Até provarem o contrário acredita-se que um português, filho de João Vaz Corte-Real, no começo do século XVI navegou por estas águas da Baía de Mount Hope.
Ao entrar praticamente na foz do rio Taunton, na margem nascente teria visto, pelo menos, duas formosas cascatas. Talvez ali tivesse descido em terra, para se abastecer de água fresca. Além disso, podemos colocar nas dúvidas e nas hipóteses ter sido ali, onde o rio Quequechan desagua, que Miguel Corte-Real teve o primeiro contacto com os índios desta região, que mais tarde o nomeariam chefe, segundo a teoria que alguém defende.
Encontrava-se na nação Wampanoag e em território maioritariamente ocupado pela tribo Pocasset, sem isso querer dizer que antes de ali chegar não tivesse visto Sakonnets e Pockanokets, ou outras tribos de indígenas da mesma confederação, até mesmo aquelas do Cabo dos Bacalhaus e ilhas adjacentes.
Daquele ponto do rio que cai na água da maré até ao local onde estava situada a Pedra de Dighton, indo rio Taunton acima, deve ser uma distância inferior a dez milhas. Se o navegador veio para a América do Norte à procura do irmão em 1502 e as inscrições da pedra têm a data de 1511, estamos a falar de nove anos, o que nos leva a pensar que entre ele e os seus homens alguém deixou descendência de sangue português em tribos indígenas norte-americanas.
As principais inscrições da pedra, interpretadas por Edmund Delabarre e acreditadas por outros que têm seguido o seu raciocínio, abreviadas e escritas em Latim, numa tradução ao Português diriam: “MIGUEL CORTEREAL pela vontade de DEUS aqui CHEFE dos ÍNDios 1511”.
Ao acreditar tudo isso percebemos, então, a amabilidade dos índios um século depois, para com os peregrinos que aportaram no Cape Cod e fizeram assento em Plymouth, Massachusetts no ano de 1620. Daqui surge o enredo do qual nos vamos desviar, evitando assim, conflitos das mais variadas espécies. É que, há por aí muita gente de boa vontade a culpar os europeus de ter trazido para a América as mais variadas doenças, esquecendo-se que é descendente daqueles portadores – uma raça, por assim dizer, maculada do pecado original. Mas vamos ao que interessa:
Cerca de cinco ou seis gerações após a chegada de Miguel Corte-Real governava a tribo Pocasset o sachem Corbitant, numa altura em que surgiu uma grande epidemia que, segundo alguns historiadores matou dois terços da população Wampanoag. Corbitant não deixou descendência masculina, mas sim duas filhas: Weetamoo e Wootonekanuske. Também conhecidas por outros nomes, mas optamos por estes por serem os mais usados entre os historiadores.
Weetamoo nasceu a sul do rio Quequechan, onde a família tinha o seu assento principal, entre 1635 e 1640. Sabendo de antemão que sucederia a seu pai na liderança do povo Pocasset, para além do trabalho das mulheres aprendeu a lutar, a caçar e pescar, ao mesmo tempo tomando para si todas as qualidades do pai na diplomacia e na liderança.
Para reforçar seu poder e estatuto social casou cinco vezes. Todas elas com homens de grande impacto na sociedade. O seu primeiro casamento foi com o sachem dos Saugus, Winnepurket, que morreu pouco tempo depois do casamento. O seu segundo marido foi Wamsutta, filho mais velho de Massasoit, grande chefe da confederação Wampanoag.
Por sua vez, Wootonekanuske, a irmã de Weetamoo, casou com o outro filho de Massasoit, chamado Metacom.
Quando Massasoit morreu, em 1661, a tribo Pocasset tinha grande poder no centro de Wamponoag. Wamsutta torna-se o Grande Sachem.
Mas os problemas começam a agravar-se: mais exigências por parte dos colonos ingleses, que se estavam a multiplicar aceleradamente, e os sucessivos ataques de tribos de confederações rivais.
