As Artes Plásticas não se podem queixar muito da falta de apoio da Câmara de Gaia durante os três executivos liderados por Eduardo Vítor Rodrigues. Foi durante os seus mandatos que a Cooperativa Artistas de Gaia viu concretizado o sonho e a ambição de realizar uma Bienal Internacional de Arte, hoje considerada como um dos mais importantes acontecimentos culturais do concelho, da região e do país. Por outro lado, tem havido nos últimos anos um crescimento acentuado do número de exposições e outras atividades de promoção das várias artes plásticas, da fotografia ao vídeo, da pintura à escultura, do vídeo à instalação, para o que tem contribuído, em muito, um protocolo de colaboração com a Fundação de Serralves, que nos permite ter acesso localmente a algumas obras da sua vastíssima coleção. Releva-se ainda o facto de a Casa-Museu Teixeira Lopes/Galerias Diogo de Macedo ter sabido nos quatro últimos anos alcançar uma maior abrangência e diversificação de públicos na sua meritória atividade, intensificando a oferta expositiva e evidenciando uma maior e mais efetiva preocupação com a realização de iniciativas de carácter educativo. Ao mesmo tempo que a WOW tem trazido até nós algumas obras de grandes criadores. Mas a maior responsabilidade pela afirmação das artes plásticas no nosso concelho deve-se, sobretudo, à Bienal de Gaia, que prepara já a sua sétima edição, mantendo o perfil adotado desde a primeira mostra, em 2015, assumindo-se como um lugar de reflexão sobre a sociedade e os seus problemas atuais. Porém, entre o conjunto das artes plásticas, temos tido um “parente” pobre, a que importa dar mais atenção: a Cerâmica!
O novo museu a ser erigido num dos terrenos da antiga Fábrica de Cerâmica das Devesas com uma área de 13.500 metros quadrados, que começou por se chamar “simplesmente” Museu da História de Gaia e da Cerâmica, ganhou inesperadamente o pomposo nome de Gaia Museu-Ambiente e passou a ter como principal tema as questões ambientais. Como se podia ler no site oficial do seu concurso de conceção, o projeto “deverá constituir-se como uma referência nacional e internacional ao nível da arquitetura, da inovação tecnológica, da comunicação, da eficiência energética e da sustentabilidade ambiental” (sic). Mas para que ninguém se atreva a dizer que o município ignorou os seus propósitos iniciais, também se lia que o projeto deverá ser capaz de “integrar as pré-existências industriais, enquanto memória da história e do local”. A verdade é que esta alteração abre portas a um elevado risco de nos confrontarmos no futuro com um projeto híbrido, focado em múltiplas frentes de intervenção, que poderá acabar por diluir em pouco mais do que nada o grande objetivo que determinou a luta empreendida desde 1986 pela classificação do que resta daquele complexo fabril em monumento nacional. O que se pretendia era a salvaguarda da história de uma das mais importantes estruturas fabris do país ligadas à cerâmica, indústria que teve um papel determinante no desenvolvimento no nosso concelho. E, para isso, impor-se-ia a criação de condições que facilitassem a realização de um profundo estudo do setor e sua evolução ao longo de todo o século XX, o que permitiria fazer com o máximo rigor o retrato de uma época, de um estilo e de uma visão social que marcou definitivamente a história de Gaia. Por outro lado, lamenta-se que a aquisição do terreno para a implementação deste projeto tenha deixado de fora uma área de 3.000 metros quadrados, entre a rua Conselheiro Veloso Cruz e a linha de caminho de ferro, que albergava os fornos da antiga cerâmica. Perde-se assim um importantíssimo pedaço da história de Gaia, que foi líder da indústria cerâmica no nosso país, com mais de quarenta unidades em plena laboração no século XIX, a sua maioria com ligação aos movimentos artísticos centrados nas figuras de Soares dos Reis e Teixeira Lopes, como foi o caso da Fábrica de Cerâmica das Devesas, fundada em 1869 e que se manteve em laboração até meados do século XX, um património que se foi degradando de forma acentuada a partir daí e até aos nossos dias, ao mesmo tempo que era alvo de derrocadas e pilhagens que comprometeram de vez a sua integridade, sem que nada fosse feito de relevante para o evitar. Lamentavelmente, digo eu!…
Lamentável é também o estado a que se deixou chegar a Casa Ateliê de Soares dos Reis, um lugar de grande carga histórica, que há muito se desejava que se transformasse num espaço vivo e dinâmico que fizesse dele uma referência cultural a norte do país. Na verdade, não estava em causa apenas a recuperação de um edifício arquitetónico do século XIX, mas sobretudo a reabilitação da memória de um dos maiores génios artísticos do nosso pais, autor de uma obra riquíssima. Em novembro de 2021 chegou, enfim, a boa nova. Um apoio de fundos comunitários permitiu a abertura de um concurso para que se iniciasse finalmente a requalificação do imóvel, com conclusão prevista para o verão de 2022, na qual se apostava também na construção de um pequeno edifício no logradouro, voltado para o Porto e com vista magnífica para o rio Douro, com espaços de diferentes valências, designadamente áreas expositivas. Mas… a falência do empreiteiro que ganhou o concurso fez voltar tudo ao ponto de partida, acrescentando mais um ponto negro à história deste edifício histórico, assunto a que dedicarei a próxima crónica à atenção dos candidatos à presidência da Câmara de Gaia.