“O PORTO DE SANTA IRIA É UM DIREITO DA RIBEIRINHA”

Marco Furtado, Eliana Santos e Rui Sousa constituem a equipa que trabalha pela Ribeirinha e seus habitantes. Numa entrevista sem filtros em que ficamos a conhecer a realidade desta freguesia, os membros do executivo falaram sobre o trabalho feito e a fazer na Ribeirinha, sempre em representação dos interesses da freguesia. Desta conversa com o AUDIÊNCIA destacam-se os problemas sociais deste lugar, assim como a contínua reivindicação pelas obras de melhoramento no Porto de Santa Iria.

 

 

 

 Em primeiro lugar, peço que façam um resumo destes três anos de mandato. O que correu mal, o que correu bem e o que é que ainda podem melhorar para finalizar o mandato da melhor forma?

MF – Estamos praticamente a um ano das próximas eleições, portanto já passaram três anos desde que fomos eleitos. Apesar de todos os problemas que são transversais nas freguesias, podemos fazer um balanço positivo do nosso mandato por três razões: a primeira razão é pelo nosso manifesto eleitoral, aquilo que nos propusemos a fazer e aquilo que está feito, a segunda é por tudo aquilo que não estava no manifesto, mas que conseguimos fazer devido à dedicação e persistência deste executivo, e a terceira razão é pelos novos desafios, as coisas que nós não sabíamos lidar (como foi o caso do COVID-19), que nos trouxe vários entraves e várias coisas que eram impensáveis de acontecer, mas que fazem parte da nossa realidade e do nosso dia-a-dia.

Só para terem uma ideia, estivemos praticamente 60 dias fechados, e toda a população local recorreu à Junta de Freguesia para resolver variados problemas, nomeadamente: Finanças fechadas, Segurança Social fechada, escolas fechadas… ficou tudo centralizado aqui. Chegámos até a tirar cópias e a deixar na casa das pessoas para que os filhos pudessem ter aulas.

No que diz respeito ao nosso manifesto eleitoral, podemos dizer que existem obras que ainda não estão finalizadas, mas é uma promessa do Executivo – e também uma realidade – que vão ser realizadas antes do final do mandato. Estamos a falar da cozinha comunitária que esteve parada algum tempo porque foi necessária a restante verba para avançarmos com a obra, e a segunda obra é a Casa do Espírito Santo que vai avançar ainda este ano e que, se tudo correr bem, no final de janeiro 2021 vamos tê-la concluída.

 

Quanto ao vosso manifesto, o que estão a conseguir cumprir?

MF – Mais que um manifesto eleitoral, o manifesto é um compromisso com a população, e mesmo que não consigamos realizar algumas obras, existe o compromisso de começá-las ou de fazer todas as diligências necessárias para que estas se possam realizar. O manifesto eleitoral não serve apenas para ganhar votos. É para ser cumprido dentro daquilo que é humanamente possível. Há certas coisas que dependem de terceiros e estamos dependentes de decisões que não são nossas.

Promovemos o Dia do Idoso, implementámos o Plano de Emergência Social com sinalização (à CMRG e ISSA [Instituto de Segurança Social dos Açores) e atribuição de alimentação a várias famílias, fizemos o acompanhamento das famílias em risco de exclusão social (posso dizer que este acompanhamento foi feito de perto pelo Executivo com acompanhamento a consultas, com internamento para fazerem o despiste às toxicodependências, ao álcool e até à COVID-19). Acompanhámos estes processos e fornecemos o transporte aos cidadãos. Além disto, queremos fomentar as formas de pagamento de forma a evitar deslocações. Isto vai ser implementado até janeiro. Já falámos com a Câmara Municipal, e basta haver uma aplicação/software nos nossos equipamentos para conseguirmos fazê-lo. Vamos tentar não mexer com dinheiro vivo, mas sim com pagamentos através do multibanco.

Do nosso manifesto também fazia parte a medida de desenvolver meios para inserir o máximo de pessoas em programas de inserção social. Neste momento posso dizer que temos 26 funcionários na Junta de Freguesia. É uma enorme sobrecarga e despesa de Segurança Social e outros encargos inerentes, mas podemos dizer que foi e é uma luta constante, para chegar ao fim do mês e pagar estes encargos que ascendem quase os 3 mil euros mensais. Estava no nosso manifesto e era para cumprir. Mais que isto é impossível porque estamos no limite das nossas finanças.

