OITO ANOS DE DESAFIOS E ENIGMAS POLICIÁRIOS NO AUDIÊNCIA

O oitavo aniversário da nossa secção, nascida exatamente a 1 de junho de 2016 nas páginas do jornal AUDIÊNCIA, replicada pouco tempo depois no blogue LOCAL DO CRIME, onde ainda hoje se mantém com um crescente número de visitas considerável (uma média de 10.700 mês) de seguidores nacionais e de vários países estrangeiros, como Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Canadá, Espanha, França, Suíça, Itália, Alemanha, Suécia, Eslováquia, Irão, Turquia e outros, foi pretexto para balanço da nossa atividade. Por aqui têm passado concursos de contos e de produção de enigmas policiais, torneios de decifração policiária e muitas outras iniciativas que determinam o uso das células cinzentas e constituem verdadeiros desafios à nossa destreza intelectual e a conhecimentos de cultura geral. O resultado do balanço não deixou de ser positivo, como comprova o sucesso alcançado pela iniciativa em curso, mas queremos mais, muito mais. E em breve haverá novidades. Para já, ficamos com a publicação da I parte do sétimo conto do concurso “Um Caso Policial no Natal”, que conhecerá a sua conclusão na próxima edição do AUDIÊNCIA.

 

“Um Caso Policial no Natal” – SÉTIMO CONTO

YHWH, de L. Manuel F. Rodrigues

I – PARTE

Dia de Consoada, em Burgau, finais dos anos 60.

Como habitualmente o Senhor Zeferino, um denominado vidente da aldeia de Burgau, na parte da tarde, esperava a visita do seu cliente preferido… o Luiz que o procurava para ler as crónicas rascunhadas em sebentas com folhas amarelecidas… e desta vez, ao ver o menino chegar à sua barraquinha… atirou de chofre:

Olá, Luiz! Já sei o que pretendes! Toma lá, para ler, mais uma crónica do futuro… esta vai ser produzida no ano de 2007 e irás gostar certamente!

Os olhos do garoto arregalaram-se… recebeu o caderno, sentou-se no banco habitual e pôs-se a ler a nova crónica do Senhor Zeferino… que desta vez tinha um título muito esquisito… “YHWH”… que significaria aquilo… (!?) e como o Luiz adorava os nomes das crónicas que indiciavam o seu conteúdo!

A NOITE estava fria! Saíra à rua sem qualquer razão… foi por instinto sem qualquer intuito furtivo. Ia fazer não sabia o quê… A neve suspendera de surpresa a sua precipitação gélida e diáfana, por isso ele resolvera ausentar-se temporariamente do aconchego do lar e embrenhar-se na fuligem da noite onde as ruas e as árvores que as circundavam, bastante iluminadas, com luzes cintilantes e coloridas de efeitos natalícios, não conseguiam completamente ofuscar!

Todavia, ostentava no rosto uma espécie de competição íntima… Para trás deixara a mulher e as suas três filhas a deliciarem-se com as tarefas domésticas, triviais em vésperas de Natal. Filhós, bacalhau, polvo, couves, sonhos e outras coisas mais entre gritos de “passa-me a farinha”, “vai-me buscar o óleo à despensa”, “não te esqueças dos ovos”, “as batatas já estão descascadas?”, “ai que me queimei…”

E foi precisamente neste interregno dos preparativos da consoada que ao espreitar pela janela se aprestou a vestir a bastante usada samarra e sorrateiramente decidiu-se a ir dar uma volta… Pretendia estar só para provar a si próprio, uma mania e ousadia (!), que sozinho é que se está bem, contrariando as inúmeras teses de vários colegas de profissão e amigos que se lamentavam frequentemente de viver sem companhia… solteiros, viúvos, divorciados, entre outros. “Quão dolorosa é esta vida”, diziam eles. Com uma família de cinco pessoas, ele replicava: “-Qual quê!? Sozinhos é que vocês estão bem… Ninguém vos chateia… Tomara eu…!”

Era este o seu desafio… estar só naquele momento para provar que ele é que tinha razão.

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Olhou de soslaio para o seu carro estacionado, semicoberto de geada e pôs-se a pé… Atravessou a estrada e subiu a avenida. Andou absorto alguns metros, ao acaso, até que avistou, num recanto, uns vultos na escuridão que pareciam estar em rebuliço… e de repente ouviu um grito baixo, rouco e abafado solicitando “socorro”! Correu na direção daquilo que lhe pareciam ser… três pessoas! Duas de braços e mãos no ar envolvendo uma outra que aparentava estar a ser atacada prostrada de joelhos! Na sua aceleração gritou: “Eh! O que se passa aí!?”… Os supostos assaltantes ao ouvirem a sua voz puseram-se em fuga! Ao aproximar-se do agredido ao ver o seu estado lastimável, comentou para o indivíduo:

“-Mas, o senhor está ébrio, sem dúvida!” – concluiu.

E continuou a conversa:

-Então, amigo, quem eram aqueles?… O que faz por aqui?…

-Hic, sim, não tenho ninguém para me acompanhar na noite de Natal… E ainda por cima aqueles dois… levaram-me a carteira com o pouco dinheiro que ainda tinha!

Ficou cismático, mas respondeu, convicto…

-Ora, então devia sentir-se radiante, excetuando o assalto, sozinhos é que estamos bem… – comentou.

– Não diga isso homem, eu vivo só há muito tempo, depois de uma vida feliz com mulher e filhos e não sei o que hei de fazer à minha vida…! -desabafou o estranho e continuou…

-Olhe, neste momento, só tenho esta companhia (exibiu uma garrafa de whisky na mão esquerda) e já estive a comer uma pizza numa pizzaria! Você lá sabe o que é estar só em casa, sem ninguém!? Chegamos lá, à noite, a mesma está fria, gelada, sem uma ponta de mimo, sem calor humano… nem me apetece confecionar comida. Janto sandes e coisas enlatadas. Às vezes nem mudo de roupa, sento-me no sofá vejo televisão e adormeço… De manhã acordo, lavo a cara e vou para o trabalho… Não me apetece fazer nada e a casa está sempre suja, desarrumada, húmida… Quem me dera que a minha mulher voltasse para mim e me devolvesse os meus filhos… É que isto de estar e viver só, tem muito que se lhe diga… uma coisa é querermos estar sós, sabendo conscientemente que temos família em casa… há sempre o regresso e a família lá está à nossa espera, mesmo havendo discussões e muitas arrelias… outra coisa é estarmos e permanecermos realmente sós e vivermos sem qualquer companhia!!! Não desejo isto a ninguém. É horrível. É uma miséria…

Ele ouviu, primeiramente perplexo e depois sereno, esta comunicação de desgostos daquele homem desconhecido e abruptamente como que atingido por um vislumbre fulminante retorquiu:

-Oh, homem, venha daí vamos passar a consoada a minha casa!…

(continua na próxima edição)