Raquel Rouxinol tem dois filhos e é educadora social. Aliando a maternidade à vida profissional, assume a missão de ser uma agente de mudança, em prol de uma sociedade mais justa e igualitária. Esta mulher ativa, dinâmica, sempre disposta a apoiar a comunidade, onde está inserida, falou, em entrevista exclusiva ao AUDIÊNCIA, sobre os desafios de ser mãe, na atualidade, enaltecendo que ainda há um longo caminho a percorrer para que o mundo deixe de ser feito, apenas, por e para homens e passe, também, a ser construído por e para mulheres.
O que é, para si, ser mãe nos dias de hoje?
Para mim, ser mãe continua a ser dar amor e ensinar a voar. Se pensarmos na maternidade no mundo animal, ser mãe é preparar as crias para a sobrevivência. Eu sinto que é muito isto. Proteger, amar incondicionalmente, mas dar todas as ferramentas para que os meus filhos consigam enfrentar os obstáculos que o mundo lhes colocará à frente. Esta é uma grande dificuldade. Atualmente, tende-se a dar uma proteção excessiva, o que deixa as crianças sem espaço para errar, para se defenderem e para responderem aos desafios. Se eu conseguir isto, com muito afeto, posso dizer que a minha missão foi bem-sucedida.
Os anos passaram, mas, a seu ver, acha que a sociedade evoluiu no que respeita à forma como olha para uma mãe? Haverá ainda um longo caminho a trilhar nesse sentido?
Claro que sim. Historicamente, as mães tendiam a ficar em casa e ser depositadas nelas, toda a responsabilidade da educação dos filhos. Algumas coisas mudaram, outras não. As mulheres trabalham fora de casa, isso foi alterado, no entanto, a responsabilidade da educação continua a ser depositada nas mães. Olhemos para aquilo que se chama “Reunião de Pais” nas escolas, mas tem tudo menos isso, dois ou três pais e vinte mães. O filho adoece, é a mãe que fica em casa a cuidar. É a mãe quem sabe quando marcar a vacina dos filhos. Quando o pai assume também essa função, a sociedade olha de lado. Se um pai leva uma criança ao médico, questionam onde estará a mãe. Se o pai fica em casa, porque o filho está doente, a mãe ouve “ele ajuda-te muito”, mas não se trata de ajudar, porque isso significa que há uma pessoa responsável e a outra é ajudante, quando ambos deveriam ser corresponsáveis. Como vemos, há um longo caminho ainda a percorrer. Porém, eu gostaria que a próxima geração já pensasse de forma diferente, mas penso que estou só a ser muito otimista.
Hoje, para além de mulheres de família, as mães são trabalhadoras e assumem, cada vez mais, papéis ativos na sociedade. De que forma é que têm uma visão diferente e impactam o mundo de maneira distinta?
Sem dúvida que as mulheres estão a ter papéis cada vez mais ativos na sociedade, mas isso, com as políticas sociais em Portugal, faz com que a maternidade seja um plano cada vez mais adiado. Continuamos a ter poucas mulheres em cargos de chefia, porque se exige sempre que o trabalho absorva grande parte do dia, e a conciliação da vida familiar com a profissional é apenas possível a algumas. Quando nos dedicamos ao trabalho, sentimos que estamos a falhar enquanto mães. Quando nos dedicamos mais à maternidade, sentimos que não somos profissionalmente aquilo que poderíamos ser. Deveríamos olhar para o exemplo dos países nórdicos, onde existem mais mulheres em cargos de chefia. Havendo mais mulheres com papéis ativos na sociedade, o seu impacto é enorme. As gerações seguintes, os modelos e padrões para as próximas gerações passam a ser outros. No dia em que isto acontecer, o mundo deixa de ser feito por e para homens e passa a ser feito por homens e mulheres.
É mãe e trabalha com os mais desprotegidos. O que a levou a seguir esta vocação?
Em criança e adolescente sempre quis ser muitas coisas, desde cabeleireira a hospedeira de bordo. Quando comecei a ganhar mais consciência social, percebi que poderia ser uma agente de mudança num mundo como ele (ainda) é. Ponderei ser advogada, inscrevi-me em Direito, mas optei por Educação Social.
Qual é a sua missão e principais objetivos?
A minha missão, enquanto educadora social é tentar fazer com que a sociedade seja mais justa. Luto por conseguir atenuar algumas desigualdades, sei que não vou mudar o mundo, mas não consigo baixar os braços perante as dificuldades com que muitas pessoas se deparam. Não sou assistencialista, tento dotar as pessoas de competências e de motivação para a mudança, mobilizando os recursos que estão ao dispor.
Com que tipo de casos se depara?
Atualmente, trabalho num projeto na área da reinserção, com indivíduos com dependências e comportamentos aditivos. Estou também a supervisionar um projeto de intervenção com pessoas em situação sem-abrigo. Em ambos os projetos, trabalho com as pessoas mais marginalizadas e estigmatizadas da sociedade, por isso, como deve imaginar, deparo-me com situações muito graves de ausência de todo e qualquer recurso, com a saúde muito fragilizada e, muitas vezes, sem esperança no futuro.
Quais são as necessidades mais preeminentes?
No nosso país não há respostas para muitas das necessidades das pessoas. O nosso trabalho, para que seja mais fácil de perceber, é “tentar fazer omeletes sem ovos”. Dou-lhe um exemplo, se um utente, que manifesta problemas de saúde mental, aceitar ir a uma consulta de especialidade, vemo-nos confrontados com uma gigantesca lista de espera. Outro exemplo, está devidamente estudado e comprovado que quanto mais tempo as pessoas vivem na rua, mais difícil é mudar esta condição. Após muito trabalho de proximidade, a pessoa manifesta vontade de mudar, no entanto, não existem respostas habitacionais adequadas às necessidades das pessoas e as que existem (Centros de Acolhimento Temporário, nomeadamente) não têm vagas. Estes direitos, como a saúde e a habitação, são problemas estruturais no nosso país e atravessam as diferentes classes sociais, contudo, estas pessoas estão no limiar da dignidade humana.
Qual é a mensagem que gostaria de transmitir?
Aproveitem o Dia da Mãe, na companhia dos vossos filhos e julguem-se menos. Não se comparem e não julguem as outras mães. Nós só sabemos ser mães dos nossos filhos, nunca dos filhos das outras.