Queríamos também oferecer condições favoráveis à prática do desporto: houve remodelações no campo de futebol na Ribeirinha, houve um melhoramento da eletrificação do mesmo, houve obras no relvado sintético e ainda o melhoramento no estacionamento realizado pela Câmara Municipal, pois não tínhamos meios para tudo isto. Também nos comprometemos em fazer ali um parque de merendas, e é com grande orgulho que vemos uma obra daquela envergadura ser concretizada através de uma Junta de Freguesia. Era uma obra avaliada em 700 mil euros, mas estamos a fazê-la com prata da casa: a Câmara Municipal tem lá os seus efetivos a fazer um excelente trabalho e nós também temos vindo a contribuir dentro das nossas possibilidades.

Conseguimos também apoiar as forças-vivas da freguesia, desde os escoteiros às marchas e até à Casa do Povo, com quem não temos nenhum apoio monetário, mas neste momento estamos a fazer uma obra lá. É uma obra necessária que está a ser desenvolvida por uma questão de proteção, pois as instalações estavam a sofrer de vários danos, como vandalismo e uso das suas instalações para práticas ilícitas.

Criámos ainda a nossa própria bolsa de emprego. Podemos dizer que demos trabalho a 24 pessoas, pois os outros dois já cá trabalhavam. Efetivamente proporcionámos 24 vagas de emprego e, fora isso, conseguimos arranjar emprego para 38 pessoas, maioritariamente em empresas de construção civil. O que aconteceu foi que abrimos a bolsa de emprego, as pessoas inscreveram-se e nós direcionámos essas pessoas para empresas e, efetivamente, 38 dessas pessoas conseguiram arranjar emprego. Aqueles que não ficaram nas empresas foi por decisão própria, não por despedimento. Criámos também ocupação extra curricular: arranjámos algumas atividades para serem feitas aqui na Junta de Freguesia mas, para sermos sinceros, aquilo que realmente queríamos fazer só conseguiremos para o ano, com o aproveitamento do espaço no piso superior [do edifício da Junta de Freguesia], que atualmente está a servir de banco de roupas. Vamos remodelar aquela parte e tentar abrir novamente um espaço TIC, à semelhança do que tínhamos no antigo edifício.

Apoiamos também os jovens em vários sentidos: promovemos o Dia da Juventude, apoiamos, por exemplo, os clubes de futebol que aqui abriram e apoiamos também associações que promovam o desporto e a atividade física. Alguns monetariamente e outros logisticamente. Podemos dizer que ajudámos na criação da UPS (Unidos Por Si), que é uma associação da Ribeirinha que promove ginástica, andebol, futebol… enfim, vários desportos para todas as idades.

Na questão do ambiente, quisemos apostar na limpeza, embelezamento e eletrificação da ribeira. Fizemos isso tudo, mas infelizmente uma parte está danificada. O investimento foi cerca de 4.500€ na eletrificação porque esta também serve de montra para o nosso presépio que fazemos anualmente. Quanto à manutenção e limpeza das zonas verdes, fazemo-lo todos os dias. Damos muita importância a esta questão e temos pessoal para isso. Da mesma forma, investimos num aspirador para auxílio da mão-de-obra. Realizámos a manutenção dos parques infantis (Gramas e Rua das Covas). Além disto, dois dos nossos funcionários tiraram formação no âmbito da manutenção dos espaços verdes e uso de produtos perigosos.

Quanto ao aproveitamento dos espaços da Canada do Lima para a construção de zonas e instalações sanitárias, não cumprimos na íntegra o que está no manifesto porque na altura a Secretaria Regional do Ambiente e do Mar abriu o Merendeiro do Linho e nós reedificamos a construção de instalações sanitárias neste local. Para o próximo ano será cumprido.

No que toca à educação, apoiámos todas as atividades das escolas como o Halloween, o Dia da Criança, efetuámos limpezas… para além de ser nossa obrigação, também recebemos uma comparticipação financeira da Câmara Municipal para manutenção da escola; incentivámos também a troca de livros e de diversos materiais escolares. Já se fazia antes e continuamos a fazer. Este ano várias pessoas vieram cá buscar livros e deixaram outros livros.

ES – Também pedimos que os livros fossem doados para pessoas que não têm possibilidade de os adquirir. Fizemos o apelo através das redes sociais, com o intuito dos livros continuarem a circular e ajudarmos famílias carenciadas.

MF – No que diz respeito ao incentivo à construção de uma creche, infelizmente o espaço que nós queríamos para este efeito transformou-se num alojamento local.

No que diz respeito ao trânsito, mantivemos os sinais de trânsito e solicitámos a colocação de lombas na Estrada Regional.

