A LENDA DOS DONOS DISTO TUDO

O Ministério Público fala em comissão de 10% de 25 milhões de euros por serviço de ocultação de luvas do ex-primeiro-ministro, o qual afirma ter investido em prédios.

Quando confrontados com as múltiplas utilizações, por parte de José Sócrates, de avultadas quantias em dinheiro formalmente na titularidade de Carlos Santos Silva, o ex-primeiro-ministro e o empresário justificaram às autoridades tratar-se de empréstimos com base numa amizade de há muitos anos.

Porém, no fim de quatro anos de investigação da Operação Marquês, o Ministério Público chegou a uma conclusão muito diferente: tratou-se de uma «prestação de serviço» de Carlos Santos Silva, para a qual foi remunerado em 2,5 milhões de euros.

Nas contas do Ministério Público, levadas até aos cêntimos, é apontado que Sócrates é suspeito de receber exactamente 34.143.715,64 de euros, entre 2006 e 2015, conforme consta do despacho final de acusação do processo Operação Marquês.

Deste valor total, mais de 22 milhões de euros terão vindo do Grupo Espírito Santo, alegadamente por ordem de Ricardo Salgado, através de contas na Suíça, com o intuito de obter decisões favoráveis de Sócrates para o Banco Espírito Santo, sendo o restante valor originário dos Grupos Lena e Vale do Lobo.

Para os procuradores do MP, Ricardo Salgado esteve na origem da maioria do dinheiro que foi parar às contas bancárias de Joaquim Barroca ou Carlos Santos Silva, o testa-de-ferro de José Sócrates, além de ter pago mais de 45 milhões de euros a Henrique Granadeiro e a Zeinal Bava, considerado o melhor gestor do mundo, para decidirem na Portugal Telecom, onde eram administradores, «em conformidade com as indicações e com os interesses definidos por Ricardo Salgado», pois o BES tinha grandes interesses financeiros na PT.

Na acusação formulada pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal, Ricardo Salgado é descrito como alguém que «dispunha de todos os poderes necessários para decidir e fazer implementar a sua vontade no Grupo Espírito Santo» e, segundo o Ministério Público, «efetuou pagamentos aos arguidos Zeinal Bava e Henrique Granadeiro para que os mesmos desempenhassem os seus cargos na PT em benefício dos interesses do GES.

Para garantir o apoio político, pois o Estado detinha a golden share na PT, Ricardo Salgado «efetuou, igualmente, pagamentos ao arguido José Sócrates de forma a que o mesmo, na condução do governo de Portugal, decidisse e tivesse intervenções de acordo com as estratégias definidas». O apoio do então primeiro-ministro na oposição à OPA da Sonae, em 2006, era necessário e, para tal, diz o MP, Sócrates terá recebido sete milhões de euros.

Utilizando diversas «offshores», no Panamá ou nas Ilhas Virgens Britânicas, as empresas do BES em Angola e diversas contas na Suíça, em que Hélder Bataglia, José Pinto de Sousa, Joaquim Barroca e Carlos Santos Silva eram intermediários, Ricardo Salgado é acusado de ter montado o esquema de corrupção.

O homem que dirigiu o BES até 2014, também é acusado de ter determinado operações em seu proveito, com o auxílio de Hélder Bataglia e Henrique Granadeiro, pois «procurou obter contrapartidas para ele próprio», diz o MP, em valor superior a dez milhões de euros, com diversos pagamentos de empresas do Grupo BES, com o destino final a ser o próprio presidente do banco, resultando daí, conclui o MP, um prejuízo para o Estado de 4,7 milhões de euros em IRS por pagar.

A procuradora-geral da República comentou a acusação do processo Marquês e elogiou o trabalho dos procuradores: «Confio na solidez desta acusação como confio na solidez das acusações do MP em outros processos», “Os magistrados do MP atuam de acordo com aquilo que é a lei e a análise objetiva dos factos», disse Joana Marques Vidal.

Embora a procissão esteja ainda no adro, para o comum dos mortais e pela primeira vez na história recente da nossa democracia, vai-se desvanecendo a ideia de que a Justiça só actua para os mais frágeis da nossa sociedade e, contrariando a opinião de alguns comentadores encartados, se houver punição para estes corruptos, ela deve ser directamente proporcional aos prejuízos causados à população portuguesa e ao País, ou seja, exemplar.