O MARIALVISMO SERÔDIO

Como é de conhecimento generalizado a presidente do CDS assinou um acordo de coligação com o Movimento Partido da Terra e com o Partido Popular Monárquico, concorrendo assim os três em Lisboa nas próximas eleições autárquicas.

Com pompa e circunstância, a sede do CDS no Largo do Caldas serviu para a assinatura da referida coligação e, na altura, pelo Movimento Partido da Terra, assinou José Inácio Faria, deputado no Parlamento Europeu eleito na lista encabeçada por Marinho e Pinto, o qual, embora crítico quanto aos outros partidos, criou o seu próprio, «obrigando» então Inácio Faria a optar por se juntar a Assunção Cristas, certamente sensibilizado com o convite que lhe foi endereçado com essa finalidade e entrando para esta aliança, à qual se juntou ainda o fadista Gonçalo da Câmara Pereira, acumulando também com a função de vice-presidente do Partido Popular Monárquico e tendo, nessa qualidade, colocado a sua assinatura no acordo e aproveitando o ensejo para elogiar de forma entusiástica e marialva a sua aliada Assunção Cristas.

Para os leitores poderem avaliar melhor o conteúdo profundo do panegírico proferido, aqui se reproduzem algumas das suas peças mais exultantes e após o autor ter defendido que «para trabalhar usa-se saia larga ou, se necessário, calças e, pese embora a experiência académica, social e política da candidata, acima de tudo é uma mulher casada que provou como a maioria das portuguesas pode trabalhar e ter filhos já que não descurou o trabalho e não descurou a casa», acrescentando que «Lisboa é, neste momento, agradável à vista e fotogénica, mas de espartilho e saia travada, com dificuldade em respirar e andar, não trabalha e vive da foto».

Entusiasmado, Gonçalo Pereira, continuou repetindo «Como mulher, a doutora Assunção Cristas sabe bem que, para se trabalhar, não se pode usar espartilho nem a saia travada, a saia tem de ser larga e, se necessário, vestir calças, calças que ultimamente não se sabe onde andam, custam a ver”, talvez referindo-se a problemas de indumentária fresca, actual e adequada no seu próprio partido.

Perante este arrazoado, a candidata empolgada aceitou de bom grado e cumplicidade essa prosa mesquinha provavelmente considerando, de forma convicta, que o seu dever é somente viver para cuidar da casa, dos filhos, do marido, trabalhando sim, mas de saia larga como antigamente e até respondeu, de forma sorridente e sobranceira, dizendo «eu tenho calçado botas e calças de ganga muitas vezes para estar nos bairros sociais».

Talvez por instinto, resolveu depois emendar a mão e, regressando à política, afirmou «pensar numa Lisboa do século XXI é uma Lisboa que olha em primeiro lugar para aqueles que são mais pobres e em situação de maior carência, que estão na Lisboa esquecida e abandonada por dez anos de governação socialista», esquecendo-se, porém, que ajudou o anterior governo, durante quatro anos, a empobrecer a esmagadora maioria dos portugueses e o País e contribuiu para desalojar muitos cidadãos dos tais bairros sociais que percorria de botas e calças de ganga, pois sempre preferiu ser fiel à caridadezinha, sobrepondo-a à dignidade, à igualdade de oportunidades e à igualdade de género.

Está, portanto, a candidata bem coligada nos tempos de hoje em que se procura a inclusão, formando uma aliança de direita com iluminados marialvas do antigamente, todos incapazes de compreender que o mundo mudou, pula e avança para mais justiça social, mais igualdade e fraternidade e não para retroceder mentalmente, aumentando as desigualdades, as injustiças sociais e os preconceitos.

Pelos vistos, a candidata tem andado noutro planeta na saudosa procura dos tempos idos e ainda não se deu conta de que a mulher de hoje, depois de muitos anos de intensa luta pela emancipação, igualdade de direitos e respeito que merece como mulher, mãe e trabalhadora, já não se encontra em estado de aceitar, muito menos permitir, manifestações de machismo serôdio, em nada condizentes com o nosso tempo.

Não nos surpreende que Assunção Cristas alguma vez tivesse a ousadia de participar em qualquer acção de luta emancipativa ou sequer lido algum compêndio de História moderna.