O apoio à habitação degradada é uma prioridade. Aqui na Junta de Freguesia preparamos todo o processo, seja para a Câmara Municipal ou para a Direção Regional da Habitação. Neste momento temos 15 processos na Direção Regional e 11 na Câmara Municipal a aguardar resposta. Ainda na habitação, fizemos um levantamento de todos os casos de habitação precária e fazemos também acompanhamento na aquisição de primeira habitação. Para além disso, também temos apoiado as pessoas que fazem o projeto das casas, analisamos e ajudamos para dar entrada na Câmara Municipal.

Também no manifesto eleitoral comprometemo-nos a alargar o acesso às Gramas (o que irá ser feito ainda neste mandato). Em consonância com a Câmara Municipal, eletrificámos os novos arruamentos e outras artérias da freguesia em que, devido às questões do vandalismo e da toxicodependência, nos solicitavam mais iluminação publica.

A “pedra no nosso sapato” continua a ser o nosso Porto de Santa Iria, um atentado a uma beleza natural e icónica da nossa Freguesia.

Posso dizer que foram três anos positivos mas cansativos e desgastantes. Apesar de ser uma Junta de Freguesia e estarmos aqui porque gostamos, temos levado isto muito a sério. Infelizmente – e é sempre bom relembrar os bons e maus momentos – um dos nossos membros do Executivo faleceu este ano. Foi substituído por um membro igualmente competente, mas esta perda abalou-nos, pois perdemos um membro do executivo mas, mais que isso, uma amiga e concelheira.

Tudo o que eram os nossos objetivos foram ou estão a ser atingidos, e tudo o que aconteceu fora do manifesto, ou seja, os desafios que foram aparecendo, abraçámo-los de coração. Estamos os três de consciência tranquila porque fizemos o nosso melhor.

 

Por tudo aquilo que disse, concluo que o objetivo deste Executivo é facilitar a vida dos cidadãos, fazê-los mais ativos e dar-lhes emprego.

MF – Vou dizer uma coisa que é politicamente incorreta. Achamos que, salvo exceções como deficiências, problemas físicos, idade ou perda de emprego, o Rendimento de Social de Inserção [RSI] não deveria ser aplicado nos modos que está a ser. Neste momento, e mais uma vez digo que sei que não é politicamente correto dizer isto, em vez do RSI, deveria haver um investimento na criação de emprego para que a economia circulasse. Sem querer denegrir a imagem seja lá de quem for, todas as pessoas que estão a receber o RSI e podem trabalhar deveriam estar a fazê-lo, seja nas juntas de freguesia, nas secretarias, nas câmaras municipais e até nas empresas. Neste momento, estamos a pagar para as pessoas não trabalharem, e isso é muito mau. Isso não gera riqueza, não gera impostos e não põe a máquina a trabalhar.

Não podemos estar a contribuir para uma sociedade sedentária. A minha opinião é que o RSI é muito bom quando aplicado corretamente. Todas as pessoas que o recebem devido a alguma infelicidade da vida têm direito a ele: têm direito à dignidade, à sobrevivência, à alimentação, à habitação… são direitos de todos. Mas nós não vivemos num país só de direitos, também vivemos num país de deveres, e neste momento esses deveres estão a ser postos de parte. A nossa pergunta é: estamos a trabalhar para as reformas de quem já prestou o seu contributo, mas não estou a ver quem irá trabalhar para a nossa reforma (se chegarmos lá).

Temos uma luta aqui na Junta de Freguesia: as pessoas não poderem repetir o programa FIOS. Se a pessoa está numa idade que pode trabalhar, sente-se ativa, quer trabalhar e recebe o RSI, que venha trabalhar para as entidades porque temos trabalho para eles. Ninguém tem coragem de acabar com o RSI, porque também não existe alternativas para absorver estas pessoas no mercado de trabalho. Neste momento vivemos numa sociedade “subsídio-dependente”. Temos que converter essa dependência em “subsídio-trabalho-dependência”.

ES – A Junta de Freguesia da Ribeirinha tem uma política um pouco diferente. Aqui toda a gente tem direito a ajuda, o que significa que muitas vezes as pessoas que trabalham são esquecidas porque trabalham. Mas, um casal que esteja a trabalhar ou uma mãe solteira que trabalhe, também precisa de apoio. Muitas vezes os ordenados que ganham não são o suficiente para pagar renda de casa. A Junta não fecha a porta a ninguém. Tentamos sempre chegar a bom porto, umas vezes com concordância ou não, como existe em qualquer equipa de trabalho, mas tentamos sempre ajudar quem vem aqui, inclusive quem trabalha e tem o seu ordenado, mas este não é suficiente.

