Desdobrando-se em vários cargos naquela que é a sua terra, os Açores, Jorge Rita não tem mãos a medir para defender e impulsionar o setor da agricultura na região, sempre com um objetivo claro de “tornar esta região melhor do que o que é”. Numa entrevista exclusiva ao AUDIÊNCIA, o atual presidente da Associação Agrícola de S. Miguel, da Cooperativa União Agrícola, da Federação Agrícola dos Açores e do Conselho da Ilha de S. Miguel, abordou não só as suas causas, mas também as suas expetativas e aflições.
Quem é o cidadão Jorge Rita?
O Jorge Rita, como cidadão é uma pessoa perfeitamente normal, enquadrado naquilo que é um verdadeiro açoriano, e que defende causas que tenha possibilidade de as defender de forma consistente e persistente, acreditando no maior e melhor setor da atividade económica da Região Autónoma dos Açores, que é a agricultura. E o cidadão Jorge Rita faz isso com muito gosto ao longo de muitos anos, com muita paixão, porque não se faz por estar nos cargos, é preciso gostar do que fazemos. E quem me conhece melhor sabe a relação umbilical que tenho com a própria agricultura, não só das vacas, mas também outras áreas da agricultura. E, sendo um cidadão normal, faço o que um cidadão normal faz, portanto, os cargos que tenho, que me ocupam todos os dias do ano, faz com que tenha um esforço redobrado na atenção de tudo o que faço, do que digo e do que tenho que fazer. Sempre com um objetivo: tornar esta região melhor do que o que é. E a agricultura é um setor muito importante como pilar da nossa economia, não só económico, mas também social e territorial. Social, porque uma agricultura forte acrescenta riqueza e diminui a pobreza, a parte territorial é a fixação das pessoas nos meios rurais e a importância que isso tem para a fixação nas ilhas e nos meios rurais. Porque sem agricultura, é a desertificação dos meios rurais. E a questão económica, sabendo que este é o setor mais importante da nossa economia. Esta é a base que todos os dias nos temos de preocupar e que eu me preocupo muito ao longo dos anos e continuo a preocupar para que a agricultura continue a crescer de uma forma gradual e sustentável, para que as pessoas e as famílias continuem a acreditar neste setor. É difícil passar a mensagem de que o setor atravessa dificuldades em que tem de haver também da parte do poder político regional, nacional e europeu, para atender este setor de atividade como um setor muito importante da nossa economia. E nós só valorizamos a agricultura quando percebermos que podemos não ter alimentos em cima da mesa. E nós não queremos que isso aconteça. Porque, na pandemia, deixou de haver transportes, as pessoas deixaram de circular, faltou muita coisa, mas nunca faltou alimentação para as pessoas, porque os agricultores, mesmo na pandemia, continuaram a trabalhar todos os dias.
Essa paixão pela agricultura fez com que, há cerca de 22 anos, assumisse a presidência da Associação Agrícola de São Miguel, elevando-a a grandes patamares. Que balanço faz desde então até ao presente?
Sou presidente da Associação e da Cooperativa União Agrícola, que são duas faces da mesma moeda como costumamos dizer. Quem conhecia a Associação há 20 anos e conhece a Cooperativa hoje, percebe claramente o que se alterou de forma substancial. Não só o crescimento económico da instituição, mas também a importância que a Associação tem no meio reivindicativo regional e nacional e até mesmo europeu. Olhar para a Associação hoje e pensar que nos últimos 20 anos tivemos um crescimento brutal a todos os níveis, mesmo sabendo que os agricultores têm períodos, e é bom que se reconheça isso, em que têm muitas dificuldades. Infelizmente, a agricultura passa sempre dificuldades, as questões climatéricas têm sempre impacto no nosso dia a dia, estamos muito dependentes dos transportes marítimos e dos combustíveis, das energias, das inflações, dos custos financeiros dos juros, há muitas razões para que se altere, muitas vezes, o nosso rendimento e cada vez mais se afirme da forma infeliz, na minha opinião, as incertezas em relação ao futuro. São 20 anos marcados, obviamente, pela obra feita, no número de funcionários que temos atualmente, o que é hoje o restaurante, há aqui uma série de comparações que podem ser feitas que vêm dar razão ao crescimento sustentável que a nossa organização tem tido ao longo dos anos, mesmo com as suas dificuldades. Isto tem de funcionar como uma empresa, mas uma empresa de cariz social, porque estamos a falar de sócios. A génese desta instituição, e o objeto principal da instituição, é trabalhar para os nossos cooperantes e associados. E isso tem implicações, temos de ter uma sensibilidade, mesmo sendo empresarial muitas vezes, de perceber claramente que a génese da formação da organização está nos agricultores. A própria associação no setor tem de ter um rigor muito mais elevado, porque concorremos nas áreas comerciais com outros operadores que não têm os custos que nós temos devido a todas as dificuldades e às obrigações que temos enquanto cooperativa. O nosso cariz não é o mesmo de uma empresa que tem como objeto o lucro, claro que, mesmo sendo cooperativa, temos de ter algum lucro para poder reinvestir, que é o que tem acontecido ao longo dos anos.
