“QUEM É DE TEATRO TEM UMA VIDA DE LUTA”

Desde 5 de setembro de 2018 que a revista “ParqueMania” tem vindo a fazer rir milhares de portugueses que encontram no Teatro Maria Vitória, em Lisboa, a melhor forma de passar o serão.

Em cena no Teatro Maria Vitória, no Parque Mayer, e com produção de Hélder Freire Costa, o empresário que conta já com 55 anos de carreira no Teatro, “ParqueMania” pretende ser uma revista diferente, mais moderna e capaz de atrair o público, sem esquecer da crítica política e social à atualidade, seguindo assim o tradicional roteiro de uma revista.

O elenco é composto por nomes queridos do público, tais como Paulo Vasco, Susana Cacela, Flávio Gil, Rosa Villa, Miguel Dias, Patrícia Teixeira e Pedro Silva, estreando-se ainda Elsa Casanova. Flávio Gil, Miguel Dias e Renato Pino encarregaram-se do texto e Eugénio Pepe, Miguel Dias e Carlos Pires da música.

Em mais uma exibição de domingo à noite, o AUDIÊNCIA esteve à conversa com Hélder Freire Costa, Elsa Casanova, Flávio Gil, Susana Cacela, Miguel Dias e Paulo Vasco.

O produtor do “ParqueMania” fez saber que o Teatro Maria Vitória comemorou o Dia Mundial do Teatro no passado dia 27 de março, com uma sessão em que se atribuíram as “Máscaras de Ouro do Teatro Maria Vitória”, como é habitual, a duas personalidades do meio teatral, sendo que este ano Simone de Oliveira e Eugénio Pepe foram os escolhidos.

De acordo com Hélder Freire Costa, “à Simone pela sua longa atividade, que trabalhou também aqui no Teatro Maria Vitória (trabalhou comigo, felizmente), e ao Eugénio Pepe porque tem sido um dos compositores dos últimos projetos aqui no Maria Vitória”.

A próxima aposta do Teatro Maria Vitória já está em andamento, sendo que a atual está em cartaz até 2 de junho.

Flávio Gil

Como tem sido fazer esta revista com este elenco?
Tem sido muito bom. Esta revista é a terceira, de três, que tive a oportunidade de encenar aqui no Teatro Maria Vitória e, felizmente, confirmou a tendência das duas anteriores quanto ao número crescente de pessoas que acorre para vir ver a revista. Isso aconteceu sobretudo na primeira revista, em que houve um grande aumento no número de pessoas que cá vinha. Agora isso manteve-se. Já não sentimos tanto porque, felizmente, “Portugal em Revista” [a segunda das três] já foi um grande êxito. Sentimos que o público continua a crescer em número, o que nos deixa muito felizes porque vínhamos, há dois anos, de um momento mais difícil no país. É a prova de que o país melhorou e de que os nossos espetáculos corresponderam no agrado junto do público.

Porque é que as pessoas devem ir ao teatro?
As pessoas devem ir ao teatro sempre, seja qual for, ver qualquer espetáculo porque o teatro é fundamental. Acho que devem vir ver ainda mais o teatro de revista porque é um teatro que fala do nosso tempo, de nós e do nosso quotidiano. Acho que é muito importante olharmo-nos ao espelho, e a revista faz isso. Confronta-nos com a nossa própria imagem e com o nosso dia-a-dia. Claro que sempre de uma forma divertida, mas com um humor, se possível, um tanto-quanto cáustico, que nos faça pensar. É esse o desafio dos autores: que o nosso humor nos faça pensar sobre o que acontece no nosso país todos os dias e de que forma participamos nisso ou não.

Tudo isto envolve trabalho de largos meses. Qual é a preparação?
A preparação é esta: já estamos a começar a trabalhar na revista que vai estrear em setembro, para que tenhamos tempo de maturar os textos, de os melhorar, de ir acompanhando as ideias que vão surgindo e de as valorizar. Às vezes uma ideia começa só por dizer (e isto é metafórico) que um número será cor-de-rosa, mas depois percebemos que se for cor-de-rosa mas se lhe acrescentarmos alguns tons de verde fica mais bonito e, de repente, surge um assunto azul e afinal o rosa, o verde e o azul dão o número ideal. É assim que isto acontece e por isso é tão importante que aconteça com esta antecedência. Também há todo o trabalho de antevisão e previsão do espetáculo do ponto de vista plástico. Acho que é isso que também torna a revista especial. Há 20 momentos, aproximadamente, cada um com uma estética própria, uma música própria e um assunto próprio, que não se relaciona diretamente com nenhum dos outros. O ponto comum é a crítica social e/ou política. Acho que isso torna o espetáculo muito rico.