MF – Temos que salientar que estas pessoas que trabalham não estão a conseguir viver, estão a sobreviver. Acho que as pessoas têm direito, no seu mês de férias, ter um dinheiro extra. Hoje em dia, as pessoas não dão a esse luxo. Hoje em dia, tirar férias ou ter um fim de semana diferente é quase impossível para a maior parte das famílias. Na escola, estas famílias não têm apoios, têm que comprar os livros todos, por exemplo. É difícil ver o casal levantar-se cedo, ir para o trabalho e chegar ao fim do mês e concluírem que isto não é viver, é sobreviver. Hoje em dia a pessoa trabalha, mas tem que restar algum dinheiro, tem que haver uma valorização. Não se consegue… o que ficou a nu na questão da COVID-19, é que o RSI é uma ajuda mas não dá para sobreviver. Há muita gente que o recebe, mas dava dias para fora, recebia dinheiro daqui, dinheiro dali, e não se chateava a família. Dava para os vícios. Quando houve o confinamento, toda a gente em casa, o rendimento é o mesmo mas já não há “garetes”. Já não dá… Não é um segredo, é a realidade.

Mais uma vez, não somos contra o RSI. Somos contra uma política que fomenta o desemprego e “subsídio-dependência”. Que futuro estamos a preparar para os nossos filhos?

A Ribeirinha tem cerca de 3.000 pessoas, das quais 600 idosos com mais de 65 anos e quase 1000 são jovens abaixo dos 18 anos distribuídos pelas escolas Gaspar Frutuoso, Secundária e pela da Ribeirinha, além das crianças que estão em casa. Restam 1400. Desses tiramos mais de 180 que recebem o RSI… se ficarem 1000, temos uma taxa de 30% de desempregados, tiramos 300 e restam 700. Desses, quantos é que trabalham efetivamente, estão na pré-reforma ou estão a fazer algum programa de emprego? Programa de emprego este que é uma ilusão, que é algo que tem que ser falado. O programa de emprego foi feito para as pessoas orientarem a sua vida durante um ou dois anos. Mas o primeiro dia em que se começa a fazer o programa, é o primeiro dia em que tem que se começar a procurar emprego porque não dura para sempre.

Nós não estamos aqui a dar soluções, estamos a falar de um problema muito sério. O que é que nos motiva? Gostar disto, gostar da nossa terra, gostar de resolver problemas… dá-nos gosto e prazer passar por algum lado e dizer “eu contribuí para que aquilo se fizesse”. É isso que nos motiva, porque a nível monetário ninguém fica rico estando aqui, pelo contrário. É preciso pôr o dedo na ferida. Nós aqui tentamos ao máximo pegar em pessoas que possam fazer programas, mas fazemo-los ver que isto não dura para sempre. Hoje em dia nada dura para sempre.

 

Que tipo de serviços prestam aos ribeirinhos?

MF – Aqui nesta Junta de Freguesia passamos atestados e declarações, auxiliamos nas licenças de animais e alterações de dados na base de dados SIAC, preenchemos formulários da Segurança Social, auxiliamos as declarações através das senhas da Segurança Social, fazemos provas escolares também da Segurança Social, preenchemos formulários escolares, auxiliamos nas matrículas escolares e também noutros documentos para auxiliar a população; tiramos certidões e documentos do site das Finanças, tratamos de processos da Direção Regional da Habitação, fazemos declarações para as festas do Espírito Santo, ajudamos a fazer currículos ‘vitae’, assim como as candidaturas a programas de emprego e estágios.

Tiramos cópias, digitalizamos e enviamos emails para apoiar determinados assuntos como faturas, consultas e exames, e também neste assunto da saúde, preenchemos documentos de requisição de médico de família no Centro de Saúde da Ribeira Grande. Tiramos requisições de transporte para o Dia Nacional da Defesa, preenchemos documentos para visitas ao estabelecimento prisional e auxiliamos também o preenchimento de requerimentos para a Câmara Municipal, é mais difícil e enumerar o que fazemos do que o que não fazemos.

 

Falando novamente nos funcionários, não têm quadro de pessoal. Mas têm responsabilidades financeiras. Qual o deslindar desta situação quanto aos custos que têm?