Quantos sócios e cooperantes têm atualmente?
Temos cerca de 2. 200 sócios e cooperantes.
Sendo um ex-libris da região, qual é o motivo do sucesso do restaurante da Associação Agrícola de S. Miguel?
Nós somos uma região em que as pessoas não lidam bem com o sucesso. Porque, para nós, achamos sempre que os outros é que sabem fazer melhor. Há muita dificuldade em valorizar o que é nosso e os nossos. E o sucesso desta instituição, e o sucesso do restaurante, deixa muita gente confortável e satisfeita, mas também deixa alguns inconfortáveis e insatisfeitos, que é o normal dos portugueses e dos latinos. O sucesso do restaurante deu-se, essencialmente, por termos tido uma estratégia para o restaurante, e o restaurante é gerido por nós. E a estratégia para o restaurante é primeiro, quando nos mudamos para este espaço, decidi que o restaurante tinha de estar aberto das 12h às 24h. Nós não podemos querer turismo cá e depois dizer que a cozinha fecha às 15h. Não faz sentido e o sucesso começou logo por aí. O restaurante já é sobejamente conhecido e depois é a qualidade do produto em si, a confiança que o consumidor tem no produto, pelo serviço que nós prestamos, pelo espaço, e até, se calhar, pelo preço. Um produto só é caro quando pagamos e não tem qualidade. Um produto quando tem qualidade e se paga mais, estamos sempre satisfeitos. E o sucesso é a comunicação, que para nós é a mais importante de todas, de pessoa a pessoa que vai passando a palavra. E é esta manutenção do desígnio do restaurante, que toda a gente sabe que é difícil, mas é isso que tem continuado a ser feito para que as pessoas continuem a acreditar e a confiar e a sentirem que têm segurança, quer na qualidade do produto apresentado, quer da forma agradável que os nossos funcionários trabalham. Portanto, o sucesso tem muito a ver com a persistência, com a qualidade, segurança, confiança que se dá ao consumidor.
Por falar em qualidade, há quem diga que nem toda a carne servida no restaurante é açoriana, mas sim importada. Quer esclarecer isso?
Não há nenhum produto na Região Autónoma dos Açores que possamos dizer que é exclusivo dos Açores, com poucas exceções. Nós compramos a carne como sendo carne dos Açores, porque não produzimos carne para o restaurante, essa é para exportação. Isto porque tem outra valorização porque estamos num segmento de carne de topo. Essa é uma questão que toda a gente fala, mas o que nós temos como obrigação é assegurar qualidade e segurança às pessoas na qualidade dos alimentos. Que é exclusivamente dos Açores, isso não posso garantir.
“Deviam, e podiam defender, mais o setor, porque é um setor vital na nossa economia”
Paralelamente, também foi reeleito presidente da Federação Agrícola dos Açores até 2026. A seu ver, quais são os principais desafios do setor?
