DOIS ANOS DE ENIGMAS POLICIÁRIOS NO JORNAL AUDIÊNCIA

Estamos de parabéns! Faz agora dois anos que o jornal AUDIÊNCIA iniciou a publicação desta secção, que vem exercitando as “células cinzentas” dos nossos leitores com crimes, detetives e criminosos…

Desde o passado dia 1 de junho de 2016 que marcamos encontro com o “detetive” que há em cada um de nós, estimulando a participação dos leitores nos nossos passatempos, através da escrita de contos policiais, da produção e decifração de enigmas, da solução de problemas sobre literatura policial ou na descoberta de escritores e detetives famosos, “escondidos” em breves textos biográficos.

Edição após edição, e já lá 52!, temos dado espaço à imaginação e à criatividade dos nossos leitores, que não têm regateado esforços numa participação regular nos mais diversos desafios e passatempos propostos. O esforço, o engenho e a arte postos em cada desafio têm sido compensados com premiação das melhores performances. E assim continuará a ser nas iniciativas em curso, que se estenderão até janeiro do próximo ano.

 

O XV CONVÍVIO DA TERTÚLIA DA LIBERDADE

No passado dia 20 de maio, aconteceu mais um convívio de âmbito nacional da Tertúlia Policiária da Liberdade (TPL), que reuniu perto de duas dezenas de policiaristas no restaurante Sabores de Sintra, em São Pedro de Sintra.

O orientador da secção marcou presença em mais esta jornada de confraternização dos amantes dos desportos mentais, que decorreu de forma calorosa e muito animada.

Depois de um agradável repasto, onde as conversas se centraram invariavelmente sobre o mundo policiário e alguns dos maiores vultos (autores e personagens) da literatura policial universal, quinze dos quais figuravam em desenhos-caricatura no “Certificado de Participação” do evento, a TPL apresentou um livrinho de edição própria com uma novela policial de escrita coletiva – “O Caso (sério) da Rua das Trinas” – assinada por A. Raposo, Arnes, Búfalos Associados, Detetive Jeremias, Inspetor Boavida, Rigor Mortis, Verbatim e Zé. A terminar, houve lugar a uma surpresa preparada em segredo por A. Raposo e Detetive Jeremias, que escreveram e editaram um “Borda d’ Água do Conto Curto para 2018”, composto por uma micronarrativa por cada mês do ano, iniciativa que foi muito apreciada pelos convivas.

 

VIAGEM DE TELEFÉRICO

Conto de Daniel Gomes
Segunda Parte (conclusão)

Ainda faltava uma hora para o içar da bandeira nacional no quartel da Serra do Pilar quando um grupo de cerca de cem jovens – mais raparigas que rapazes – passou a porta de armas para participar no Dia da Defesa Nacional. Entre eles, estava um trio de rapazes que se apresentaram como habitantes de Vila D’Este, um bairro social problemático de Gaia. Os três amigos, Pedro, Rui e Mário, não passaram despercebidos a Joca, que escolheu um lugar estratégico de onde os não perdesse de vista, quando começou a palestra sobre a defesa nacional e o papel das forças armadas. O sorriso aberto do primeiro, o ar maroto do segundo e o aspeto descomplexado do terceiro interessavam-no muito mais do que aquilo que o oficial de dia tinha para lhes dizer, apesar de ele não ser nada de se deitar fora, como ouviu exclamar a uma das meninas.

Na visita as instalações do quartel, que antecedeu o momento do repasto por volta do meio-dia no refeitório, Joca não se coibiu de se aproximar dos três rapazes de Vila D’Este, como se juntos formassem agora um quarteto de amigos, não sentindo qualquer desconforto por parte deles. Pedro, o sorridente, acolheu-o com gestos de alguma familiaridade, brindando-o com algumas graçolas sobre as miúdas que faziam parte da comitiva. Rui, o maroteiro, contava-lhe segredos ordinários ao ouvido, que o deixavam corado até às orelhas. E Mário, o descomplexado da silva, deu-lhe o braço por diversas vezes, enquanto procurava explicar-lhe para que servia cada apetrecho militar com que se confrontavam, chegando a dizer-lhe que as camaratas davam-lhe alguma tesão, por as camas estarem por cima uma das outras, como se estivem num bacanal.

Quando o oficial de dia encaminhou os recrutas ocasionais de um dia para o próximo módulo de debate, que culminou com o preenchimento de um inquérito que visa conhecer melhor a juventude portuguesa, Joca dava graças ao seu pai por o ter forçado a participar naquela jornada inteiramente dedicada ao serviço militar. Ele estava completamente rendido, não ao quartel e aos tropas, mas às amizades que angariou, imaginando já uma forma de perpetuar estes momentos para além daquele dia de celebração da vida militar. E ainda antes do arriar da bandeira, convidou os seus três amigos para uma viagem de teleférico, quando saíssem dali, assumindo ele próprio as despesas inerentes. Pedro e Mário ainda esboçaram uma negativa, mas Rui demonstrou-se muito animado com a ideia, cochichando-lhes as razões da aceitação do convite.

Pouco passava das cinco da tarde quando os quatro desceram a rua Rodrigues de Freitas em direção ao Jardim do Morro. À chegada ao teleférico, aguardaram que uma família de turistas ocupasse uma cabine do teleférico e só depois da partida desta é que Joca comprou as quatro passagens. Dentro da cabine, com Mário e Pedro lado-a-lado e os outros dois sentados de frente para eles, Rui sacou de uma faca que tinha enfiada na meia da sua perna esquerda e apontou-a ao pescoço de Joca. Ato contínuo, Mário gritou-lhe: “Passa para cá toda a guita, minha maricona!” Pedro, sempre sorrindo, complementou: “E o cartão multibanco!” Aterrado, Joca deu tudo o que tinha. Mas a coisa não ficou por ali. O último pedido saiu da boca de Rui: “E o código do cartão, chavala, qual é?” Mas, com os nervos, Joca não foi capaz de se lembrar do código.

Insatisfeitos com aquele ataque de amnésia, os rapazes começaram a abanar a cabine do teleférico, deixando Joca aterrado de medo. Agarrado com toda a sua força à parte inferior do assento, deslizando sobre a esquerda e a direita à medida que a cabine era abanada, foi suplicando que parassem. Lá em baixo, os barcos deslizavam sobre o leito calmo do rio e a populaça passeava-se tranquilamente no empedrado da marginal, curiosamente apinhada de polícias. Ele gritava, gritava, mas de nada lhe valia, porque ninguém o ouvia. Subitamente, a porta da cabine abriu-se para um voo picado de Joca sobre as águas geladas do Douro, onde aterrou de cabeça. E foi aí que ele acordou, quase sem respiração, com a água fria que o pai despejou sobre a sua cabeça, ao mesmo tempo que gritava que era hora de se levantar e rumar até ao quartel da Serra do Pilar…