Em 1662 Wamsutta, a quem os ingleses chamavam de Alexender foi levado a Plymouth (MA) para responder por um crime qualquer sobre vendas de terras. Subitamente lá ficou doente e acabou por morrer. Metacom e sua cunhada acharam que ele fora envenenado pelos ingleses, e a partir de então as relações entre indígenas e colonos nunca mais foram confiáveis.
Com a morte de Wamsutta, seu irmão Metacom torna-se o grande chefe do povo Wampanoag. Os ingleses deram-lhe o nome de King Philip. Entretanto Weetamoo casara-se novamente. Desta vez com Quequequanachet. Sobre ele e a respetiva duração desta união matrimonial pouco se sabe. Mas os historiadores são unânimes a contar que ela acabou com o seu quarto casamento porque o marido, Petonowit, tornou-se um forte aliado dos ingleses quando as tensões entre ambos os povos estavam em pé de guerra. Aqui surgiu na sua biografia o quinto marido, de nome Quinnapin, filho do sachem de Narragansett, grande inimigo dos ingleses. Estavam assim reunidas as condições para começar a tão falada Guerra do Rei Filipe (King Philip War).
Em 1675 e 1676 Metacom, Weetamoo e Quinnapin lideraram vários ataques contra os colonatos ingleses em Rhode Island, Massachusetts e New Hampshire.
Mary Rowlandson (1637-1711) – uma inglesa que fora raptada pelos índios, em Lancaster, Massachusetts, nas suas “Memórias do Cativeiro” descreveu Weetamoo nestes termos: “Uma dama severa, soberba e orgulhosa, dando-se ao luxo todos os dias a vestir-se tão bem como qualquer outra da nobreza da terra: tratando o cabelo, pintando o rosto, indo com colares, com joias nos ouvidos, e pulseiras nas mãos”.
Os índios, que a bom ritmo tinham iniciado a guerra, depois de uns fortes contra-ataques por parte dos ingleses foram enfraquecendo. Em manobra estratégica Weetamoo deixando os seus guerreiros em Taunton (MA), pôs-se em fuga para leste, atravessando o rio Taunton, na noite de 2 de Agosto de 1676. Desconhecendo a causa da sua morte os historiadores limitam-se dizer que foi por afogamento. Não conseguiu chegar à outra margem. A prova disso foi, no dia seguinte terem os soldados ingleses encontrado o seu corpo na margem poente do mesmo rio, mais a sul, em Somerset. Ali foi esquartejada, e a sua cabeça enviada para Taunton, hasteada em um pau, para ser mostrada aos índios, seus guerreiros. Estes, ao ver a cabeça da chefe choraram amargamente, e a causa das suas lutas chegou à reta final.
Por sua vez, Metacom foi assassinado aos 20 de Agosto do mesmo ano, no Mount Hope (Bristol, RI). Dependurado pelos pés, também foi esquartejado, e a sua cabeça foi levada para Plymouth, onde esteve exposta ao público por cerca de duas décadas.
Até à morte do Rei Filipe, pelo menos 750 Wampanoags foram mortos durante a guerra, e os índios capturados foram vendidos à escravatura. Porém, a guerra continuou nos confins mais a norte da Nova Inglaterra até à assinatura do Tratado da Baía de Casco em Abril de 1678.
Em termos de população, este foi o conflito mais sangrento da história americana. Cinquenta e duas povoações inglesas foram atacadas, uma dúzia foi destruída e mais de 2.500 colonos morreram – talvez 30% da população inglesa da Nova Inglaterra. Quanto à contagem de índios mortos, calcula-se pelo menos o dobro daquele número.
