegaram em janeiro no Dia de Reis”.

E deve ter sido aqui que germinou a ideia que iria despoletar um caso policial!

(continua na próxima edição)