Em Portugal os artistas são conhecidos por não ter uma vida estável. Como é que é lutar neste meio?
É lembrarmo-nos sempre que nunca está tudo feito. É estar sempre a recomeçar. Claro que isso se prende com as oportunidades que temos. Aqui, felizmente, temos a sorte de fazer temporadas muito longas. Mesmo para quem faz só um projeto sabe que tem ali pelo menos um ano de trabalho e isso é muito gratificante, mas de facto há produções muito mais breves e atores que estão muito tempo desempregados. Mas acho que o ator desenvolve em si, mesmo aos 70 anos, esta noção de recomeçar a cada momento, sempre à procura de uma coisa nova e de um novo começo. Acho que é fundamental para resistir nesta profissão, essa capacidade de nunca achar que se tem alguma coisa construída porque de um momento para o outro isso pode não ser verdade.

Elsa Casanova

É a primeira vez que a Elsa faz teatro de revista. Como tem sido a experiência?
Tem sido maravilhoso. Era uma coisa que já queria há algum tempo e surgiu agora a oportunidade. Estou a adorar.

Qual é a diferença entre o teatro musical e o teatro de revista?
Já tinha feito teatro musical, e é muito diferente. O teatro de revista é muito característico, é muito português. Daí eu gostar de fazer, obviamente, uma coisa nossa. Já que canto o fado, que é uma coisa também muito nossa e é a nossa cultura, o teatro de revista também é muito nosso. Daí a minha vontade extra de integrar um teatro de revista.

O que é que vem ver o Parque Mania pode esperar?
Pode esperar uma grande revista com diversos números com situações muito diferentes, ou seja, se a pessoa não gostar de um determinado estilo, vai gostar de outro. Há uma diversidade de números muito grande. Em termos de música, também com muita qualidade. Interpreto uma canção que se chama “Hoje estou de saída”, que é mais fado-canção, não aquele fado tradicional. Depois canto uma marcha que é para o público também colaborar e cantar comigo. Há estes dois lados. Quem não gostar de uma coisa, gosta de outra, e há quem goste de tudo, como é óbvio.

Como é que é a preparação antes de entrar em palco?
A preparação já é uma rotina. Chegamos aqui, fazemos o teste de som, há a preparação da maquilhagem e também da voz.

Porque é que as pessoas devem vir ao teatro, no geral?
Porque é a nossa cultura. Não é o “venham ao teatro porque”. Nós devemos ir ao teatro. É a nossa cultura, divertimo-nos… é quase como mágico. Já há muita rotina nas nossas vidas e precisamos de alimentar a nossa alma.

Susana Cacela

Como tem sido fazer parte desta produção?
Tem sido muito divertido e uma grande aprendizagem. Tenho aprendido muito, tenho-me rido muito, tenho conhecido pessoas muito interessantes.

Há sempre um “nervosinho miúdo” em todos os espetáculos?
Em todos não. Agora já não há nervos, há concentração. Tem de haver sempre alguma concentração porque se entramos no palco sem estarmos concentrados podemos esquecer-nos do texto. Isso não pode acontecer, mas quando acontece é aterrador. Agora os nervos já passaram, já vamos para o palco mais descontraídos, agora é melhor. No princípio sofremos imenso. Sabemos o texto, sabemos fazer tudo, mas não estamos habituados ao público, estamos habituados só a nós e a ensaiarmos connosco e com amigos. O público intimida e é que nos faz tremer. No fundo, estamos a ser avaliados todos os dias. Estamos sempre um pouco inseguros na estreia por causa disso, até por causa das pessoas que cá vêm e que são grandes individualidades da cultura, aquelas pessoas que sabem muito de teatro… intimida sempre. E nós atores também temos respeito pelos outros atores.

Como tem sido trabalhar com este elenco?
Tem sido maravilhoso. Já estou com eles há dois anos e já nos conhecemos bem. Temos um ambiente muito agradável.

Como é que é ser artista em Portugal?
É difícil. É muito difícil. É sempre uma grande luta, até porque o nosso país não quer muito saber da cultura. E nós é que andamos aqui feito malucos… por isso é que temos fama de sermos todos malucos. E somos, de facto. Quem quer ser artista neste país não regula bem da cabeça.
Somos uns sonhadores. Cá andamos. Gostamos tanto do que fazemos que não é trabalho, é prazer.

