À ESPERA DA VELHA NORMALIDADE NOVA

A paróquia portuguesa mais antiga da América, ainda em actividade, abriu as suas portas no domingo, 9 de Agosto, para que a Senhora do Rosário e o Santo Cristo dos Milagres saíssem à rua. Uma procissão limitada ao guião, dois andores, mais o pessoal que efectuou os respectivos transportes, e o Santíssimo Sacramento levado em custódia, debaixo do pálio, pelo pároco Joseph Escobar, ladeado por outros dois padres. Foi uma maneira de não quebrar a tradição, para aquela parada religiosa ter continuidade, ao mesmo tempo festejando 55 anos de existência. As altas temperaturas que se fizeram sentir ajudaram com a pouca afluência de fieis, sendo tudo realizado dentro das regras estaduais de prevenção contra a propagação do vírus covid-19. A igreja de Nossa Senhora do Rosário, de Providence, que resalta aos olhos de quem passa na auto-estrada 195 foi concluída em 1906, e desde então tem sido a sede da paróquia do mesmo nome, a qual foi criada em 1886, passando a ser a segunda mais antiga na América do Norte, a seguir à de São João Batista de New Bedford que, para desgosto de muita gente encerrou definitivamente há cerca de dez anos, ou pouco mais.

Por outro lado, as  Grandes Festas do Espírito Santo da Nova Inglaterra, que este ano não brilharam como de costume e não fugiram à regra dos eventos públicos cancelados, deram razão de si e mostraram-se vivas à comunidade com o espírito da partilha. Na manhã de sábado, 29 de Agosto, foram distribuídas quinhentas e cinquenta pensões a famílias necessitadas, tendo em mente as normas impostas por lei que a pandemia fez criar, traduzindo num apoio alimentar a cerca de duas mil pessoas. Segundo consta, desde a fundação das Grandes Festas, todos os anos são distribuídas trezentas e sessenta e cinco pensões, correspondendo à conta dos dias de cada ano. Desta vez a conta excepcional, de início cinco centenas, ao que lhe adicionaram mais cinquenta nas vésperas, prendeu-se às razões que todos nós conhecemos. Outro gesto que está ligado às datas das grandes festas portuguesas de Fall River, há já vários anos, é uma outra distribuição de pensões a famílias carenciadas, por parte da Sociedade Cultural Açoriana, que também fez questão de não quebrar a tradição. Muitos outros exemplos poderíamos aqui anotar para mostrar a boa-vontade de uma comunidade que teima em afirmar a sua existência inserida neste tão falado “melting-pot”, mesmo em tempos de pandemia.

No nosso local de trabalho a etnia portuguesa quase se torna numa raridade. No meio de cerca de oitocentas pessoas podemos contar umas trinta com sangue português, dos quais só umas dez falam a língua de Camões. Alegra-nos o facto de que dentro dos cerca de noventa e cinco por cento desligados da portugalidade haver lamentações sobre o cancelamento das “Festas”. Sim, os dominantes da língua inglesa americanizada dizem “festa”, “favas”, “caçoila”, “linguiça”, “chouriço”, “malassadas” e “cerveza” sem problema nenhum. Até o próprio governador do Estado de Massachusetts, Charlie Baker, num dos seus comunicados, no mês de Julho, referiu-se à “Portuguese Feast” de New Bedford, na qual ele gosta de participar. Estamos a falar da Festa do Santíssimo Sacramento, mais conhecida por Festa dos Madeiras.

Neste lado do Atlântico estivemos, e ainda estamos, atentos às nossas festas de verão insulares, que não se realizando com seus esplendores transbordam lembranças, e estas escoam-se em lágrimas quando se vê um andor colocado em cima de uma carrinha, a percorrer as ruas de uma determinada freguesia. O “Deus permita” que para o ano tudo seja diferente é um gemido da esperança que muita gente ainda guarda, ao passo que outra a esperança já perdeu. Não tem nada a ver com otimismos de uns e pessimismos de outros que a normalidade que queremos só vai chegar quando a presente situação for completamente normal, e depois vamos ter de nos adaptar à nova normalidade velha, que nunca será aquilo que foi. Deus permita que não, e vamos nesta, porque pr’á frente é que é caminho.