São muitos. Estamos a viver um conjunto de situações a nível europeu e mundial. As alterações climáticas são o grande desafio para todos, mas especialmente para os agricultores, depois temos as questões e obrigações ambientais porque estamos a viver uma situação em que se fala muito, mas age-se pouco em relação ao C02, às emissões dos gases e as implicações que têm. A agricultura normalmente é conotada como algo muito penalizador para o ambiente e para a atmosfera. E não há nada mais falso, até porque os estudos que existem a nível europeu, a agricultura equivale a 13%, que do meu ponto de vista, se calhar, está exagerado e nos Açores, apesar de alguém dizer que é 40%, isso é uma autêntica estupidez porque esses estudos não têm qualquer credibilidade porque são de 2021, quando parou a aviação e os barcos. Toda a gente sabe que os maiores poluidores são os barcos e os aviões e depois todo o resto que utiliza combustíveis fosseis. O grande desafio da Região Autónoma dos Açores é todos nós provarmos, com estudos científicos, que este tipo de produção de agricultura nos Açores tem créditos de carbono. Ou seja, aquilo que nós, pela agricultura, conseguimos produzir pelo verde que temos, pela floresta que temos envolvida e pelo mar, e temos mais créditos do que aquilo que emitimos. E isso tem que ser uma mais valia por isso, desafio o Governo Regional mais uma vez, com a Universidade dos Açores, ou outras, a fazer essa monitorização que se poderia alocar este valor acrescentado aos nossos produtos que são aqui produzidos na região. Dar informação ao consumidor que um produto dos Açores, quer do leite, quer da carne ou das hortícolas, das frutas ou do chá, de tudo o que se produz, baseado numa monitorização científica, está acompanhado de créditos de carbono muito acentuados. Esse é um dos grandes desafios, assim como a desertificação e a falta de mão de obra. A desertificação dos meios rurais e das ilhas é preocupante, é importante fazer reformas para que os jovens agricultores se sintam estimulados a continuar na agricultura e até a voltar, porque muitos estão a desistir. Esse é um desafio regional que tem de ser feito o mais rapidamente possível. É necessário que as questões da Segurança Social, do que eles pagam, baixasse substancialmente os custos que têm assim como os impostos. Essa era uma forma de cativar os jovens para este setor que achamos vital para a nossa economia, para a nossa estrutura regional, porque não há sucesso no turismo se não tivermos uma agricultura sustentável. Toda a paisagem é feita com a nossa agricultura, seja as pastagens, as hortências… todo esse contraste de verde é feito com a agricultura. Alguém é capaz de imaginar um cenário sem agricultura nos Açores, o que são os Açores sem a agricultura? É impensável. Há muitos desafios, que é a cativação de jovens, sempre acompanhado de um melhor rendimento aos agricultores. Baixar burocracias, garantir sustentabilidade e melhor rendimento e isso também se faz com mais valorização dos nossos produtos, se calhar com mais apoios da União Europeia principalmente nos custos acrescidos que temos por vivermos em ilhas. Sem essa compensação, principalmente a nível dos transportes marítimos, vamos ter sempre dificuldade em sermos competitivos.
Os partidos políticos quando querem fazer uma notícia sobre agricultura vêm ter consigo. Acha que vêm de forma sincera, ou apenas para a fotografia?
Parte é para a fotografia, mas tem consequências. Se não tivéssemos consequências da visita dos partidos políticos à instituição e ao presidente, além do que temos escrito, a documentação que facultamos, pedem-nos muitas vezes opiniões. Claramente que alguns reconhecem o mérito do trabalho que temos feito ao longo dos anos, e o conhecimento que temos de toda a área e de todos os dossiers da agricultura. Outros, se calhar, gostam de vir cá saber dos assuntos para a fotografia, é um facto, mas também há outros que não querem saber nem dos assuntos nem da fotografia. Nem todos os partidos políticos têm contacto com a Federação Agrícola dos Açores, alguns falam da agricultura, mas não têm qualquer tipo de contacto, pelos porta-vozes da agricultura, eles não sabem o que se passa. A opinião deles, normalmente, é na base daquilo que eles entendem. Mas a maior parte dos que vêm, dão nota da importância do que é o setor agrícola, mas do meu ponto de vista, deviam, e podiam, defender mais o setor, porque é um setor vital na nossa economia e que eu saiba, até hoje, em termos de receitas da região, ainda ninguém nos ultrapassou. A questão é que, para os políticos por causa dos votos, falam mais da questão da saúde, da educação, normalmente os chavões quando abrimos os telejornais fala-se muito destes temas, bem como do desemprego e falta de habitação. A parte económica, normalmente, vem sempre na parte final dos discursos e é um erro crasso no meu ponto de vista, porque não há sucesso social na Região Autónoma dos Açores sem uma boa economia. É com uma boa economia na Região que pode haver sucesso social, senão, não deixamos de ser uma região sempre pobre. Se tivermos uma economia débil, a parte social continuará sempre pobre.
Evocou, há pouco, a falta de mão de obra e a necessidade de incentivos. Não é só a agricultura que se queixa disso, por isso, como é que se compreende que havendo tanta falta de mão de obra nos Açores existam 4.800 desempregados inscritos na região?