Uma chamada de atenção para aqueles que devem vir ao teatro.
Teatro é cultura. Aprende-se muito no teatro. Na revista também porque é uma crítica. Temos muitos jovens já a vir à revista, felizmente. Venham ao teatro, venham ver a revista, vão ver comédias, vão ver Shakespeare, vão ver tudo porque teatro faz bem e é cultura.

Paulo Vasco

O que tem a dizer sobre o elenco e sobre toda esta produção?
Isto é um espetáculo muito caro. Temos a sorte de ter uma equipa que está apta a fazer o que for preciso. Também temos os nossos apoios que nos vão ajudando com as joias… isto é tudo uma grande máquina. É uma máquina muito complicada porque montar uma revista não é montar um espetáculo com um escadote. São cenários atrás de cenários, guarda-roupa atrás de guarda-roupa e tudo sempre dentro do luxo. É um espetáculo muito difícil não só para o ator mas também para o produtor, porque tem que investir muito dinheiro para se fazer um espetáculo destes.

Como é que é ser ator neste género?
O ator tem de estar preparado para fazer todo o género de teatro. Eu especializei-me neste, embora tenha começado no teatro dramático. Estou no Teatro Maria Vitória há 30 anos porque é o género que se identifica comigo: o género da revista e do teatro musical.
Fazer teatro é algo que me dá muito gozo, especialmente aqui na Catedral da Revista, como é chamado o Teatro Maria Vitória, e cada vez que piso um palco é um prazer.

Como ator o que é que é mais difícil, fazer rir ou fazer chorar?
O mais difícil é a comédia. Para fazer chorar, se pegarmos em palavras fortes como “fome”, “dor” e “guerra”, as pessoas já estão motivadas para se emocionarem. Mas pegar nessas palavras e fazer as pessoas pensarem e rirem de coisas que são tão oportunas e tão no momento, isso para nós é uma alegria fantástica porque fazer rir é mais difícil que fazer chorar.

Como é que é ser artista em Portugal?
É como tudo em Portugal, é tudo muito difícil. Um espetáculo destes é um espetáculo que tem uma grande envergadura e é da luta do empresário e das pessoas que o acompanha poder fazer um espetáculo destes.
Para se ser artista em Portugal, é como tudo na vida: tem que se lutar até chegar ao objetivo.

Miguel Dias

Qual o resumo da preparação para esta revista?
Esta revista começou a ser preparada há um ano. A equipa da autoria, da qual eu faço parte com o Flávio Gil e com o Renato Pino, começámos a elaborar as primeiras ideias para esta revista em março do ano passado. Começámos a ver e a olhar em nossa volta… a revista é no fundo uma visão da realidade e daquilo que nos rodeia. Foi isso que fizemos. Começámos a olhar à volta e a dizer “mas sobre o que é que podemos falar?” sem ainda ter muita preocupação sobre os textos mas sim sobre os assuntos e os personagens que íamos falar. Até julho, quando começámos os ensaios, tínhamos a revista toda escrita e pronta para começar a ensaiar. Depois foram dois meses de ensaios muito intensos para pôr este espetáculo em pé.

Há temas abordados que são posteriores à data da autoria do guião. Como funciona o processo de revisão?
Ajuda termos dois dos autores como atores. Como eu e o Flávio estamos cá, estamos sempre muito atentos à realidade e dizemos “acrescenta isto” e outras vezes tiramos coisas que perdem a atualidade. Estamos sempre atentos àquilo que nos rodeia para acrescentar pequenas coisas que fazem com que a revista seja sempre atual.

Como é que é ser artista em Portugal?
Ser artista em Portugal é um desafio mas, acima de tudo, um ato de paixão. Só se é artista em Portugal por paixão, não por dinheiro ou por fama. Não é isso que, pelo menos a mim, me movimenta e me faz gostar tanto de ser ator. O que me faz gostar de ser ator é ver, como hoje, uma plateia de pé no final do espetáculo e sair do Teatro e ouvir um casal a dizer que não se divertia desta forma há imenso tempo. A melhor paga que me podem dar é sentir que as pessoas que saíram de propósito de casa para vir ver o espetáculo saíram daqui satisfeitas.

