A MEDICINA INTERNA NÃO TRATA O DOENTE, APENAS RESPEITA-O

O Dia Mundial do Doente foi instituído com o intuito “de apelar à humanidade para que seja promovido um serviço de maior atenção à pessoa doente”.

A especialidade de Medicina Interna serve bem este objetivo. O internista é, no hospital, o verdadeiro gestor do doente, atendendo os doentes complexos na sua dimensão global. Trata-se, basicamente, do “maestro” da orquestra em dois sentidos, porque não olha apenas o “órgão”, mas faz a abordagem global de todos os órgãos e sistemas e, por isso, vê a pessoa como um todo e consegue conjugar as opiniões e orientações das diversas especialidades, integrando-as naquele doente concreto. Com esta abordagem, necessariamente, é o médico mais vocacionado para também dar a palavra amiga, atentar nas necessidades da família e do doente, colocando-o no centro da sua atenção e no centro do sistema de saúde, lutando por modelos de organização que privilegiem o tratamento integral do doente, daquele doente.

Nos tempos atuais, os doentes são cada vez mais complexos, portadores de múltiplas doenças crónicas e, portanto, mais sujeitos a descompensação. A Medicina Interna está na primeira linha do atendimento destes doentes no hospital, pois é a maior especialidade médica hospitalar, com 2.600 especialistas inscritos na Ordem dos Médicos. Os serviços de Medicina Interna são responsáveis por 43 por cento de todas as altas hospitalares, 70 por cento dos AVC’s internados, 80 por cento das insuficiências cardíacas, doenças pulmonares obstrutivas crónicas, pneumonias e lupus, e 30 por cento dos doentes diabéticos internados nestes serviços.

Os médicos de Medicina Interna estão presentes em todos os hospitais do país. O internista está onde o doente precisa dele, nos internamentos hospitalares ou no domicílio, nas consultas, no serviço de urgência, na emergência, na consultadoria ao doente internado nos serviços de especialidades médicas e cirúrgicas, nos cuidados continuados, nos cuidados intensivos ou intermédios, nos hospitais de dia ou nos cuidados paliativos.

Quer naqueles com doença crónica, quer na circunstância de uma patologia aguda, os doentes devem ter uma resposta contínua, integrada, preventiva, centrada. Por isso, o modelo atual de organização hospitalar, quase sempre espartilhado por órgãos ou sistemas, é inadequado. Os doentes deveriam ser admitidos em departamentos geridos pela Medicina Interna, que coordenaria a intervenção das outras especialidades.

Exemplo dos doentes que tipicamente o internista cuida são os idosos, com as suas patologias crónicas que, muitas vezes, mantêm um equilíbrio ténue. É aquele doente que tem insuficiência cardíaca e doença pulmonar crónica, pode até estar equilibrado da sua diabetes, mas que fica com gripe, o que basta para que tudo se desequilibre. Além disso, tem uma história de quedas frequentes: será que fez algum traumatismo; a pressão arterial está muito baixa; toma a medicação prescrita; estará polimedicado? A somar, sabe-se também que existem dificuldades económicas, está desnutrido, vive sozinho e está deprimido e um pouco desorientado. A tudo isso o internista tem de estar atento, quer saber e vai querer resolver. A seguir vai selecionar as melhores terapêuticas, individualizadas para aquela pessoa e que lhe poderão permitir uma melhor qualidade de vida e a manutenção do seu estado funcional, sustentadas no respeito das preferências de cada doente.

Outro exemplo é um doente mais jovem, que tem dores nas articulações, que se sente cansado, tem anemia, tem tido mais infeções do que seria normal, tem alterações na pele, umas “manchas”, “alergias”, está ansioso porque não sabe o que tem, mas sente-se mal. Fez alguns exames e já consultou vários especialistas, mas continua sem perceber o que se passa. Igualmente aqui o internista pode juntar todas as “peças” e diagnosticar, talvez uma doença autoimune sistémica. Neste doente também haverá necessidade de atender todos os aspetos da doença, incluindo os psicológicos, familiares e sociais. Com este doente, como com todos os outros, serão discutidas as opções terapêuticas, ouvidas com atenção as preocupações, ainda que muitas vezes os constrangimentos económicos dificultem as escolhas terapêuticas ou as pressões de tempo atrapalhem estes momentos de comunicação e de fortalecimento da relação médico-doente, tão necessários à confiança e contribuindo para um melhor êxito do tratamento.

Os internistas tratam o doente e respeitam o conceito de saúde na definição da Organização Mundial de Saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente ausência de afeções e enfermidades”. Olham a pessoa na sua globalidade e diversidade. Por isso, o internista continuará a ser, sem dúvida, a base confiável do Serviço Nacional de Saúde no hospital, mantendo o seu paradigma do conhecimento profundo e científico das doenças, aliando competência a cada vez mais conhecimento.