Com a “Compra do Homem Livre”, em 1653 foi estabelecida pelos ingleses na Baía de Assonet a povoação de Freetown, que em 1683, depois da Guerra do Rei Filipe, foi incorporada na Colónia de Plymouth, cujo território se estendia dali para o sul, até à margem norte do rio Quequechan. Do outro lado do rio era terreno de Tiverton, que por sua vez passou a fazer parte de Freetown a partir de 1694, debaixo da jurisdição da Colónia da Baía de Massachusetts. Eis a razão porque alguns historiadores ou estudiosos apontam Tiverton como local de nascimento de Weetamoo, sem restar dúvidas de que o espaço do rio Quequechan era o seu assento principal – o seu campo de verão, como dizem alguns.
Quequechan é uma palavra da língua algonkiana, que falavam os índios desta região. Significa “água caindo”, ou “água que cai”. De facto, este rio, que tem menos do que 3 milhas de extensão tinha oito quedas no percorrer da sua última meia milha.
Segundo nos afirma Alfred J. Lima, no seu livro “A River and its City”, o conjunto de cascatas que fazia a tal queda de 130 pés, era diferente de qualquer outra no sul da Nova Inglaterra, tornando-a, por assim dizer, maior do que qualquer queda-de-água a leste dos Berkshires (oeste de Massachusetts) e a sul das Montanhas Brancas (norte de New Hampshire).
Ainda segundo Al Lima, as águas em queda – o que os povos indígenas chamavam de Quequechan – foram o que atraiu os primeiros colonos brancos para a região, sendo estes os primeiros tradutores do seu nome, pelo que passou a chamar-se de Fallriver.
Em 1703, Benjamin Church, que havia participado na Guerra do Rei Filipe, ergueu nas quedas de água uma serração de madeira, depois um moinho, e mais tarde um outro engenho.
Uma das características deste rio, para além de ter riscos praticamente nulos de inundações é o facto do seu leito ser rochoso, todo em granito, facilitando, assim, a construção dos alicerces destas fábricas em cima dele próprio, para que as rodas que movimentam as engrenagens estivessem em contacto direto com a água.
Em 1714 Benjamim Church vendeu as suas terras, incluindo os direitos da água a Richard Borden, de Tiverton, e ao seu irmão Joe. Uma venda digna de registo que veio a beneficiar a família Borden de tal maneira que, cem anos mais tarde era uma das famílias mais importantes da área, pioneira e líder no desenvolvimento da indústria têxtil em Fall River.
Entretanto, enquanto crescia o número de engenhos no rio Quequechan e nas imediações, e ao mesmo tempo que a família Borden mais se enriquecia, os índios que sobreviveram à Guerra do Rei Filipe, por se terem colocado ao lado dos britânicos, foram postos em terreno reservado a sudoeste do lago Watuppa. Uns tempos depois a reserva foi transferida para o outro lado do lago, em westport, vindo a ser extinta no início do século XX.
No decorrer da Guerra Revolucionária, aos 25 de Maio de 1778 deu-se a Batalha de Freetown, em Fallriver. Cerca de cento e cinquenta soldados ingleses que navegavam na Baía de Mount Hope atracaram perto da foz do rio Quequechan. Depois de uma troca de tiros alguns britânicos desembarcaram para cercar a aldeia, queimando, entretanto, algumas propriedades da família Borden (casas moinhos e serrações e outros engenhos), e fazendo um prisioneiro, que depois foi libertado quando apareceu o auxílio da milícia colonizada do posto de Tiverton. Consta que os colonos não tiveram perdas para além dos seus imóveis queimados. Os britânicos, sofrendo duas baixas, acabaram por se retirar completamente do território de Freetown.
Ainda no mesmo ano de 1778, a aldeia de Fallriver foi visitada pelo Marquês de Lafayette, a convite de Thomas Durfee. A casa Thomas Durfee já era apontada como referência da pequena localidade que aos poucos e lentamente via a sua população crescer. Segundo várias opiniões o general Lafayette foi recebido nesta casa mais do que uma vez.
(continua na próxima crónica)