A NATO E AS DISCORDÂNCIAS

Nasceu mentindo ao mundo e com mitos e mentiras transfigurou-se no polícia global ao serviço de um império que espezinha a dignidade humana e a soberania dos povos, tanto aliados como inimigos.

A NATO completa 70 anos de arbitrariedades e  guerra manchando assim os conceitos de liberdade, independência e direitos humanos ao colocá-los sob a pata da «liberdade do mercado» e do complexo político-militar, industrial e tecnológico que governa os Estados Unidos e pretende administrar geoestrategicamente todo o planeta.

Em 4 de Abril de 1949, no auge da chamada Guerra Fria, quando a União Soviética atingia a paridade nuclear face às ameaças e ingerências ocidentais, os Estados Unidos criaram a NATO, assim mantendo o seu domínio  sobre os aliados europeus, usando ao mesmo tempo a Europa como a linha da frente contra a URSS e pretextando eventuais ataques com origem no leste europeu. A resposta não se fez esperar e os países socialistas aliados da URSS criaram o Pacto de Varsóvia  organismo militar formado em 14 de maio de 1955 como contraponto à NATO.

Entretanto, os anos passaram, o muro de Berlim caiu e a União Soviética, considerada por alguns como o eixo do mal, também desapareceu como realidade política e levando consigo o Pacto de Varsóvia, ou seja, já não existia razão para a existência de pactos militares, pois

era o fim da Guerra Fria e  os principais representantes da escola realista da altura, Kenneth Waltz, Stephen Walt e John Mearsheimer anteciparam o fim da NATO, claramente obsoleta depois da unificação alemã e da dissolução da União Soviética.

Porém e em 1991, as guerras jugoslavas, fomentadas para destruir a coesão da Jugoslávia, posteriormente destruida, mostraram as divisões entre Londres, Paris e Bona, mas anunciando o recomeço da estratégia yankee do quero, posso e mando.

E senão vejamos: depois de um longo intervalo, em 1995, o Presidente Clinton decidiu pôr fim à Guerra da Bósnia-Herzegovina e reinventar uma fórmula para garantir a continuidade da NATO no pós-Guerra Fria. Os aliados formaram a Força de Intervenção, IFOR, para separar as facções locais e pela primeira vez a NATO mobilizou de novo a sua estrutura para intervir militarmente num conflito; paralelamente, os Estados Unidos alinharam com a estratégia da Alemanha para assegurar o alargamento da NATO e da União Europeia e integrar a Polónia, a República Checa e a Hungria na nova Europa dita livre e unida.           

As forças norte-americanas, continuam hoje na Alemanha, no centro e leste da Europa, na Ásia, África e América Latina, espalhando bases militares, umas com a conivência dos governos de países submissos e outras sem autorização, semeando ao mesmo tempo guerras económicas com sanções que provocam sofrimento e injustiça social.

Os aliados recorrem agora à mesma fórmula para ultrapassar a crise transatlântica provocada pela invasão anglo-americana do Iraque em 2003, apadrinhada por Barroso como mordomo da cimeira das Lages, e assim as tropas da NATO agregaram a Força de Estabilização-ISAF no Afeganistão e nos meses seguintes completaram o duplo alargamento da NATO e da União Europeia para enquadrar o conjunto das democracias pós-comunistas nas instituições que sustentam a comunidade de segurança ocidental.

A fórmula do alargamento foi posta em causa pela intervenção da Rússia na Geórgia e, sobretudo, na sequência da anexação da Crimeia, na «guerra híbrida» da Ucrânia Oriental onde os EUA exerceram pressão e ajuda na criação dum governo de cariz nazi, mas também na intervenção militar decisiva na Síria, País invadido com o pretexto de que o Presidente Assad não era democrático e posteriormente para combater o terrorismo armado pelas potencias ocidentais, USA, Grã-Bretanha, França e o aliado Arábia Saudita, este como cabeça de cartaz.

A NATO é uma aliança hegemónica, não é uma aliança entre pares e nesse sentido a aliança ocidental está refém das mudanças estratégicas dos Estados Unidos, que se revelaram em toda a sua extensão depois da última eleição presidencial norte-americana.

Os velhos tempos terminaram com o desastre da ocupação militar do Iraque, as intervenções no Afeganistão, na Líbia, Iemen, Sudão, Somália e a queda do Lehman Brothers, que forçaram o Presidente Obama a pôr fim ao ciclo de intervenções militares dos Estados Unidos e a impor uma retracção estratégica com a recentragem das suas prioridades regionais: a China e a Ásia substituíram a Europa e o Médio Oriente.

Obama fez essa revisão estratégica em concertação com os aliados, num quadro de defesa da ordem neo liberal, mas o sucessor transformou o recuo dos Estados Unidos numa crise transatlântica, pois as tomadas de posição hipócritas de Trump sobre a inutilidade da NATO e contra a União Europeia colocaram em causa tanto a credibilidade da garantia de defesa norte-americana, como a confiança indispensável na relação entre os aliados.

Os Estados Unidos sabem que sem os aliados deixam de ser o centro da ordem neo liberal multilateral e passam a ser uma grande potência regional como as outras, China, Rússia ou mesmo a Índia e as divergências nas concepções estratégicas e nas percepções sobre a dinâmica da política internacional paralisam a procura de uma nova fórmula que assegure a permanência da comunidade transatlântica, já que  os aliados europeus estão ao lado dos Estados Unidos para defender a ordem neo liberal e não para defender os interesses nacionais norte-americanos.

Não é por mero acaso que  Stoltenberg, secretário-geral da NATO,  foi aos EUA de propósito para alertar para a «ameaça» da Rússia e afirmar que «é bom ter amigos» e sendo muito aplaudido não se esqueceu de lembrar que os europeus têm de reforçar os seus orçamentos de defesa, corroborando as anteriores afirmações acintosas de Trump sobre os 2% nesse sentido, ou seja, é pegar ou largar. Então onde está finalmente o eixo do mal?

Pelo atrás exposto, o 70º aniversário da NATO decorreu sem grande pompa e circunstância, devido ao clima de desconfiança entre os EUA e os seus aliados europeus, mas onde não faltaram um pouco por todo o lado as manifestações contra esta Aliança anti natura que coloca o mundo de novo no limiar de outra conflagração, contrária à vontade dos povos que conscientemente lutam pela Paz e pela amizade entre todos com respeito mútuo.