O “NOVO” ARCO DA BRUXA (OLIVEIRA DO DOURO, VILA NOVA DE GAIA)

Vem de tempos imemoriais a existência deste curioso elemento arquitetónico na freguesia de Oliveira do Douro, em Vila Nova de Gaia. Na verdade, ele fazia parte de um pequeno aqueduto que se destinava à condução de água entre quintas e, originalmente, localizava-se no Lugar do Eirado (Gervide), mais concretamente na rua que, atualmente, tem como direção a empresa municipal Águas de Gaia. De acordo com a tradição popular, o nome com que fora batizado advém do facto de as lavadeiras, pela madrugada, e indo para o ribeiro que proximamente lhe corria, se comportarem como “bruxas”, já que falavam e riam alto, assustando os trabalhadores que por lá passavam. Os sustos ganharam fama e o arco também!

Com a reabilitação urbanística do lugar onde se implantava o Arco da Bruxa, este foi transferido e remontado num outro, no do Areinho de Oliveira do Douro, mesmo em frente à Fonte das Devesas que, também, não lhe pertencia. Mas, juntos, conviveram maritalmente mais de duas décadas, o que não nos surpreende, pois quer um, quer outro tinham pontos em comum. Não sabemos se esta união primava por um regime de comunhão de bens, no entanto uma coisa é certa: nos imensos registos fotográficos de que foram alvo ao longo dos anos, partilharam créditos e protagonismo de forma igualitária!

O divórcio aconteceu recentemente. No passado mês de julho de 2021, e fruto de uma proposta apresentada em Assembleia de Freguesia, em data que desconhecemos, a qual contemplava a recolocação do Arco da Bruxa no seu lugar original; o plebiscito foi unânime: o Arco da Bruxa voltaria ao antigo Lugar do Eirado! Convém, em primeiro lugar, esclarecer que o Arco da Bruxa, em termos arquitetónicos, sempre se tratou de um arco de volta perfeita, uma tipologia, aliás, já difundida desde o tempo dos romanos… No topo deste, assentava um “caneiro” que fazia a condução de água, mas que, já com a primeira transferência e desmontagem do arco, se perdeu. Desta vez, perdemos mais! Acontece que de arco de volta perfeita, temos, agora, um arco quebrado e assimétrico, em estilo “pró-gótico”. As pedras, curiosamente, estão de “cara lavada”, mas os mais atentos compreenderão uma a duas coisas: não foram colocadas corretamente e, provavelmente, muitas não serão as originais. Além disso, optou-se por revestir excessivamente os espaços entre as pedras com cimento, o que nunca foi solução na construção original e, de facto, não existem relatos e/ou testemunhos do arco alguma vez ter ruido por esta ausência de revestimento. Há uma pedra, aliás, que é preponderante neste tipo de estruturas: a “cunha”. Situada mesmo a meio do arco, é esta que faz a ligação e a articulação com os restantes elementos pétreos, conferindo-lhes, por exemplo, durabilidade e resistência. Dispensa, deste modo, revestimentos e, a existi-los, seriam sempre ocultados. Esteticamente é mais agradável.

Mas como é que isto aconteceu? O que poderia ter sido feito para o evitar? Qual é a solução agora?

Embora o Arco da Bruxa não aufira de qualquer classificação, quer pelo município de Vila Nova de Gaia, quer pela Direção Geral do Património Cultural (DGPC); que o proteja e enquadre em termos legais (como Imóvel de Interesse Municipal e/ou Público, por exemplo), o certo é que a sua antiguidade, bem como o facto de estar presente na memória coletiva e continuar a despertar interesse e sentido identitário ao longo de várias gerações; exigem que o seu manuseamento seja cauteloso, responsável e devidamente acompanhado (quer a nível técnico, quer a nível científico). Não foi o caso. Neste tipo de procedimentos, é necessária a presença de técnicos especializados (arqueólogos, por exemplo) que, entre outras tarefas, ficarão responsáveis pela elaboração de um plano prévio, onde avaliarão a viabilidade ou não da operação; marcação de todas as pedras que compõem a estrutura, execução de registos fotográficos vários (gerais e de pormenor), desenhos técnicos e acompanhamento de todo o processo de montagem. Estas tarefas, morosas, garantiriam que a configuração original do arco não fosse alterada e/ou destruída, nem tampouco se perdessem elementos pétreos. A “lavagem” das pedras que, hipoteticamente, pode explicar a sua coloração atual também não deve ser realizada recorrendo a “jatos d’água”. Se o objetivo passava por remover líquenes e/ou musgos, a utilização de escovas era suficiente e altamente recomendado. O facto é que recorrer à água em grande pressão, contribui para a alteração da morfologia dos elementos pétreos. O mal está feito e os danos, quando muito, podem ser remediados, mas o verdadeiro Arco da Bruxa, esse, perdeu-se para todo um sempre!

 

* Fábio Soares é natural da freguesia de Mafamude, em Vila Nova de Gaia, e residente na freguesia de Oliveira do Douro, também no mesmo concelho. É licenciado em Arqueologia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e pós-graduado na mesma área pela Universidade do Minho. Participou em diversos projetos de investigação em Arqueologia e foi o responsável pela organização e inauguração da Sala Museu Silva Leal, no Instituto Profissional do Terço, no Porto. Hoje, além de trabalhar na área do ensino, onde leciona a disciplina de História, é Sócio-Gerente da empresa Fábio Soares – Serviços de Arqueologia que, entre outros serviços, se dedica à divulgação do património cultural.