Perguntava Baptista-Bastos aos seus entrevistados. Se o inquerido fosse eu, lembro-me perfeitamente desse dia e desse ano. Era o meu primeiro ano de exílio na República Federal Alemã, faria 22 anos no mês de julho, e a notícia, como a todos, nos surpreendeu imenso. Era o fim da tarde e como habitualmente nos encontrávamos para conviver no Club Voltaire na Kleine Hochstraße em Frankfurt am Main, um beco sem saída nas imediações da velha ópera, edifício que ainda como memória da guerra se encontrava em reconstrução, anos mais tarde seria reinaugurada com o nome de Neu -alte Oper , muito à maneira alemã ( a nova velha ópera).
O Voltaire era o Nosso ponto de encontro entre professores e alunos, eu aluno e dois professores de língua alemã, um deles português e o outro espanhol, ambos exiliados também por motivos políticos. Enquanto ouvíamos as notícias, Portugal se converteu no centro da conversação; o país, os anos de ditadura, a guerra colonial. Eu tinha conhecido um jovem angolano que fazia parte de um grupo de Teatro chamado Die Suche (A Busca) que encenava com um grupo de emigrantes espanhóis e portugueses.
O grupo estava albergado na Volshochschule (Universidade Popular) da cidade , mais tarde eu encenaria com eles uma versão da Excepção e a Regra de B. Brecht, seria a minha segunda encenação em Alemanha, depois disso, apenas estudos e partir para Portugal no inicio do ano de 1975, respondendo ao convite feito para assumir a Direção Artística do TEP/Teatro Experimental do Porto subsidiado pela fundação Calouste Gulbenkian, através do seu Serviço de Belas Artes dirigido pelo actor e dramaturgo Carlos Wallenstein. Voltaria muitas vezes a Frankfurt para visitar os meus pais e irmãos também em exílio durante quase 20 anos. Alemanha foi para mim um grande momento da minha vida pela possibilidade de ver e aprender teatro, ópera e bailado quase diariamente.
As temporadas eram recheadas de clássicos e contemporâneos, aí aprendi a observar a vigência dos clássicos gregos que tinha lido quando novo, mas confesso que só os compreendi definitivamente quando os vi representados no palco. Já em Portugal reencontraria os slogans que me traziam a memória do meu país; O Povo Unido Jamais Será Vencido, e logo àquele que nos uniria quase num destino comum Portugal Não Será O Chile de Europa…enquanto a Brigada Victor Jara homenageava com as suas cantigas revolucionárias o cantor chileno assassinado pelos militares após o golpe de Pinochet no Chile em setembro de 1973.
Tal como Sophia eu esperei sem saber-lho por aquela madrugada que ela tão ansiadamente vaticinou;
“Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo”
Nota: Armando Baptista–Bastos (Lisboa, 27 de fevereiro de 1934 – Lisboa, 9 de maio de 2017) jornalista e escritor português.