GRIJÓ

Situada a sul, no extremo do concelho de Gaia, fica a freguesia de Grijó e o seu famoso Mosteiro, ao redor do qual se alargou outrora o Couto do mesmo nome. A sua história começa a assinalar-se há dez séculos e meio quando em território portucalense, numa herdade de D. Nuno Soares o Velho, senhor das Terras de santa Maria por direito de presúria, é fundado um convento por seus dois irmãos, os clérigos Guterres e Ausindo, de apelido Soares.

Nos “P.M.H.”, acha-se transcrita uma escritura de doação que os mesmos fidalgos, netos do Conce Soeiro Soares, fizeram ao mosteiro das suas terras de Perosinho em 922 – escritura em cujos termos se lê o seguinte: “Per quos fundabimus Eclesia in vila quos vocitatur Eclesiola”.

Neste documento se prova que já existia a Vila Eclesiola onde se fundou a primeira comunidade religiosa, e portanto já houvera aqui imã Igrejinha, Igrejó ou Eclesiola, origem da dernominação deste lugar deste lugar, do que não se aperceberam os primeiros cronistas, certamente por a igreja conventual ter tomado proeminência sobre a primeira, nos fastos desta terra. Muitas probalidades e uma arreigada tradição atestam que a Eclesiola vem dos primeiros séculos do cristianismo, foi a primeira matriz e cemitério do povo cristão e muito tempo se manteve ainda nas suas funções, independentemente do Mosteiro. O pequeno templo assim designado menciona-se como anexado então a um velhíssimo presbitério, cuja localização era no actual lugar de Anto António.

Desde 922 até à doação de D. Elvira Martins e irmã, em 1064, quando gaia ainda era apontada como cidade do Porto – segundo refere D. Marcos da Cruz – faz-se uma grande lacuna na história do convento, pois não se conhece documento que, nesta época, a ele se refira. Ora durante as guerras sucessivas por aqui travadas entre mouros e cristãos no decorrer do século X, e que estes sítios inteiramente assolaram, fosse o convento eclesionense reduzido a escombros pelos infiéis, como se presume, ou o terror dispersasse monjas, tudo leva a crer que estes a princípio nada tivessem a ver propriamente com a Eclesiola e que só nela viessem a imperar, depois da posse dos seus contos.

Principiado o Mosteiro em 912, no reinado de Ordonho II, rei da Galiza e Leão, dentro de poucos séculos se tornou riquíssimo e poderoso por muitos privilégios, largas doações de nobres, concessões dos primeiros reis e outras aquisições de terras, rendas e foros. D. Teresa doou-lhe em 1128 o Couto de Grijó com o direito Real quem sobre ele tinha; D. Afonso Henriques, os de Brito e de Tarouquela; e D. Sancho I, o de S. Romão anexo à ermida de Nossa Senhora de Vagos. Guerreiros notáveis, os maiores fidalgos do reino e figuras de relevo ligadas à fundação e independência da Nacionalidade por aqui passaram e muitos deles aqui jazem sepultados. Merece especial referência o Túmulo de D: Rodrigo Sanches, monumento nacional de grande valor histórico, por ser um dos mais notáveis dessa época na Península- O ardoroso Príncipe, filho de D. Sancho I e da Ribeirinha, batalhou contra os mouros na conquista do Alentejo e Algarve ao lado de seu sobrinho D: Sancho II, mas veio depois a morrer ingloriamente, junto à cerca do convento, ferido em duelo por Martim Gil de Soverosa. Neste local se levanta o Padrão Velho, hoje monumento nacional, mandado erigir por D. Constança Sanches.

O “Real Mosteiro de S. Salvador de Grijó, da Congregação dos Cónegos Regulares de Santo Agostinho” exercia domínio quase episcopal sobre numerosas igrejas desde o século XII, e não reconhecia a ninguém por superior senão ai Papa. Por esta razão se chamava Nullius Diocesis. Executava a jurisdição cível e eclesiástica nos seus coutos, tendo por isso sala de tribunal, Câmara a Aljube. O Prior do convento era Ouvidor e Alcaide Mor destes julgados onde punha juízes, escrivães e almotacéis. Os habitantes de Grijó tinham antigamente as honras, foros e privilégios de infanções, dignidade pouco menor que a de rico-homem, por pertencerem à Terra de Santa Maria.
Foram os cónegos deste mosteiro que fundaram o da Serra do Pilar em 1543, e logo lhe deram o nome de Mosteiro de S. salvador de Grijó junto ao Porto. Este título perdurou 21 anos.