Para mim é uma situação dramática tudo o que envolve a falta de mão de obra e isso é uma questão quase cultural, infelizmente, para os Açores. A Região Autónoma dos Açores, e os açorianos, eram conhecidos por gente de trabalho. E todos os que emigraram, tiveram muito sucesso por serem sempre pessoas muito dedicadas e muito trabalhadoras. Quem não se lembra, da minha geração e mais antiga até, o orgulho que os pais tinham em dizer que compraram uma casa com o trabalho, que deram educação e casaram os filhos com o trabalho. E hoje, isso não acontece, respondem que vivem do rendimento mínimo. Já começa a ser uma cultura precisamente ao contrário que é, muita gente, culturalmente, deixou de trabalhar, famílias, gerações. Há gente que nunca trabalhou na vida, que nada fez porque teve sempre apoios. O apoio do rendimento mínimo, quando foi criado, toda a gente percebeu e aplaudiu, era para pessoas que tinham grandes dificuldades, e humanamente todos perceberam isso. Mas isso tornou-se uma viciação nacional de as pessoas não trabalharem, porque isso também dá votos. E dando votos, todos têm medo de tomar decisões. Mas isso também é ultrapassado com melhor formação, porque cria-se muita história à volta das pessoas que não trabalham, e à volta da pobreza, mas pouca ação há em relação a isso. Há um discurso aterrador para uma região que hoje tem falta de mão de obra. Se me disserem que, se calhar, também é preciso pagarem melhor, para que as pessoas tenham mais estímulo para trabalhar, também concordo. Mas para alguém pagar mais, as pessoas também têm de mostrar que merecem. Nós temos 300 funcionários e podem não estar todos satisfeitos, mas a maior parte está porque estamos atentos aos desempenhos e, obviamente, quanto melhor são os desempenhos, melhor podemos comparticipar em termos de remunerações. E o sucesso das empresas também está muito assente nisso. Agora, é lamentável que tenhamos tanta gente ainda no desemprego e no rendimento de inserção social quando estamos a precisar de muita gente para trabalhar. E eu fui até criticado por alguns por dizer cuidado com a importação de mão de obra, não é que tenhamos algo contra, até porque somos uma região que tem muitos emigrantes, mas a questão é, temos, por exemplo, cá pessoas do Nepal que vão trabalhar para a agricultura e não conhecem nada da nossa agricultura e claro que o desempenho deles é um desastre. Não estão habituados, não sabem, não têm conhecimento. Desenraizados do seu meio, não sabem a língua, e já se sabe que a maior parte do trabalho está condenado ao insucesso. Além disso, tem de se criar condições habitacionais para as pessoas que vêm. Se temos pessoas cá desempregados, jovens, que estão com problemas de habitação, não resolvemos o problema de habitação dos que estão cá, vamos resolver para os emigrantes que vêm. Temos de olhar para o tecido humano na região e temos muita gente que tem de ser aproveitada para trabalhar. Para isso têm de se criar estímulos, remuneratórios, de emprego, acompanhados a nível psicológico se for preciso, com equipas formadas para que essas pessoas também saiam dessa conjuntura atual de famílias e gerações de pessoas que não trabalharam e que deixam um legado negativo para os restantes.
“A relação com o Governo é positiva na matéria da agricultura”
Da sua reunião com o presidente do Governo Regional, há uma decisão anunciada que é o aumento do salário mínimo na região em 210 euros até 2028. Acha que isso é comportável e já está previsto nas medidas que propôs ao Governo para que isso possa ser aplicado com sucesso?
As nossas medidas não tiveram a ver com o ordenado mínimo, embora também pertençamos às empresas empregadoras, mas toda a gente sabe, e temos de ter consciência disso, que não há grandes ordenados nos Açores. A questão não são os do salário mínimo, são os outros que estão acima que também têm que acompanhar as subidas. Senão, em três ou quatro anos, os do salário mínimo passam à frente. Tem de aumentar toda a cadeia a nível dos empregados, o que deve acontecer porque toda a gente deve ganhar bem para viver com dignidade. Mas o que precisávamos era que o nosso tecido empresarial tivesse outra robustez económica para poder suportar tudo isso. No caso concreto da agricultura, nós até não pagamos mal, e até podíamos pagar melhor, se tivéssemos melhor rendimento, mais receita por via do pagamento do que produzimos. Todos temos consciência que deviam pagar mais, porque trabalhar na agricultura não é um trabalho muito fácil e se durante muitos anos quem ia para a pesca, agricultura ou construção civil eram os menos aptos para outras áreas, hoje já não é bem assim. Quem quiser trabalhar na agricultura tem de ter muitos conhecimentos, pelas exigências de bem estar animal, segurança alimentar, a parte burocrática da papelada, tudo o que envolve a agricultura, é um trabalho para verdadeiros profissionais. E o sucesso de qualquer setor passa pelo melhor conhecimento e melhor formação. A questão dos ordenados, a mim não me choca o que as pessoas vão ganhar, a preocupação é como é que nós, empresários e empresas, podemos acompanhar estes aumentos dos ordenados, que é legitimo e compreensível e por isso tem de se melhorar a economia.
