A MARSELHESA DIVIDIDA

A França da Revolução Francesa, da Comuna de Paris e do Iluminismo intelectual encontra-se, tal como outros países europeus, dividida social e politicamente como nunca antes acontecera, pelo menos desde a II Guerra Mundial.

Na campanha para a eleição presidencial, esta realidade tornou-se evidente ao olharmos as principais formações políticas em debate, as suas propostas e promessas que constituem um círculo vicioso não desconhecido também dos portugueses, dos espanhóis, dos italianos e mesmo dos gregos, conferindo razão ao filósofo marxista António Gramsci, ao avisar que nos interregnos das crises «instalam-se os fenómenos mórbidos mais variados».

A disputa, na segunda volta, entre Macron e Le Pen, ocasionou apreensões de vária ordem, nomeadamente a crescente popularidade da candidata neonazi que traz à memória dos franceses a ocupação do seu País, durante a II Grande Guerra, razão pela qual o candidato, antigo ministro da economia de Hollande, surgiu como o salvador das consciências perturbadas, apesar dos franceses saberem muito bem que foi ele o autor de algumas das reformas, impostas pelo Euro Grupo e seguidas de bom grado pelo governo francês, que colocaram os trabalhadores e o povo em situação de crise, mas deixaram o grande capital incólume.

A queda a pique do Partido Socialista Francês e das diversas formações concentradas nos chamados Republicanos, sempre seguidores das políticas de direita, completam o caldo político existente e explicam o ascenso do neonazismo em França, mas também noutros países da Europa «connosco», da Ásia e da América Latina, convocando os patriotas e democratas para, em conjunto, efectuarem um esforço de memória e visitarem o passado histórico, para não caírem de novo no logro.

Acresce ainda uma palavra de louvor e confiança para a França insubmissa, representada pelo também candidato na primeira volta das eleições, Jean-Luc Mélanchon, o qual, demarcando-se dos restantes candidatos e opondo-se com frontalidade às instituições europeias, incumpridoras da coesão social e do desenvolvimento económico harmonioso prometido, e aos grandes grupos económicos, conseguiu 6 milhões e 200 mil votos com o apoio do Partido Comunista Francês e dando azo a grandes manifestações, onde se ouviam as palavras de ordem «Nem Le Pen, nem Macron, nem pátria nem patrão».

O futuro político em França cria expectativas de clivagem esquerda/direita, mas, como sabemos, o povo é soberano e será ele a derrotar as tentativas de chegada ao poder do neofascismo representado por Le Pen.

Madani Cheurfa, politólogo, considerou que o debate entre os dois candidatos iria confirmar as convicções dos respectivos apoiantes, mas para a elevada percentagem de indecisos este factor não seria decisivo, pois rejeitam tanto a extrema-direita como a finança no poder.

Depois de uma campanha intensa e de uma primeira volta marcada pela exclusão dos partidos que partilharam o poder nas últimas cinco décadas, republicano e socialista, a eleição decidiu-se entre dois candidatos que se assumem como anti-sistema mas que têm visões completamente diferentes sobre o futuro de França e da Europa e não poderão agradar aos indecisos, acrescido o facto de a Constituição Francesa concentrar o poder no chefe de Estado e, por essa razão, o eleito, vai precisar de uma maioria parlamentar que apoie o respetivo programa político, pelo que as legislativas, que se realizam em Junho, serão decisivas para a França, mas também para a Europa comunitária.