Em 1843, após as lutas liberais, a organização administrativa de Gaia sofre importante alteração. O velho concelho ou julgado retoma a sua autonomia e independência perdidas no tempo de D. João I em favor do Porto, e dentro da sua área são formados, no mesmo ano, cinco concelhos. A freguesia de Grijó, que pouco antes ainda fora sede do seu velho Couto abrangido também pelas freguesias de Serzedo, Perosinho e S. Martinho de Argoncilhe, é nesta data constituída em município independente, ao qual são anezados os coutos de Crestuma e de sandim. Como primeiro presidente do Concelho de Grijó, é nomeado José Francisco de Oliveira; fiscal, Luís de Sousa; provedor. Manuel Joaquim Borges de Castro. Entretanto este estado de coisas modifica-se e é formada outra vereação, mas como o novo concelho não pode aguentar-se por falta de recursos, vai finalmente incorporar-se no de Gaia, em1837.

A freguesia de Grijó divide-se em 32 lugares e actualmente conta mais de 6.000 habitantes. Teve duas feiras: uma na Póvoa e outra em Vendas. No Largo do Souto da Póvoa, realizava-se a feira emnsal no primeiro domingo de cada mês de gado bovino, asinimo e Suíno; tecidos, ferragens, chapéus, utensílios agrícolas, produtos da região, etc. Segundo se afirma, a origem da feira da Póvoa vem dos primórdios da monarquia e só acabou com a instituição e desenvolvimento da feira de Espinho.

Nos seus tempos de antanho, tudo teve esta terra, de velhas e fidalgas tradições, a que os seus filhos muito se orgulham de pertencer: arquitectos de raro engenho; grandes artistas, cujos nomes se lêem nos primores de arte lavrados em pedra e madeira que ainda hoje se admiram; mesteirais e operários, que a toda a parte onde chegaram, foram sempre os primeiros. Neste número. Quase nos nossos dias, justo é destacar p nome de João Domingues da Silva, falecido no fim da primeira década deste século. Escultor vigoroso em granito e mármore, mas sobretudo canteiro de raro merecimento, foi considerado, no género, um dos maiores artistas de Gaia.

De família aldeã mas abastada, cedo concluiu o curso de desenho numa escola do Porto e logo começou a revelar aptidões artísticas que os mestres enalteciam. NO Porto, em Guimarães, nesta freguesia e noutras em redor, vemos ainda em avultado número estátuas, ornatos e outras obras de arte, manifestações do seu incontestável talento. Nos Pegões que sustentam o tabuleiro superior da ponte D. Luís I, no Porto, nas sãs quatro faces exteriores, salientam-se esculpidas em pedra as armas-reais, brasão em que o escudo português cercado de folhagem, é encimado pela coroa do rei. Por baixo vê-se gravada a legenda: – José D. da Silva de Grijó fez – 1884.

Falemos agora da actualidade.

A manipulação de produtos farmacêuticos foi das primeiras do reino. Nos mais antigos arquivos da farmacopeia portuguesa, lá se encontra anotada a Botica do Mosteiro que até 1770 funcionou junto da casa do Despacho, dentro da quinta, com saída para o Terreiro, precisamente onde depois se chamou porta da torre. É muito interessante a nomenclatura do grande número de medicamentos inventariados nessa data, preparados quase todos à base de extractos biológicos. A título de curiosidade citarei o nome de alguns deles, como; crâneo humano, duas onças, óleo de Gran Duque. Óleo de pedra, espírito de ferrugem, pós do papa Benedito, pós epilépticos, maná de lágrimas, triaga de esmeraldas…

Extinta esta, abriu-se outra botica pertença da família do Comendador Doutor Alves de Castro, em Corveiros, no princípio do século XIX, que foi depositária e continuadora da primeira. Presentemente funcionam em edifícios independentes duas farmácias muito completas: uma quase centenária.

Representada admiravelmente pelos irmãos Silva Neves, da quinta Carioca, temos a secular indústria manual de flores artificiais, inexcedíveis em perfeição e arte, localizada no Loureiro, bem como a ervanária, muito importante e cada vez mais próspera. No mesmo lugar, no primeiro quartel do século passado achava-se em pleno desenvolvimento uma fábrica de curtumes, hoje apenas um nome vago no local – quinta da Fábrica.

Merecem também referência as indústrias de moagem e panificação; e as menos generalizadas de papel, carpintaria, tanoaria, de pinceleiro, etc.

Grijó possui ainda da Casa da Lavoura, como que a continuação do velho e extinto Sindicato Agrícola de S, salvador de Grijó, a qual provê a seis freguesias associadas do Grémio da Lavoura, deste concelho.