E como se melhora a economia?
De várias formas, ou os preços sobem, ou por baixa de impostos. E aí também será uma compensação, a nível nacional vai haver uma baixa de impostos a nível do IRC e a reunião com o presidente do Governo Regional dos Açores teve a ver com reivindicações para a agricultura. A abertura de um novo aviso para agricultores, para investimento, a liberalização do plafond do gasóleo agrícola, porque, atendendo aos últimos conhecimentos que temos, muita gente não utiliza o seu plafond na totalidade e outros utilizam e acabam o plafond mais cedo. E com a liberalização, cada um irá utilizar o combustível que necessitar. E para nós isso é fundamental porque torna todo o processo muito mais transparente e correto. São reivindicações que, praticamente, ficaram asseguradas que vão ao encontro das nossas pretensões. A relação com o Governo é positiva na matéria da agricultura, o presidente acata facilmente as nossas reivindicações. No plano e orçamento, a nossa proposta foi um aumento de 10 milhões em investimentos, precisamente para o que ainda hoje sentimos muita dificuldade que tem a ver com os caminhos rurais e o abastecimento de água. Os Açores têm muita água, mas pouca armazenada, e é preciso fazer investimento, fazer mais lagoas artificiais em várias ilhas, porque temos de evitar ao máximo a utilização da água para a sociedade em geral, porque sabendo que o consumo de água na nossa sociedade é brutal devido ao turismo e toda a implicação que isso tem. Os Açores têm muita agua, infelizmente, não têm a sua água devidamente aproveitada, por isso é que o reforço das verbas em 10 milhões e é para a manutenção, já não é só fazer novos caminhos, para nós é extremamente importante fazer a manutenção dos caminhos rurais porque, no dia a dia, já dificulta muito a vida com prejuízos devido aos gastos das viaturas, mas até para quem nos visita porque muita gente passa nos nossos caminhos rurais. Encontra-se muita gente, todos os dias, nos caminhos rurais. São essas as grandes reivindicações para garantir o que está contemplado como ajudas aos agricultores que essas são obrigação, principalmente as que vêm da União Europeia que depois têm verbas que têm comparticipação regional do Estado. Por isso é que, para mim, a questão do endividamento zero é uma farsa porque a região aumenta a sua dívida e não podendo ir ao banco, dificulta a vida das empresas e dos empresários.
Como está o acordo com uma eterna luta com os produtores de leite com as indústrias leiteiras na região?
Essa é quase uma tradição que está enraizada no nosso meio, os industriais têm a sua justificação e nós também, mas o que está à vista de todos é que os mais prejudicados são os produtores.
Até porque o leite teve um aumento substancial no consumidor final…
Exato. Não é o consumidor o grande beneficiado naquele que é o castigo económico feito aos produtores. Se tivéssemos a ganhar pouco e o consumidor tivesse algum benefício, mas não é o caso. Nos últimos tempos, os estudos mostram que, no primeiro semestre de 2024, aumentou substancialmente ao consumidor os produtos lácteos e derivados e não aumentou os produtores. Quem ganha é a indústria e a distribuição. A estratégia que temos tido para entrar na guerra que depois não leva a nada, e o presidente do Governo Regional tem alinhado bem com essa estratégia, que é a conversão de leite para carne. Quem está no leite e passa para a carne não é uma situação fácil e se não tiver estabilidade financeira vai ter dificuldades, mas quem muda não volta ao leite. Não sendo a carne ainda um setor muito apelativo, as pessoas têm de trabalhar menos, não exige tanta dedicação às vacas diariamente. Nós não queremos pôr em risco a sustentabilidade económica da região nesses setores mas também não podemos por em risco a sustentabilidade das famílias dos produtores de leite. Estamos todos no mesmo barco, mas não se pode pagar pouco pensando que se vai ter leite eternamente. Nós criamos alternativas para os agricultores poderem fazer uma vida diferente e mais tranquila.
