A PROPÓSITO DO PIO

Esta palavra pode ter vários significados, tais como, devoto, piedoso, caritativo, pia grande para onde escorre o vinho do lagar e ainda o acto de piar de algumas aves, desde o mocho à coruja, porém, se formos mais longe na pesquisa, vamos encontrar Pio e Amedeo um duo italiano dedicado desde Agosto de 1983 à comédia e actuando inicialmente em Foggia no mundo dos cabarés e estâncias turísticas, mas posteriormente na televisão e no cinema.

Pois a versão portuguesa aí está protagonizada pelos antigos presidente da República e primeiro ministro, de seus nomes Cavaco Silva e Passos Coelho, os quais depostos dos respectivos cargos pelo povo português em eleições livres e democráticas, ainda continuam «naquele engano de alma ledo e cego que a fortuna não deixa durar muito» a comportar-se na cómica atitude de se julgarem senhores do poder, se atentarmos nas narrativas produzidas e nos adereços usados.

O ex presidente, o político que mais tempo se manteve no poder, que nunca se engana e raramente tem dúvidas, há dias lá para os lados do Pontal, presenteou a assistência, numa aula dedicada à juventude laranja, com uma frase lapidar demonstrativa do seu desprezo para com os portugueses e duma arrogância desmedida, condimentada com um profundo rancor à democracia, pois quem não tem a sua opinião, a maioria da sociedade portuguesa, «diz bazófias, não argumenta, mas apenas utiliza verborreia ou limita-se a piar».

Certamente é seu convencimento de que os portugueses têm memória curta ou são todos incautos, esquecidos das suas «lições» sobre como destruir a frota pesqueira, a agricultura e a indústria para mais tarde do alto da cátedra nos vir avisar que Portugal deve virar-se para o mar, para o campo e construir mais fábricas. E a corrupção na banca dos amigos que o iam deixando na penúria? Distribuíram milhares de milhões de fundos comunitários nas negociatas e depois, na hora de pagar a factura, ainda vieram bater à nossa porta para a pagarmos?

Na aula do Pontal, Cavaco Silva ainda teve outras brilhantes saídas para a juvenil assistência: «a realidade impõe-se à ideologia», «a realidade ultrapassou-me». Pois foi, a realidade é que, afinal, havia alternativa à crise e ao governo que tanto procurou defender sem olhar aos estragos causados à população portuguesa e à economia nacional, situação agora a melhorar com a reposição de direitos, rendimentos e apoios às empresas.

A sua visão ideológica, enraizada no salazarismo como deriva do fascismo, não incorpora a ideia de que os votos conjuntos da esquerda possam ser tão válidos como os votos dos outros partidos, a Constituição mandou mais do que a sua visão retrógrada, a realidade ultrapassou a sua teimosia e o Parlamento afirmou que havia alternativa à esquerda, a qual aumentou o salário mínimo nacional e vai continuar, o desemprego diminuiu e a eliminação dos cortes salariais, da sobretaxa de IRS, o aumento das pensões e o reforço dos apoios sociais aí estão e vão continuar e não causaram recessão.

Quanto ao outro parceiro da comédia, antigo primeiro-ministro, para lá das mentiras desde a campanha eleitoral que o levou ao poder e passando pelas constantes diatribes sem nexo dirigidas ao actual governo, especialmente quanto à solução governativa encontrada, acabou agora por apresentar a defesa do mentor, ambos desfasados da realidade que os ultrapassou.

Até a própria União Europeia, incapaz de cumprir os desideratos para que, segundo os discursos laudatórios, foi criada não consegue ou não possui vontade política para os cumprir, tais como desenvolvimento económico harmonioso e coesão social dos comparsas, acaba também por tornar desajustados as narrativas das duas figuras de direita aqui mencionadas, sempre atentas, veneradoras e obrigadas quanto a um organismo europeu não cumpridor das suas obrigações.

Por estas razões, o sr. professor de Boliqueime produziu um pio de coruja, ave agoirenta, falhou nas suas previsões e era aconselhável um pouco mais de contenção, análise criteriosa da realidade portuguesa sem recurso à ideologia que professa para não ser ultrapassado pela realidade. E, para já, pode estar sossegado, pois ainda não houve implantação dum regime socialista no nosso País, essa realidade virá com o tempo e quando as condições objectivas e subjectivas o permitirem.