Tem dois grupos recreativos: o de futebol Associação Desportiva de Grijó, inaugurado em 1961, e o grupo cénico Mocidade Corveirense. O de beneficiência, Os Amigos dos Pobres de Grijó, tem prestado relevantes serviços à freguesia, bem como a Associação de Socorros Mútuos, fundada há mais de 70 anos.

A música, em todos os tempos, atraiu sempre a juventude grijoense que possui um gosto musical muito desenvolvido e conhecido por largo âmbito. Grijó, que teve outrora músicos e cantores de nomeada, foi o centro donde irradiou esta arte para as freguesias circunvizinhas. Já aqui funcionaram três grupos dramáticos ao mesmo tempo. A Tuna Orfeão de Grijó, sob a regência do professor Joaquim Teixeira, celebrou há poucos anos as suas bodas de ouro. Presentemente várias troupes musicais, juntamente com esta, constituem o excelente e numeroso grupo. Os Amigos da Música, que em visita a várias terras dom país, vem sendo admirado e aplaudido por milhares de pessoas.

A instrução, mesmo em remota época. Manteve-se sempre num certo grau digno de apreço. Clérigos, doutores e letrados de bons misteres, daqui naturais, já são mencionados em antiquíssimos documentos. Esta cultura era originada e fomentada na escola dos Cónegos que administraram sempre a famílias fidalgas e ilustres. Extinto o Mosteiro, ficou a boa semente confinada a oficiais mais humildes como fossem os mestres-escolas e os mestre-régios. Deste últimos, salienta-se na segunda metade do século passado Mestre Petrunhas, o mais competente e afamado desses antigos obreiros. Actualmente, em três edifícios escolares, dois dos quais do planos dos Centenários, leccionam 17 professores oficiais. A Escola central de santo António que funcionou 50 anos no velho edifício do sagrado Coração de Jesus, foi durante muito tempo uma das mais cumpridoras e modelares do concelho.

O desenvolvimento urbano e rural, nesta terra tem marcado. Por iniciativa das Juntas de Freguesia e comparticipação da Câmara Municipal, construiu-se o bairro económico de 20 casas “Américo de Oliveira” em 1948; alargou-se a Avenida do Mosteiro e pavimentou-se a paralelipípedo, assim como quase a totalidade da estrada que das Vendas endireita a Espinho; o mesmo o arranjo com subsídio do Estado, está projectado para a estrada de Corveiros; numerosos e modernos edifícios, que se constroem continuamente, aformoseiam os lugares.

O solo é fértil, sendo digna de menção a actividade agrícola de algumas quintas – em especial a grande quinta do Mosteiro – e de importantes casas de lavoura, do que resulta excelente e abundante produção de leite,cereais, batatas e legumes. Em extensos e bem cuidados pomares, criam-se deliciosas e bem reputadas frutas que concorrem para o abastecimento dos mercados do Porto, Carvalhos e Espinho.

Foi publicado ultimamente um livro – “Júlio Dinis e o Enigma da Sua Vida” – da minha autoria, impresso em 1958, ao qual convém fazer aqui uma breve referência. Começava eu, então, por me dirigir ao público da seguinte maneira: – Júlio Dinis e Grijó é um tema ainda não conhecido, um assunto de vivo interesse. Nesta freguesia deixou o grande escritor portuense bem assinalada a sua passagem e prováveis indícios de se ter inspirado em factos obbservados e verdadeiros, pata todas as suas crónicas de aldeia. Corria a tradição de que ele se finara por amor de Henriqueta Maria do Rosário, pupila do Reitor da freguesia.

Passo depois a desfiar um rosário de nomes, personagens que aparecem nas suas obras, e que eu com razões verosímeis localizo Grijó, tais como: Vicente Ervanário, Morgado das Perdizes, Mestre Petrunhas, Herodes e Madalena; e o Sr. Reitor, Dr. João Semana, Margarida, etc. Impossível é, neste exíguo espaço, alongar-me em demonstrações mais convincentes. Por conseqguinte, limito-me aos judiciosos dizeres da crítica, que em poucas palavras definiu o que bastante trabalho me custou a realizar: – “A localização das novelas de Júlio Dinis, sobretudo de “As Pupilas do Senhor Reitor” e de “A Morgadinha dos Canaviais”, na freguesia de Grijó, nos arredores do Porto, está feita em termos indiscutíveis. A parte mais brilhante do livro…é aquela que se refere à paixão que o romancista dedicou a Henriqueta Maria do Rosário Correia da Silva, pupila do Reitor de Grijó.

 

*Escrito em 2011