Qual foi o impacto do cancelamento da Feira Agrícola dos Açores? Qual a relevância da preservação da mesma?
Ao principio, era para ser feita na ilha do Pico, e em termos económicos, o impacto não é relevante até porque foi uma altura em que a nível do turismo o Pico estava cheio, não querendo desculpar ninguém, porque era defensor que a Feira tinha de ser feita, mas surgiram burburinhos políticos que uns queriam ir para o Faial, outros para o Pico, embora a Federação, no acordo que tem com o Governo Regional do passado, era que se fazia em S. Miguel, Terceira e Pico, e depois S. Miguel, Terceira e Faial. Foi assim que as associações do Faial e do Pico concordaram, e é assim que queremos. Claro que se se tivesse feito a Feira dos Açores no Pico tinha outra envolvência, mas o Pico acabou por fazer uma feira muito interessante.
Também foi recentemente reeleito presidente do Conselho de Ilha de S. Miguel. Qual é a sua missão e principais preocupações para este mandato?
Isso é mais algo que contestamos nestas organizações porque percebemos, e há muita vontade das pessoas, de que alguém tem de dar a cara e tem de se chegar à frente. A questão do Conselho da Ilha de S. Miguel era, e tem de ser, algo que temos de pensar muito seriamente também em S. Miguel. Independentemente do que alguém das outras ilhas possa pensar, nós temos problemas em S. Miguel estruturais que se agravaram muito mais com a questão do incêndio no hospital. Temos a nível de transportes aéreos, marítimos, a nível portuário e do aeroporto. Depois temos algo aqui que nos aflige a todos que é a insegurança e a pobreza, a droga. E também temos a saúde com a agravante do próprio hospital. A educação, a economia, mas o que salta a vista e que queremos dar o foco maior no Conselho da Ilha de S. Miguel, independentemente disto tudo, tem a ver com o aumento brutal de droga e insegurança que existe em S. Miguel com um fator muito relevante que leva a tudo isso que é a pobreza. O nosso foco é atacar a pobreza em S. Miguel e atacando a pobreza vamos eliminar grande parte da questão da droga e da insegurança. Somos uma terra pacifica, de gente ordeira, mas há hábitos que estão a ser enraizados e as drogas todos sabemos que não serão eliminadas mas temos de baixar os níveis para níveis aceitáveis. Assusta-me como cidadão e como presidente do Conselho de Ilha, a questão da pobreza, porque senti, convivi e vi as dificuldades que as pessoas tinham em não terem condições a nível financeiro nem de habitação. Todos nós temos de fazer muito mais, envolver muito mais, para eliminar grande parte da pobreza. Mas há muita gente que se alimenta das pessoas que estão na pobreza.
O que seria possível fazer para isso?
A pobreza elimina-se de forma mais fácil com melhor formação, melhor informação, melhor educação e mais proximidade dessas famílias. Tirá-las do ócio, da promiscuidade, da droga que leva a mais violência. Falamos de Rabo de Peixe, mas não é a única, existem várias. O acompanhamento tem de ser feito mais próximo, tentar que essas pessoas estejam na escola, porque com a formação não vamos erradicar, mas vamos retirar muita gente desse estado atual.
Com todos estes problemas para resolver, quais são as suas perspetivas para o futuro?
Eu sou uma pessoa de confiança e de esperança e não desisto. Mas gostava que houvesse mais sociedade envolvida, não na aparição, mas na resolução dos problemas da nossa sociedade. Há muita gente que aparece e não resolve, e eu sou dos que gosta mais de resolver do que aparecer.
Que mensagem gostaria de deixar aos leitores?
Sou um regionalista nato, adoro a minha terra e não quero que a minha terra seja conotada como a mais pobre do país. Não aceito isso. Uma terra que é produtiva, que produz bem, que está a crescer na área do turismo, temos todos de nos insurgir e ajudar a inverter essa situação. Não basta o discurso, precisamos de ação. E acredito, quer a nível dos governantes, quer dos partidos que estão na oposição, todos da classe política e não só, todos aqueles que têm responsabilidades sociais também, todos temos de envolver para reverter essa situação.