MF – Destes 26 funcionários, 10 são do programa FIOS, portanto não têm qualquer custo, o único custo que temos é por sermos “obrigados” a dar-lhes formação. Este programa é aquela transição em que a pessoa recebe o RSI mais 100€ para fazer quatro horas de trabalho diário. Tudo o que é PROSA, Recuperar ou Integra, são programas em que a subcarga de impostos é muito grande. Estamos a falar de 1400 a 1600 euros de Segurança Social e ainda mais uma taxa de IRS em alguns ordenados.

 

Na Junta de Freguesia recebem todo o tipo de pedidos de ajuda, desde problemas relacionados com habitação até à falta de alimentação. Que apoio dão neste sentido

MF – Mais uma vez falando na COVID-19, nós recebemos cerca de 120 pedidos de famílias de ajuda no que toca à alimentação. Esses pedidos foram todos direcionados para os serviços sociais do Instituto de Segurança Social, Caritas e Câmara Municipal da Ribeira Grande. Os pedidos foram analisados pelos técnicos deles, e as pessoas que recolhiam as condições para receber ajuda alimentar ou pagamento de contas foram contempladas com esse apoio.

Aqui na Junta de Freguesia estamos ativamente ligados com todas as instituições que têm como objetivo o apoio social e a defesa dos direitos humanos, bem como a salvaguarda da sua segurança e dos seus bens. Aqui fazemos a ligação destes pedidos para que as instituições possam fazer o seu trabalho e para que não faltasse nada aos cidadãos nesta época. No entanto, a COVID-19 não serve de desculpa para tudo. Nós temos um plano ativo e desde o primeiro dia que somos uma força ativa na ligação entre os serviços sociais da Câmara Municipal da Ribeira Grande, o Instituto de Segurança Social dos Açores.

RS – Todas as juntas de freguesia deveriam fazer isso para não haver duplicação de donativos. A maior parte das vezes, as pessoas conhecem tão bem o sistema que pedem à Câmara Municipal, à Caritas, à Santa Casa da Misericórdia, à Junta de Freguesia, ao Instituto de Segurança Social… se não houver um entrosamento, entre quem recebe e quem dá, pode existir esta duplicação de apoios, enquanto outras pessoas que necessitam e que às vezes têm vergonha de pedir, não têm ajuda.

ES – Estamos aqui pelas pessoas. São estas que nos colocam aqui. Temos que estar todos ligados e em sintonia para ajudar as pessoas. Estamos aqui pelo bem comum e para ajudar toda a gente. É por isso que o Marco foi eleito e é por isso que nos escolheu para seu executivo.

 

Que outras dificuldades existem na freguesia?

MF – Neste momento, uma dos maiores problemas na Ribeirinha é a toxicodependência. Na Ribeirinha, visto que somos a freguesia mais jovem do concelho, este é um problema que está mais ligado a uma determinada faixa etária. Podemos dizer que neste momento a pior de todas é a droga sintética. São baratas e de fácil acesso.

RS – Têm danos irreparáveis e neurologicamente são drogas que afetam pela negativa. São feitas com produtos químicos, adubos, diluentes. Etc.

MF – Quem consome heroína ou cocaína, ao fim de alguns anos, ainda consegue recuperar. Mas para quem consome drogas sintéticas, os danos são irreparáveis.

Fora isso, temos problemas gravíssimos na habitação. Tínhamos 10 casos e agora temos nove, de habitações sem casa de banho. Uma dessas que não tinha foi comprada recentemente e estão a ser realizadas obras nessa casa. Existem moradias onde vive gente nova, a maior parte desempregada. Utilizam a chamada retrete e tomam banho de água fria porque não têm esquentador. É uma realidade que pensamos que só se vê na televisão mas infeliz e efetivamente, acontece na Ribeirinha.

A Junta de Freguesia promoveu uma reunião com os deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores para debater estes problemas, para lhes abrir os olhos e dizer que existem casos reais de pessoas que trabalham e também de alguns idosos que moram em casas que não possuem casas de banho. Somos uma freguesia que faz parte da cidade e ainda existe uma moradia de pavimento de terra. Terra batida… sem casa de banho.

Contactámos quem de direito, mas não obtivemos a resposta que esperávamos. Quando não temos resposta, vamos à luta até tê-la. Seja negativa, positiva ou um talvez. Somos chatos e persistentes, vamos até fazer ferida, até “metermos o dedo nela”, caso contrário nada se faz. A nossa política é levarmos os problemas na mão esquerda mas também levar a solução na mão direita, pois aqui na Junta não apontamos só problemas – isso é fácil -, também apresentamos soluções.