A meados de Agosto surgiu para o público o novo filme intitulado FÁTIMA, que apareceu como outro sinal de esperança, virado para a fé cristã, fazendo lembrar que agora a humanidade precisa mais de Deus do que nunca. Mas, infelizmente, a gente tem visto e praticado o lado oposto deste pensamento. Por falar nisso, aconselhamos a longa-metragem a quem quiser ter duas boas horas de reflexão. A mensagem principal do filme é lembrar a existência do inferno, e que as suas portas estão abertas a todos aqueles que para ele fazem caminho. É aquilo que temos tentado excluir dos nossos pensamentos. Se para uns o inferno é a vida mundana, para outros nem isto nem aquilo, seguindo a filosofia do “cá se faz, cá se paga”. Para ajudar, ainda por cima, nas redes sociais, praticamente todos os dias, se vê publicações sobre a morte de alguém. Nestas notícias obituárias só há palavras e expressões como: “mais uma estrela no céu”, “mais um anjo com Deus”, “Deus o chamou para junto de si”, “está no céu à nossa espera”, etc. E  os comentários até podem ir mais longe, ao ponto de se dirigirem aos próprios defuntos, pedindo-lhes intercessão com Deus,  para lhes atender suas preces. Já ninguém vai para o inferno? Já não há o fogo que abrase aquele que merece ser abrasado? Ou será que agora somos todos santinhos? Se os demónios estão em greve ou se o inferno fechou as portas, temos boas notícias. Vamos todos ser mauzinhos, assim como assim, é para o céu que a gente vai. Sem intuito de julgar ninguém sabemos perfeitamente que fulano, sicrano e beltrano tiveram as suas faltas. Um pouco pesadas para a média. Cada um deles ao fechar os olhos a este mundo entrou de imediato no Paraíso. Ah, pois, o Purgatório também foi extinto. Será que também foi extinta a jerarquia dos anjos, argumentada por diferentes teólogos? É que, para chegar a Deus é preciso passar multidões de anjos subordinados a arcanjos, dos quais conhecemos três, e depois de mais duas, três, ou mais elites havemos de chegar aos querubins, que estão constantemente louvando o Senhor com os seus cânticos de glória, e por fim os serafins – os santos seres de quatro asas, as tais criaturas que vivem com Deus. A Guarda-de-honra de Deus, no nosso entender. Para que esta crónica não se transforme numa aula de catequese, vou já parar por aqui. Mas a irritação que nos dá a ignorância de certos jornalistas não é fácil de controlar, e por isso há que pregar aqui uma fuseirada, com vários alvos, sem fazer pontarias: Antes de dizerem o nome daquilo que o sacerdote transporta debaixo do pálio, por favor, informe-se das diferenças entre o Santo Lenho e o Santíssimo Sacramento. Tenho dito.

 

Largos, praças e jardins

Largo das Freiras inaugurado a 25 de Setembro. Orgulho ribeiragrandense, soberba das “edilidades”, montes de parabéns. Aqui também já manifestamos a nossa alegria a este respeito, enquanto as obras se efectuavam. Por sua vez, a Praça do Emigrante brilhou ao mundo a 26 de Julho, tornando-se a obra do ano para esquecer, que nunca será esquecido. No meio de tudo isso os “Velhos do Restelo” continuam a lamentar a perda do seu “jardim”. Era um património, concordamos. Como tantos outros que o tempo trouxe e a velhice levou. Por razões diversas, certo. Mas são estas mudanças que fazem a história, e sem elas história não existia. A praça do município sempre foi, com jardim e sem ele, muito importante nos marcantes momentos que a nossa história registou. Quando as árvores eram de pequeno porte era um lugar muito gracioso para aqueles que aquela época viveram. Quando elas cresceram também deixaram recordações a indivíduos de outras gerações. O jardim, para além de gracioso era um espaço romântico, no qual muitos namoricos principiavam. Por outro lado, era também um portal de invejas, ciúmes, concórdias e discórdias. Marcou a sua época e teve uma vida feliz. A maneira como a praça se apresenta nos nossos dias também dará saudades à geração actual quando algumas mudanças lhe forem feitas. Vamos em frente, porque o velho ditado diz: “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Para a frente é que é o caminho. Haja saúde!

 

 

 

Largos, praças ou jardins,

Sejam velhos, sejam novos,

Tanto os bons como os ruins

São orgulho dos seus povos.

 

 

As festas e romarias

Alegram as nossas praças,

Iluminam nossos dias

Como o sol pelas vidraças.