“É um erro popular muito comum acreditar que aqueles que fazem mais barulho a lamentarem-se a favor do público sejam os mais preocupados com o seu bem-estar.”
Edmund Burke (1729-1797)
Somos fiéis seguidores desta doutrina do confinamento que nos impuseram para a prevenção da pandemia.
Desde março de 2020 que somos servos do isolamento social. Em períodos mais ou menos longos, durante todo o dia ou parte dele, em todas as situações ou em parte delas. Um vai-vem constante que quebra relações sociais, aumenta a precariedade e as desigualdades. A medida extrema é vista como um chamamento para a “cura” da pandemia de COVID-19. Afinal, o que fez de nós o confinamento?
Os idosos são um dos grupos etários que mais consequências sofrem com o isolamento. Num estudo do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra sobre o impacto da pandemia do Covid-19 no bem-estar físico e psicológico de idosos, especialmente no desenvolvimento de psicopatologia e no risco de declínio cognitivo, divulgado pela TSF, em 25-11-2020, concluiu-se que as medidas de isolamento provocaram um declínio acelerado da autonomia, capacidades cognitivas e funcionais dos idosos que não vivem em lares. A interação social que funcionava como ‘capa protetora’ deixou de existir e as consequências estão à vista. Sem contacto com familiares ou outros entes queridos para se protegerem da morte por Covid-19, arriscam, agora, perder a vida por solidão. Os reais danos do isolamento nos idosos só o tempo o poderá demonstrar, pois “voltar à rotina” nesta idade será certamente um objetivo difícil de alcançar.
No outro extremo da faixa etária, mas com consequências igualmente devastadoras provocadas pelo isolamento, encontram-se as crianças. Não correm, não saltam, não brincam, não interagem. O ensino à distância encerrou milhares de crianças e jovens em casa. A diminuição da atividade física traz inúmeras consequências ao desenvolvimento das crianças. O aumento de peso e o retrocesso nas competências motoras são algumas das preocupações dos especialistas. A par disso, alargaram-se e agravaram-se as desigualdades sociais, já evidentes antes do estado pandémico. Mais uma vez, temo. Quais serão as verdadeiras consequências que o isolamento nos vai trazer e que o tempo ainda não revelou?
Os impactos da economia são devastadores. Elevadas perdas económicas, aumento do défice e da dívida pública são óbvias consequências de um país coxo e a meio gás.
A oferta, com exceção do turismo e serviços, não responde à procura, a capacidade de produção foi afetada, as importações e exportações foram negativamente afetadas. A incerteza trouxe a desconfiança, que se traduz na quebra de investimento. O medo e a quebra de rendimentos trouxeram danos irreparáveis ao consumo.
Nada poderá travar a recessão. Impõe-se o lançamento das medidas de estímulo à economia da Zona Euro, para que o caminho a percorrer nos próximos anos não seja tão árduo. Os governos foram chamados a apoiar empresas e famílias para que a quebra de rendimento e do emprego seja atenuada. Mas a verdade é que o pior já está a suceder.
A pobreza, que de forma tão discriminatória já assolava o mundo antes da pandemia, agora e num futuro próximo será muito mais acentuada. Isso preocupa-me bastante.
Com os atrasos na vacinação e as novas estirpes da Covid-19, não é possível prever como vai ser o dia de amanhã, aqui em Portugal ou no mundo. A retoma económica é, por isso, um plano cheio de interrogações e incertezas.
O desemprego, o isolamento, a solidão, a ansiedade, a incerteza, o medo, a insegurança, a frustração e desgaste são alguns dos fatores que, associados ao confinamento, abalaram a saúde mental dos portugueses. A Direção-Geral de Saúde alerta nas redes sociais para os efeitos psicológicos do confinamento. A fragilidade emocional é certamente um dos maiores riscos que vivemos. Sem esse equilíbrio não é possível viver.
Com tudo o que as medidas impostas para travar a pandemia provocam, é tempo de nos questionarmos: O que vai sobrar de nós?