Todos estes casos estão referenciados e direcionados. Acho que é muito importante as juntas de freguesia fazerem esse papel e sermos a voz da população.

Estamos a falar de vários problemas da freguesia e a pintar um “quadro negro”, mas ao mesmo tempo não estamos a dizer que está tudo mal. Estamos a tentar fazer ver que as coisas que não estão bem, mas que vale a pena lutarmos. Claro que vale a pena ser presidente de junta, é gratificante. Não é isso que está posto em causa. Não podemos é pintar um quadro cor-de-rosa… Nós, executivo da Junta de Freguesia, também mencionando a Assembleia de Freguesia, temos que tocar na ferida.

Outro problema grave que temos aqui tem que ver com o alcoolismo. Isso traz mau ambiente em casa, problemas familiares, problemas sociais, problemas financeiros…

RS – Isso acontece por causa da facilidade com que se consegue álcool, porque não é uma “droga” ilegal.

MF – Recentemente houve um caso de uma jovem de 30 e poucos anos que ficou sem os filhos e que deu entrada para tratar-se. Este é um caso… Tivemos casos gritantes em época de confinamento, em que a pessoa ia para o minimercado adquirir garrafas de bebida e cá fora ficava altamente alcoolizada. Acompanhámos um jovem, por exemplo, que deu entrada no hospital.

A falta de emprego e ocupação é outro problema. Há muitos jovens que não têm qualquer tipo de formação. Um bom pedreiro tem sempre trabalho, um bom carpinteiro tem sempre trabalho… quando digo “bom”, é uma pessoa que começou nova, ia para carpinteiro e ao fim de alguns anos sabia trabalhar na sua área. Hoje em dia isso não acontece. As empresas querem um bom pedreiro e não há, e aqueles que são bons estão a trabalhar ou resolveram emigrar para sítios onde não há comparação possível com os ordenados.

Outro dos problemas é as atividades para o jovem. Mais uma vez, a COVID-19 trouxe dificuldades. Temos aqui o campo de futebol, é verdade, mas falta uma política de investimento na juventude para outras atividades. Temos falta de escoteiros e temos falta de pessoal nas associações. Hoje em dia os jovens não estão voltados para esse tipo de associativismo. Antigamente tínhamos os grupos corais completamente cheios…

ES – Aqui na Ribeirinha temos um ATL Jovem, o único da Região. É para jovens dos 12 aos 16 anos. Aparecem alguns miúdos dos bairros sociais e é extremamente complicado trabalhar com eles porque não querem fazer praticamente nada. Querem ficar nas redes sociais e pouco mais que isso, o que acaba por ser complicado para trabalharmos com estes jovens.

MF – Outra dificuldade é a falta de poder de compra. Apesar de termos várias pessoas ou agregados familiares, como já falámos, não têm poder de compra. Trabalham para o dia-a-dia. Não conseguem dar um passo maior porque os rendimentos que têm não dão para isso. Hoje em dia, uma sociedade que se dignifique de chamar sociedade, não é apenas uma sociedade que viva do trabalho, mas sim que consiga conciliar o trabalho com o bem-estar. Muitas vezes, isto leva a que as pessoas se virem para a toxicodependência.

Ultimamente temos alguma sobrelotação das moradias. É outro dos nossos problemas… mais uma vez, tem que ver com a habitação degradada. A maior parte dos filhos que tinham a sua casa com as suas famílias, divorciaram-se ou perderam as suas casas e voltaram a casa dos pais. O que quer dizer que os idosos, com os seus próprios recursos, têm que ajudar os filhos e os netos. Tudo isto porque as casas que existem para arrendar estão a preços exorbitantes, devido também à aposta nos alojamentos locais (situação que estão a tentar reverter). Temos também casos em que as pessoas não conseguem comprar casa porque não têm os 10% para dar entrada…

ES – Estamos a falar dos nossos problemas, mas estes existem em todo o lado. Nós temos falta de emprego, mas também temos falta de segurança. Não por culpa das forças de segurança, mas sim porque existem poucos meios para estas desenvolverem o seu trabalho. Não há meios das pessoas poderem executar o seu trabalho.

MF – Nós, Junta de Freguesia, estamos em ligação direta com todas as entidades e forças de segurança e investigação, que possam contribuir para a freguesia. Existe um clima de insegurança muito grande devido à questão da toxicodependência. Ainda sou do tempo em que as pessoas deixavam a chave na porta. Hoje em dia isso está completamente fora de questão. Nós não somos os melhores do mundo, mas tentamos ter reuniões com as forças de segurança. Já tivemos reuniões com brigadas de investigação, com a PSP, com a GNR… já tentámos fazer um entrosamento com todas estas forças. Infelizmente, a PSP e a GNR não têm os meios que precisam e as brigadas de investigação estão limitadas porque, infelizmente, a maior parte das drogas sintéticas são feitas com produtos legais, logo, automaticamente, não é ilegal e não se pode apreender.

