COISAS QUE FAZEMOS

Tenho como certo que somos um grande mistério para os nossos filhos. Muitas vezes não encontram uma lógica na forma como os tratamos. Ficam baralhados quando, por exemplo, depois de os termos conduzido a um certo estilo de vida, exigimos deles um comportamento exactamente oposto a esse mesmo estilo de vida.

O rapaz lá em casa não faz a sua cama de manhã. Não prepara ele próprio a roupa para vestir no dia seguinte. Não arruma o seu quarto. Não prepara o seu lanche. A mãe tem um gosto todo maternal em realizar por ele essas tarefas. Vai crescendo desta forma.

E, depois, o pai vai levá-lo à escola, mesmo que, indo a pé, demorasse apenas dez ou quinze minutos. É que a chuva, e os atrasos, e o peso da mochila, e o perigo de atravessar a estrada… E, se for na grande cidade, os assaltos… Já uma vez roubaram um relógio ao primo dele.

E, além de não tratar das suas coisas, também não é envolvido nas tarefas comuns da casa. Porque, se puser a mesa, de certeza que parte pelo menos um copo. Porque não é de grande ajuda se for preciso pregar um quadro na parede. Porque se sujaria se ajudasse na pintura da sala; e seria preciso, além do mais, andar a tomar conta dele. Porque está muito frio para ser ele a despejar o saco do lixo lá fora, no contentor…

Depois de muitas anos assim, produz-se um estilo de vida. Acaba por não mexer um dedo em casa, nem que seja para colocar uma cadeira no lugar. Consome as coisas que aparecem feitas, e é capaz de resmungar se algo não está a seu gosto, ou se o jantar se atrasou.

Entretanto, chega uma altura em que os pais ficam mesmo alarmados. Assustamo-nos quando as coisas chegam a um certo ponto. Quando nos parece que o filho está a ficar muito infantil, pouco maduro para a idade. Ou quando teve uma quebra grande no rendimento escolar. Insistimos então com ele para que estude, para que seja responsável na sua vida escolar…

Mas sucede que a responsabilidade não se desenvolve senão depois de se ter cultivado cuidadosamente, demoradamente, a semente da responsabilidade. Passámos anos a fomentar no nosso filho um estilo de vida irresponsável, e agora, de repente, exigimos-lhe que seja responsável? Depois de tanto o apaparicarmos, queremos que seja maduro? Para ele ser maduro, teria sido necessário que tivesse vivido: que tivesse passado experiências diversas, que tivesse enfrentado obstáculos, que tivesse feito coisas sozinho, que tivesse errado e emendado depois os erros, que se tivesse aperfeiçoado à custa de esforço pessoal. E nós temos feito tudo para lhe evitar esses obstáculos, essas experiências e esse esforço.

É claro que, quando chega a altura em que precisa mesmo de estudar, porque as matérias se tornaram mais difíceis, não é capaz de o fazer. Pois é natural que – não tendo sido habituado ao esforço de fazer a cama, de ir a pé para a escola, de pôr a mesa… – não seja capaz do esforço de estudar, que é bem maior que os outros.

É escusado levá-lo ao psicólogo. É escusado pensarmos que o problema está em que não sabe estudar, em que desconhece as técnicas de estudo. O problema dele são… os pais. Exactamente.

Seremos capazes de mudar?