Hélder Freire Costa

Em primeiro lugar, vamos falar sobre esta produção.
Esta revista, segundo a minha opinião e parece que é generalizada, é muito superior às duas últimas, que foram a viragem para moderno do teatro de revista. É um elenco muito jovem, é um elenco que já se consagrou na primeira, portanto, há duas revistas atrás, e que aqui tem momentos de franca hilaridade, para além de um texto muito bem escrito. É um grupo de trabalho muito jovem, mas cheio de talento. Tem um bom elenco capitaneado pelo eterno Paulo Vasco, a Susana Cacela, o Flávio Gil, a Rosa Villa, o Miguel Dias, o Pedro Silva, a Patrícia Teixeira e a atração, que se estreou em teatro-revista, que é a Elsa Casanova. Temos também a MV Dancers que abrilhanta todo o espetáculo, que são os bailarinos e as bailarinas.

Como é que é lutar no mundo do espetáculo?
É um bocado difícil nos tempos que correm porque as pessoas têm outras necessidades, mas temos lutado. Quem é de teatro tem uma vida de luta. Eu, com quase 55 anos de teatro, já estou habituado a todas as lutas, portanto, esta é mais uma.

Torna-se cada vez mais difícil trazer cá o público?
Sim. Há muita dispersão. Hoje em dia a televisão tem muita força e há muitos espetáculos. Mas a concorrência também é boa. Obriga-nos a fazer cada vez melhor.

Projetos para o futuro?
Estamos já a preparar uma nova revista. Não estamos ainda a ensaiar, está em fase de execução, ou seja, na parte escrita e de organização de elenco. Mas brevemente poderemos dar notícias mais exatas.

Trabalhou já com várias gerações. O que é que tem vindo a notar de diferente em cada uma?
É diferente e é difícil avaliar. Cada tempo tem o seu tempo. Eu vim para o Teatro e trabalhei com as maiores figuras a nível nacional… enumerar uns e não enumerar outros seria uma ofensa, mas trabalhei com as grandes figuras desde 1964 até agora.
Os pensamentos estão de acordo com as gerações. O tempo de ontem é diferente do tempo de hoje. Eu tenho a felicidade de “estar em todo o tempo” e, portanto, acompanhei diversas gerações. Há sempre problemas em cada ano que passa. Problemas com as mentalidades de cada um, mas vamos cruzando isso e ultrapassando. Isso é que é importante de salutar.

E adaptando.
Exato. Temos de nos adaptar às circunstâncias. Isso é normal. Até porque nós também andamos cá a aprender diariamente.

COBRIGADO!

“Sou de opinião, tal como a maioria das pessoas, que não se deve agradecer uma homenagem. Ela é feita e só temos o dever de a registar. Mas esta, eu tenho, muito reconhecidamente, que agradecer.

Ao dar uma volta pelo passeio que homenageia já 35 dos muitos nomes ligados à cultura teatral, deparei-me inesperadamente, com vários nomes, como Laura Alves, Vasco Morgado, Camilo de Oliveira, Eunice Muñoz, Raul Solnado, Manuela Maria, Nuno Nazareth Fernandes e tantos outros a completar os 35. E de surpresa, um nome que me diz muito e bem merecedor de ter ali o seu registo: GIUSEPPE BASTOS. Foi com ele que a minha vida se alterou radicalmente. Tendo sido seu secretário, com ele aprendi tudo o que sei de Teatro, mas também me legou o dever de honra, seriedade, lealdade, humildade e competência.

Não foi meu pai, não que ele muitas vezes, porque sendo casado nunca tivera filhos, me confundisse como tal, pela forma como me tratava, mas foi um Amigo daqueles que, depois dos nossos pais, outros familiares e amigos mais chegados, só encontramos uma vez na nossa vida. Foi um grande Senhor, um excelente Empresário, um grande Amigo e um extraordinário ser humano. E quando inesperadamente faleceu, caiu-me nas mãos seguir o seu trajecto, que foi aceite por todos os que dele dependiam. Foi já há 44 anos, fará no próximo dia 11 de Abril, mas mais parece que foi ontem.

Ao deparar-me hoje, com o seu nome ali naquele passeio, senti uma comoção enorme e tenho o dever de agradecer ao Vasco Morgado, ilustre Presidente da Freguesia de Santo António e a toda a sua equipa esta atitude que me encheu o coração.

Muito e muito Obrigado. Por vezes, as homenagens tardam, mas acontecem e esta é já uma realidade. Fez-se Justiça a um Homem importante, mas simultaneamente simples e humilde, que nunca se pôs em bicos de pés para alcançar méritos. Estou de coração cheio.”

HFCosta