 

O vosso Executivo sente-se apoiado pela Câmara Municipal e pelo Governo Regional?

MF – A Câmara Municipal tem sido incansável connosco, mas nós também temos reivindicado aquilo que achamos necessário para a freguesia. O nosso papel é servir de intermediário e chamar a atenção das coisas que têm que ser feitas em prol da freguesia. Não nos podemos queixar do executivo da Câmara Municipal… pontualmente há coisas que não estão tão bem como queríamos, era muito bom que tivéssemos tudo o que pedimos, mas posso dizer que sabemos reivindicar aquilo que queremos e, ao mesmo tempo, como tem sido feito transversalmente em todas as freguesias independentemente das cores partidárias, têm apoiado as juntas de freguesia.

Da parte do Governo Regional, nós queremos mais. Temos um protocolo devido à limpeza das ribeiras de cerca de 3.900€, mas já foi menos. Devido à nossa persistência, já recebemos algumas máquinas, mas, de facto, não é de todo viável este valor para a extensão de ribeira que temos, que são quase quatro quilómetros. Começamos a limpar na água férrea das Gramas e terminamos na foz na Chã das Gatas. Ter um homem em permanência durante um ano, implica ter cerca de 10.000€ por ano. Ora, este valor que nos dão é muito pouco para a manutenção que a ribeira precisa, pois se quisermos lá pôr uma máquina e uma viatura para auxiliar, gastamos mais 50 ou 100€ por hora. Este é também um alerta para que se possa repetir o programa FIOS para que as pessoas prestem este serviço de quatro horas.

 

Para além do que as juntas de freguesia recebem pelo FEF (Fundo de Equilíbrio Financeiro), recebem também através de contratos interadministrativos com a Câmara Municipal, o Eco-Freguesias para a limpeza e manutenção… no final de contas, é um orçamento pequeno. Como se gere uma junta de freguesia com este dinheiro?

MF – As juntas de freguesia são os para-choques da política. Posso-lhe dizer que 40% do nosso orçamento vai para despesas com pessoal: salários, finanças, segurança social e as compensações do executivo. Há ainda seguros e material para o pessoal, logo falamos de mais três ou quatro mil euros, mais despesas com o combustível…

É importante dizer que temos uma grande riqueza. Desde teatro, pessoas que editaram livros, temos a nossa filarmónica, as nossas romarias, a nossa marcha, grupos corais riquíssimos, o nosso grupo de escoteiros… somos muito ricos a nível cultural e temos uma freguesia dinâmica (que antigamente era muito mais). Nem tudo é mau. Temos a força e a dignidade necessárias para nos levantarmos e levarmos a Ribeirinha em frente. Precisamos é de meios. Temos orçamentos de 150 a 160 mil euros para gerir. E isto em anos bons! Do FEF recebemos pouco mais de 40 mil euros, recebemos também da Câmara Municipal, mais o Eco-freguesias, mais um protocolo aqui ou acolá… vamos gerindo isto. Se não fossem os contratos interadministrativos com a Câmara Municipal e o investimento direto que faz na freguesia, não seria possível apresentar os resultados que temos.

Temos que realçar as obras na sede da Junta de Freguesia, o saneamento básico na Rua dos Moinhos, as obras futuras na Rua das Covas, o alargamento do acesso às Gramas, o investimento no arranjo de outras ruas… são pormenores, mas pormenores importantes. Acima de tudo, a obra no campo de futebol: primeiro parque canino no concelho, o parque de merendas e o estacionamento nessa zona. Tudo isto dignifica a nossa freguesia.

Vamos também ter um parque de estacionamento na Rua dos Cabeceiros, que é uma reivindicação por parte dos moradores de lá por causa do trânsito relacionado com um comércio. É mais uma vitória para a Junta de Freguesia e para a Câmara Municipal, mas quem ganha com isso é a população em geral.

Nem tudo é mau. O que nos faz vir para aqui é saber que se pode fazer mais. Não queremos pintar um cenário negro, mas não queremos deixar de chamar a atenção que o Porto de Santa Iria terá que ser feito.

 

Quanto a essa questão do Porto de Santa Iria, há uma grande história em relação a esta obra.

