O AMOR E O LUTO

Em muitos lugares já quase não se vê ninguém de luto. Não é já tão frequente vermos pessoas usando, de cima a baixo, aquelas roupas muito negras.

Esse antigo costume – tal como muitas outras coisas – tende a desaparecer. E posso dizer que, do ponto de vista estético, me alegro com o facto. O negro fere os olhos e entristece a alma. É preferível ver o sol, as flores, sorrisos.

No entanto, não recusei investigar acerca dos motivos de uma certa pena que, simultaneamente, senti dentro de mim.

Que perderemos quando perdermos o luto? Que significado existe em que o seu uso se esteja a perder?

O luto acontecia quando a nossa vida se encontrava de tal forma ligada a outras vidas que – perdendo-se alguma delas – a nossa era abalada nas suas mais profundas raízes. Perdíamos então, de algum modo, o nosso sol e as nossas flores com a morte da nossa mãe, de um filho, da mulher, do marido…

Não conseguíamos arranjar espaço para os sorrisos, e a forma de nos vestirmos manifestava a ausência de cores que nos ia por dentro.

O luto implicava, portanto, que o sentido da nossa vida não estava em nós mesmos; que era concebida em função das suas ligações aos seres que nos eram próximos; que vivíamos para os construir e para sermos por eles construídos.

O luto significava a realidade de um amor que não morrera dentro de nós. De um amor que – por ser tão grande e profundo, por ser tão… único – não podia ser esquecido ou substituído enquanto durasse o tempo de afastamento.

Se estamos a perder o luto, isso resulta talvez de uma das duas coisas que vou referir.

Que hoje não nos encontramos ligados dessa forma tão intensa àqueles que nos rodeiam. Eles não fazem profundamente parte de nós; são pouco mais do que paisagem e companhia. Assim, a perda de um desses seres não nos afecta tão profundamente e de forma tão duradoira. Consideramo-la como mais um desgosto, que tentaremos esquecer pensando noutras coisas, mas não como uma perda que afecta a própria substância do nosso ser. Se assim for, o desaparecimento do luto manifesta, talvez, que nos tornámos um pouco mais mesquinhos e egoístas… E mais solitários.

A segunda hipótese é que a nossa educação estética melhorou muito. E que, mantendo toda a profundidade que se referiu nos parágrafos anteriores, preferimos guardar dentro de nós os nossos sentimentos, ou manifestá-los de algum outro modo que julgamos ser de maior bom gosto.

Isto é mais aceitável, porque o essencial fica salvaguardado.