UMA MISSÃO CHAMADA MOÇAMBIQUE

Há experiências na vida do ser humano que só a morte extinguirá e esta foi uma delas, para o bem ou para o mal. Parece que o já distante “4” de Fevereiro de 1967” ainda foi ontem, mas já passaram 56 anos e muita coisa mudou na sociedade portuguesa. Por isso, enquanto viver, não deixarei de recordar aquela manhã de Inverno que marcou a minha juventude e a de muitos outros jovens, companheiros da mesma missão, cujo destino era a actual República de Moçambique, na África Oriental, não muito longe do epicentro da Rota do Cabo; Cabo das Tormentas, primeiro, dada a dureza e o risco de naufrágio dos que se atreviam a desafiar as forças da natureza naquele extremo sul do continente africano. Cabo das Tormentas primeiro, foi a denominação com que se identificaram, tal o risco e o grau de dificuldade que a passagem do futuro Cabo da Boa Esperança representava para a marinhagem. Todavia, uma vez vencido um obstáculo que muitos considerariam intransponível (à data!), o gigante virou “anão” e o até então invencível Cabo das Tormentas e o seu “ariete” Adamastor, foi o ponto alto para que os “bravos” marinheiros portugueses ali fizessem história na busca dos novos mundos que o Portugal quinhentista outorgava ao Mundo, por via de um sentimento pré-determinado de elevar bem alto o nome da Pátria Portuguesa pela via desses mares nunca dantes navegados”.

O contingente militar que dali acabava de partir tinha por base uma motivação forte e inabalável. A expedição integrava o Batalhão 1.906, comandado pelo Coronel Guardado Moreira, a que estavam adstritas as companhias operacionais CCS (Companhia de Comando e Serviços), CC 1653, CC 1.654 (a que eu pertenci) e CC 1.655 lideradas, respectivamente, pelos capitães Santos Preto, António Bilhó, José Manuel Campos e Rui Brandão, estava imbuída do cumprimento de um dever de Imperativos Nacionais à época, ainda que nem todos assim o entendessem.

Tantos lenços a acenar!

Era sensivelmente meio dia quando, ao sinal de um forte buzinão que fez estremecer as redondezas do Cais, o “Niassa” levantava as amarras, deixando para trás um mar de gente em lágrimas; familiares, amigos, esposas, filhos (alguns certamente), progenitores e namoradas. Hoje, à distância de 56 anos, tudo é tão diferente, com o fim das hostilidades, embora as recordações desses tempos não se apaguem facilmente da nossa memória. Porém, a presença portuguesa em África, não pode ser vista somente pelo prisma da visão militarista, já que nos proporcionou também uma grande lição de vida, que nos valorizou em termos do conhecimento humano, através do contacto com outros povos, gente de etnias e culturas tão diferentes da nossa, mas com elos de ligação que perdurarão para além dos séculos, por via da língua que ali deixámos, nos mais diversos quadrantes do território onde nos instalámos. No caso do nosso Batalhão, Marrupa, no norte da actual província do Niassa), no Centro Oeste (região de Tete e fronteira quadripartida Moçambique, Malawi, Zâmbia e Zimbábwe), em termos de operacionalidade concreta. Porém, quando o regresso a “casa” já se vislumbrava, o referido contingente sentiu também o pulsar da sociedade moçambicana em locais como (Namaacha, na fronteira com a Suazilândia), Chibuto, no vale do Limpopo, actual província de Gaza, para além da própria capital de então, Lourenço Marques, que nos acolheu à chegada e à despedida.

Tombados” sempre “lembrados”

No momento do regresso à terra “mãe”, dois anos depois, pisamos de novo aquele místico cais de embarque da capital portuguesa. Porém, o estado de alma não foi, nem poderia ser, igual para todos porque, infelizmente, camaradas houve que já não tiveram a satisfação de sentir a alegria do regresso ao lar, dos abraços e dos beijos dos seus entes queridos.

Creio que não errarei, se disser que houve vítimas em todas as companhias, algumas das quais por acidentes, tão imprevisíveis como lamentáveis. Por isso, neste momento crucial, o nosso pensamento vai para a homenagem devida a todos os que verteram o seu sangue no cenário de guerra. No entanto, à falta de informação mais adequada, apenas citarei os camaradas da CC 1654, pela simples razão de os ter conhecido pessoalmente: Soldados Armando José Gomes (Frezulfe, Vinhais) e José Alberto Fazenda Machado (Cabeceiras de Basto); e 1.os cabos Manuel da Conceição Costa (Baião) e Sérgio Artur Veríssimo (Poiares – Freixo de Espada-à-Cinta).

Os companheiros que pereceram ao serviço da Pátria nunca deixarão de fazer parte das nossas emoções e dos nossos sentimentos. Até porque, na maior parte dos casos, quantos momentos houve em que estivemos envolvidos em tarefas comuns, unidos pelo mesmo sentimento e amor e altruísmo!

Em memória dos que lá caíram em nome de Portugal, PAZ ÀS SUAS ALMAS.