MF – Tudo começou em 2004, há 16 anos. Houve uma derrocada que magoou uma criança e pôs-se um sinal a dizer que aquela zona estava em perigo. Avisámos a Capitania e resolveu dizer-se que aquele espaço estava “desaconselhável” e não “interdito”.

O problema agravou-se e as pessoas continuaram a frequentar o Porto de Santa Iria. Quer queiram quer não, este porto é o ex-libris da Ribeirinha. Este é um porto que dignifica qualquer freguesia e qualquer concelho do arquipélago.

RS – Inclusivamente, há alguns anos, o cartão Interjovem veio com a imagem do porto de Santa Iria, e já lá foi produzida uma telenovela, como também já foi projetado em revistas da SATA.

MF – Posso dizer que o porto de Santa Iria já esteve inscrito duas vezes na Carta de Obras e não foi executado. Foi feito um projeto para aquela zona, o qual não foi apresentado pelo Governo Regional dos Açores porque não reunia as condições de segurança e por isso não foi apresentado. Houve um novo projeto, posto à consideração do LREC [Laboratório Regional de Engenharia Civil] e que não foi aprovado por motivos de segurança. Foi revisto e foi-nos apresentado um, em setembro, de forma muito superficial.

Tem havido algumas opiniões, por parte da população, para que este projeto seja mostrado à população para escrutínio. Concordo, mas também concordo que não seja nesta fase. Tem que haver um processo completo, concreto e cabimentado. Não vamos discutir um projeto se não há dinheiro para pôr a obra em andamento. Convém alertar: o Porto de Santa Iria não é uma reivindicação da população da Ribeirinha, o Porto de Santa Iria é um direito que a população da Ribeirinha tem em querer aquela obra feita. Sabemos que existem outros investimentos deste género que custaram milhões de euros em zonas mais pequenas dos Açores, que têm no ano a afluência que o nosso porto tem num fim de semana.

A população da Ribeirinha quer aquela obra feita. O processo tem sido levado todo a bem. Já tivemos reunião com o Diretor Regional dos Assuntos do Mar, Filipe Porteiro, já tivemos reunião com o Secretário Regional do Mar, Ciência e Tecnologia, Gui Menezes e já tivemos reunião com o Presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro. Estamos nisto há 16 anos. Esta não é uma obra que nos vá beneficiar pessoalmente, mas sim a população, a quem nos visita e à nossa região.

A Câmara Municipal estava na disposição de fazer um contrato ARAAL com a Região: assumiam a obra e, quando houvesse financiamento vindo da União Europeia, seriam reembolsados no valor do investimento. Tive acesso a esse documento, a Câmara Municipal informou-me. Mas foi recusado. A recusa foi feita tendo como base: o projeto já está pronto, já foi faturado à Região e não pode ser a Câmara Municipal a executar a obra. A obra não foi feita porque o Governo Regional não quis, tiverem uma excelente oportunidade.

 

O que é que vai ter que acontecer para o Governo Regional querer?

MF – É muito importante salientarmos que já não há a hipótese de haver mais conversações, porque tudo o que podíamos fazer falando, fizemos. Vamos ter que tomar outras medidas como, por exemplo, recorrer à população.

ES – O político não pode vestir a camisola de acordo com a cor partidária. O político tem de vestir a camisola de líder.

MF – Toda a gente gostava de ser presidente do Governo Regional, presidente de uma Câmara Municipal e, nesta fase, candidato a deputado. Mas pergunto se existe alguém que queira ser presidente de junta, com as dificuldades que estamos a passar, a falta de orçamento, os programas de emprego, as dificuldades das pessoas, a COVID-19… daqui a dias vamos querer presidentes de junta e não vamos ter. Somos tratados como uma empresa ou como a Câmara Municipal, com as mesmas exigências a nível financeiro e fiscal. Mas não temos direitos, ou seja, não temos valor nenhum. Não temos o direito de querer reivindicar porque não somos ouvidos. Não merecemos isso. É preciso que os governantes percebam que somos a voz e a imagem do povo da Ribeirinha.

O nosso lema foi “Ribeirinha em primeiro lugar”, e vai continuar a ser esta a nossa prioridade. Todos os dias. Vale a pena lutar pela Ribeirinha. Temos pontos positivos e negativos, como tudo na vida. Vale a pena lutar pelos positivos e com mais força ainda pelos negativos. Estamos aqui para dividir tristezas e multiplicar alegrias, por isso vale a pena. A Ribeirinha merece tudo e mais alguma coisa.