O LAGO

Não deves recusar o esforço, porque ele é um caminho.

Num lugar que terás de descobrir, e que fica sempre alto e longe, existe para ti uma lagoa meio escavada na rocha, com relva muito verde em parte das margens e cantos alegres de pássaros calmos.

Encontram-se lá os que amas, fortes e generosos. Sorridentes.

Há sol e também a sombra ampla de altas árvores. Por cima, apenas o céu, à distância de um último impulso.

Não é um destino inevitável, mas um lugar onde és esperado e que podes, ou não, alcançar, conforme a medida do teu desejo. Só quando lá chegares terás adquirido toda a tua envergadura. Somente lá te encontrarás contigo mesmo.

Existes para chegar a esse lago. Os teus olhos são capazes de pousar nas suas águas limpas e ver nelas aquilo que por enquanto apenas adivinhas.

Não podes querer mal aos caminhos que conduzem a esse lugar, embora sejam escarpados e se torne impossível evitar ferimentos e cansaços quando se segue por eles. Se o teu desejo de chegar for mesmo grande, nenhum sofrimento te parecerá insuportável.

A dor toma formas diversas e parece um inimigo, mas está ao teu serviço. Ela constrói-te, marca-te os limites e faz-te crescer por dentro dos teus muros.

Sem ela, não passarias de um projeto do homem que queres ser. Ela edifica-te os músculos, a cabeça e o coração, e não existe outra maneira de chegares lá acima e te cumprires.

Sem alguma medida de sofrimento, não haveria ninguém dentro de ti.

No cumprimento sério dos teus deveres, encontrarás a dor na forma de esforço e de cansaço. Talvez de frustração e desilusão. Ou de pequenas injustiças. Mas pode muito bem ser que, tarde ou cedo, ela te procure sem disfarces e te faça chorar ou gemer. É frequente que se apresente assim, numa nudez que parece cruel.

Mas nem por isso te deves assustar ou desistir.

Se algum dia te parecer que tudo está perdido, ri-te, se puderes. É que te está a ser oferecido um degrau que te deixará incomparavelmente mais acima no caminho. Deves ver nisso o sinal de que, por qualquer razão, é tempo de andares depressa.

Pelo menos, não te queixes. Lembra-te de que há metamorfoses assim, que parecem aniquilar, mas não passam de uma maneira de fazer surgir a borboleta.  Não te queixes, porque receberás umas asas e novas cores.

Esse lago, de onde de tão perto se pode olhar o céu, tem um preço que não é demasiado grande.  Assim que alguém decide partir e se põe a caminho, tem consigo qualquer coisa que é própria dos que chegaram: uma certa forma de olhar para tudo; uma luz que se acende por dentro e se nota muito bem de fora.

E nem haverá problema se a morte te encontrar assim, inclinado ainda no gesto de subir, pois já tens em ti o teu lago, na imagem dele que te fez partir.